A escalada do desmatamento, entre outros danos colaterais, tem-se mostrado o principal entrave à ratificação do Acordo Comercial entre os dois blocos
É
uma característica irreversível de nosso tempo que a agenda geopolítica e
econômica fique cada vez mais atrelada à ambiental. No caso do Brasil, a
escalada do desmatamento, entre outros danos colaterais, tem-se mostrado o
principal entrave à ratificação do Acordo Comercial entre o Mercosul e a União
Europeia (UE). Recentemente, o representante da UE em Brasília, Ignacio Ybañez,
declarou que até que o Brasil assuma o compromisso de reverter a devastação na
Amazônia o Acordo não avançará.
Mas
enquanto o governo de Jair Bolsonaro insiste em transferir responsabilidades,
maquiar dados e acusar autoridades internacionais de má-fé, forças políticas na
Europa e no Mercosul trabalham por uma solução para o impasse. Em
pronunciamento na Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu, a
chefe da divisão da América do Sul, Véronique Lorenzo, esboçou um mecanismo
para melhorar as condições de ratificação do Acordo.
Segundo Lorenzo, a “Iniciativa Amazônia” que vem sendo estudada em Bruxelas seria baseada em dois pilares. Primeiro, uma “declaração conjunta” anexa ao Acordo definindo compromissos ambientais e sociais dos dois blocos. As metas seriam monitoradas por uma agência científica independente e por um comitê formado por integrantes da UE e do Mercosul. O segundo pilar viria na forma de recursos disponibilizados pela UE para combater o desmatamento.
Como
que a ilustrar a resistência que o Brasil enfrentará, na mesma sessão o
deputado Yannick Jadot, pré-candidato do Partido Verde às próximas eleições
presidenciais francesas, manifestou ceticismo: “Bolsonaro será o primeiro a
jogar essa declaração no lixo, depois que for assinada”. Para ele e seus
correligionários, a declaração será inútil caso não haja mecanismos que
obriguem o Brasil a respeitar seus compromissos.
Não
há nenhuma razão para que o Brasil, em ligação com os demais integrantes do
Mercosul, não crie imediatamente uma força-tarefa para cooperar com as
autoridades europeias na montagem desses mecanismos. Afinal, a única coisa que
elas esperam é que o País cumpra suas próprias leis, retomando programas
bem-sucedidos, como o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento
na Amazônia, que entre 2005 e 2012 conseguiu reduzir o desmatamento de 27,8 mil
km² para 4,6 mil km² – em 2019, o desmate foi de 9,8 mil km².
Além
de restaurar a confiança dos europeus, restabelecendo as condições para a
ratificação do Acordo, uma ação conjunta nos termos da “Iniciativa Amazônia”
facilitaria a criação de fundos que canalizariam recursos para a preservação
ambiental. Mais importante: pulverizaria os pretextos do lobby protecionista
para sabotar o Acordo.
Hoje,
o maior foco de resistência talvez venha do presidente francês, Emmanuel
Macron. Para efeito da opinião pública, a motivação é ambiental. Mas sabe-se
que o Acordo é um anátema para os influentes fazendeiros franceses. “Macron
encontrou uma maneira barata de agradar tanto aos ambientalistas como aos
fazendeiros ao se opor ao Mercosul”, disse Jordi Cañas, o principal negociador
do Parlamento Europeu para o Acordo. “Mas ainda é protecionismo, camuflado por
uma semântica virtuosa.”
O
Acordo é o maior já negociado pela União Europeia. Nove países, entre os quais
Espanha, Itália, Suécia e Portugal, escreveram ao chefe de comércio da Comissão
Europeia, Valdis Dombrovskis, argumentando que a não ratificação, além de
piorar a questão ambiental, “não só afetará a credibilidade da UE como parceira
geopolítica e de negociações, mas também fortalecerá a posição de outros
competidores na região”. Em janeiro, Portugal assumirá a presidência rotativa
do Conselho Europeu. O Uruguai, que ocupava a presidência do Mercosul, emitiu uma
declaração confirmando que o bloco “está disposto a cooperar para desenhar uma
declaração adicional para aprofundar os compromissos ambientais desde que eles
sejam aplicados a ambas as partes”. Essa é uma janela de oportunidades que o
Brasil não pode perder.
Encurralados
– Opinião | O Estado de S. Paulo
A
União definiu um piso para os professores alheia às realidades dos municípios
Quase 40% dos municípios paulistas – 252 dos 645 – não cumprem a Lei Federal 11.738/2008, que fixou um piso salarial para o magistério público da educação básica. O levantamento inédito, ao qual o Estado teve acesso com exclusividade, foi feito pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP).
Não
é que os prefeitos dessas cidades tenham decidido governar à margem da lei ou
tenham predisposição para desvalorizar uma das mais importantes categorias
profissionais do País. Eles simplesmente não conseguem cumprir o piso dos
professores e manter a oferta de outros serviços públicos à população ao mesmo
tempo. Trata-se de imperativo aritmético. A conta não fecha.
A
origem do problema, pois, remonta à edição daquela lei no governo do
ex-presidente Lula da Silva. Em que pese a louvável intenção da União de
valorizar o magistério público, houve um claro alheamento da realidade dos
municípios, sobretudo dos pequenos, que não têm volume de receitas capaz de
suportar a obrigação que lhes foi imposta. A bem da verdade, a União bancou o
pagamento do piso nos primeiros anos. Mas, pouco a pouco, o volume de repasses
aos entes federativos caiu, ao passo que as despesas com a folha de pagamento
dos professores continuaram subindo acima da inflação. O piso foi fixado em R$
950 para uma jornada de 40 horas quando a lei entrou em vigor. Hoje está em R$
2.886,24. Ou seja, ao longo de quase 12 anos, o salário dos professores teve um
reajuste de 203%. No mesmo período, o salário mínimo aumentou 124% e a inflação
acumulada foi de 84% (IPCA).
“Os
prefeitos não são contra o piso salarial e querem pagar bem seus professores”,
disse Frederico Guidoni, vice-presidente da Associação Paulista de Municípios
(APM). “Eles apenas lamentam a obrigação que vem de cima para baixo, sem uma
contrapartida da União.” Guidoni resume bem o desafio de muitos prefeitos que
assumirão em janeiro de 2021: “Estão encurralados”.
Se
em grande parte dos municípios paulistas a situação fiscal já é preocupante
hoje, a ponto de prefeitos não terem condições de cumprir uma lei federal, o
futuro que se avizinha adquire contornos dramáticos. Por um lado, o notório
recrudescimento da pandemia de covid-19 impõe aumento de gastos públicos na
área da Saúde e na assistência social aos mais desvalidos. Por outro, a
dificuldade dos prefeitos será maior porque uma portaria do Ministério da
Educação (MEC) determinou a redução de 8% no repasse federal aos municípios.
Diante da necessidade de aumentar gastos, há uma redução de receitas. Como os
prefeitos administrarão suas cidades? “Terão de apertar os cintos”, recomendou
Guidoni, da APM.
“Apertar
os cintos” significa que cortes de gastos precisarão ser feitos – vale dizer,
queda na qualidade dos serviços públicos – ou impostos municipais terão de ser
majorados. A conta chegará para os munícipes, de uma forma ou de outra.
Não
se discute que uma das mais importantes medidas para atrair profissionais
qualificados para o magistério público é a valorização salarial. O aumento do
poder aquisitivo dos professores é fundamental não só para atraí-los, como
também para retê-los no serviço público. Ocioso estender considerações sobre o
papel de uma educação pública de qualidade no desenvolvimento de uma nação. Mas
não será com medidas impositivas, alheias à realidade local, que se chegará ao
fim almejado. A realidade que se impõe é a de uma lei federal que virou letra
morta em quase 40% dos municípios do Estado mais rico da Federação. E não por
desídia, repita-se, mas por questão de impossibilidade.
Há
quem enxergue soluções simples, reduzindo o problema à mera questão de “vontade
política” dos prefeitos, como se reais brotassem em orçamentos por manifestação
de desejo. Evidente que sempre há melhorias a serem feitas nas gestões
municipais, mas nas cidades pequenas, com poucos recursos, não há milagre que
alivie o peso de uma lei bem-intencionada, mas mal pensada.
O
juiz de garantias – Opinião | O Estado de S. Paulo
Faltam
limites a setores da magistratura quando são contrariados seus interesses
corporativos
Quase um ano após o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, ter concedido liminar suspendendo por tempo indeterminado a implantação do juiz de garantias, criado pela Lei 13.964/19, um grupo de advogados criminalistas apresentou à Corte um pedido de habeas corpus coletivo pedindo a retomada do julgamento do mérito deste caso.
A
Lei 13.964, que altera o antigo Código de Processo Penal de 1941, foi aprovada
no final de 2019, depois de tramitar por dez anos no Congresso. Adotado há
décadas em vários países europeus, com o objetivo de assegurar a isenção da
magistratura criminal, preservar o equilíbrio nas ações penais e garantir a
segurança jurídica, o juiz de garantias é o responsável pela condução das
diligências e pela salvaguarda dos direitos fundamentais dos presos. Ele atua
na fase de produção de provas, de controle da constitucionalidade das
investigações e de expedição de mandados de busca e apreensão. Cabe a ele
autorizar buscas e apreensões, determinar o trancamento ou a prorrogação do
inquérito, adotar medidas cautelares restritivas ao ir e vir do acusado e
decidir sobre pedidos de quebra de sigilo bancário e telefônico e de
arquivamento. Pela Lei 13.964, uma vez terminada a etapa de instrução e aceita
a denúncia do Ministério Público, o processo é transferido para outro juiz, que
será responsável pelo julgamento do mérito.
Essa
divisão de tarefas sempre causou polêmica nos meios jurídicos. As associações
de advogados alegam que, sem essa separação de funções, os juízes criminais têm
pouca motivação para revisar eventuais erros cometidos no inquérito e, na
maioria das vezes, atribuem excessiva credibilidade aos resultados das
investigações em que atuaram. Já a Associação dos Juízes Federais do Brasil
(Ajufe) defende a tese de que os magistrados que conduzem a fase de instrução
devem ser os mesmos que julgam o mérito e prolatam a sentença. Para a entidade,
a divisão de tarefas atrasa a tramitação dos processos criminais e acarreta
problemas de insegurança jurídica. Também lembra que 40% das comarcas judiciais
têm apenas um único magistrado. Por isso, a criação do juiz de garantias
exigiria realização de concursos e contratação de serventuários num período em
que, por causa da crise fiscal, a Justiça carece de recursos até para pagar
despesas de custeio.
Nesse
embate, fica evidente que, ao suspender por tempo indeterminado a implantação
do juiz de garantias, Fux demonstrou provir dos quadros da magistratura. O
argumento que invocou é prova disso – a figura do juiz de garantias foi uma
“medida feita para depreciar o juiz da causa”, disse ele. Além disso, sua
estratégia foi a mesma que usou quando atuou como relator nas ações que
questionavam a constitucionalidade do auxílio-moradia concedido pelas
diferentes instâncias e braços especializados do Poder Judiciário aos seus
membros, como forma de burlar o teto salarial do funcionalismo. Quando não
pedia vista e engavetava as ações em seu gabinete, concedia liminar e deixava
para as calendas o julgamento de mérito.
Na
realidade, esse confronto entre criminalistas e juízes criminais prima, desde o
início, mais por seus aspectos políticos do que jurídicos. Do ponto de vista
técnico-legal, por exemplo, o habeas corpus coletivo não é o instrumento
processual adequado para pedir ao Supremo Tribunal Federal a retomada do
julgamento. Mas foi o meio que os criminalistas utilizaram para pressionar
publicamente o presidente da Corte para cassar a liminar ou levar o caso a
plenário. Por seu lado, com apoio da Ajufe, Fux vem alegando que, se a liminar
for suspensa, ela abrirá brechas legais para a anulação da condenação de presos
perigosos, o que não é verdade.
Acima
de tudo, o que esse embate revela é a falta de limites de alguns setores da
magistratura quando seus interesses corporativos são contrariados. As entidades
de juízes foram ouvidas pelo Congresso antes da aprovação da Lei 13.964. Contudo,
tendo perdido numa votação inquestionável, elas recorreram a expedientes
discutíveis para impedir a entrada em vigor de uma decisão aprovada por um
Poder independente.
Uso das redes sociais por facções criminosas exige resposta ágil – Opinião | O Globo
Plataformas
digitais precisam ampliar esforços para derrubar conteúdos perigosos ou ilegais
As
redes sociais se tornaram um meio de comunicação essencial para o narcotráfico
e para as facções do crime organizado. De acordo com uma análise do Instituto
Igarapé, elas têm sido usadas tanto no recrutamento da mão de obra criminosa
quanto para fazer propaganda dos crimes. Vídeos de execuções bárbaras têm sido
publicados em redes como YouTube, Telegram e WhatsApp. “O objetivo não é apenas
assustar os oponentes, mas também enviar uma mensagem às comunidades locais
demonstrando quem manda”, escreveram em artigo recente na Foreign Policy os
pesquisadores Robert Muggah e Pedro Augusto Francisco.
Eles
contam que, assim como a polícia usa os posts das redes para investigar as
facções, os criminosos seguem de perto as publicações de seus informantes,
publicam no Facebook sentenças de morte proclamadas pelos “tribunais do crime”,
divulgam vídeos e imagens de julgamentos, execuções ou apenas propaganda dos
maus-tratos a que alegam ser submetidos nas prisões. O uso das redes sociais se
estende a plataformas inovadoras, mais difíceis de rastrear, como Snapchat ou
TikTok.
Não
é de hoje que o crime organizado lança mão da tecnologia digital em suas
atividades. Basta lembrar que o anonimato garantido pela “internet profunda” é
o recurso preferido de traficantes, pedófilos, terroristas ou neonazistas. O
uso de plataformas públicas abertas demonstra que empresas como Google ou
Facebook não têm agido com a energia e a presteza necessárias para enfrentar os
riscos.
Tramita
no Congresso um projeto de lei, do deputado Capitão Wagner (PROS-CE), tentando
proibir publicações ou compartilhamentos que façam propaganda ou endossem atos
criminosos. Como em toda iniciativa do tipo, o risco é impor restrições à
liberdade de expressão. Embora o texto tente fazer uma distinção para proteger
publicações jornalísticas, científicas, culturais e acadêmicas, na prática nem
sempre esse tipo de classificação funciona.
É
difícil, também, acreditar que uma resposta legislativa seja capaz de coibir
uma atividade exercida, por definição, fora da lei. A principal
responsabilidade cabe às plataformas digitais, sempre mantendo o respeito às
leis que protegem a privacidade e a liberdade de expressão. “Agências de
inteligência e investigadores criminais precisarão rastrear atividades”, dizem
Muggah e Francisco. “Companhias de tecnologia precisam ampliar os esforços para
monitorar e derrubar conteúdos perigosos. E os grupos de direitos digitais e
consumidores precisam se manter vigilantes para impedir os governos e as
empresas de irem longe demais.”
O risco do transporte clandestino – Opinião | O Globo
Fiscalização
falha permite viagens em veículos precários e ameaça a vida dos passageiros
Num
intervalo de pouco mais de uma semana, o Brasil assistiu perplexo a dois
acidentes gravíssimos. Em 25 de novembro, um ônibus da Star Viagens e Turismo,
que transportava 50 trabalhadores para uma tecelagem, colidiu com uma carreta
na Rodovia Alfredo de Oliveira Carvalho, em Taguaí, interior de São Paulo.
Morreram 41. Nove dias depois, um ônibus da Localima que seguia de Mata Grande
(AL) para São Paulo despencou de um viaduto da BR-381 em João Monlevade (MG).
Morreram 19 passageiros. Nenhum dos dois veículos tinha autorização para fazer
o que fazia. Os episódios expõem a tragédia do transporte clandestino no país.
O
ônibus da Star Turismo não tinha registro nas agências estadual e federal de
transportes e, portanto, trafegava irregularmente. Era prática corriqueira,
como comprovam as 11 multas por transporte irregular, má conservação e outros
problemas. O veículo estava com IPVA, licenciamento e DPVAT atrasados. O
motorista alegou que perdera os freios e, para não bater no veículo da frente,
que andava em velocidade reduzida, precisou invadir a pista contrária,
colidindo com uma carreta.
No
acidente em João Monlevade, o ônibus da Localima também não tinha registro para
fazer transporte de passageiros. Um indício da reincidência são as seis multas
emitidas desde 2019 pelas autoridades de Minas, por irregularidades como
transporte clandestino, excesso de peso e problemas no tacógrafo. A polícia
suspeita que o acidente tenha sido provocado por uma falha no sistema de
freios.
O
transporte pirata é uma realidade num país onde as normas de trânsito são
atropeladas sem qualquer cerimônia. Nas metrópoles, é notória a concorrência
predatória de Kombis e vans com as linhas de ônibus regulares. É uma atividade
que põe em risco a vida dos passageiros e causa prejuízo às empresas que operam
na legalidade. Nas estradas, o perigo viaja a bordo dos ônibus clandestinos de
turismo. São milhares percorrendo rodovias de todo o país em condições
precárias de manutenção, com funcionários nem sempre habilitados para a função.
É
verdade que os veículos são multados, como ocorreu com os dois ônibus
envolvidos nos acidentes. Mas está claro que isso é insuficiente para
interromper a trajetória dos piratas. Até porque as multas raramente são pagas.
O poder público finge que fiscaliza, e as empresas fingem que obedecem.
Raramente o festival de bandalhas leva à apreensão. Não deveria ser difícil
fiscalizar ônibus que, por motivos óbvios, sempre se deslocam de um ponto a
outro e estão sujeitos a inspeções.
Os
veículos clandestinos costumam oferecer aos passageiros um atrativo: o preço
mais baixo em relação ao transporte regular. Mas a vantagem é só uma ilusão. A
tarifa não leva em conta o preço pago por viajar em veículos de idade avançada,
em condições precárias de manutenção, que muitas vezes não passam pelas
inspeções obrigatórias em que são verificados os equipamentos de segurança. Os
clandestinos podem oferecer viagens mais baratas. Só que muitas vezes elas não
têm volta.
Divórcio amigável – Opinião | Folha de S. Paulo
Saída
do Reino Unido da UE deixa pontos em aberto, mas evita ruptura caótica
Após
quatro anos de exaustivas negociações e às vésperas do prazo limite de 31 de
dezembro, foi concluído o acordo que consuma
a saída do Reino Unido da União Europeia e dá início a uma nova
era nas relações entre as partes.
O
entendimento, ainda por ser ratificado em todas as capitais, cobre
essencialmente o comércio de bens (a UE é o destino de 46% das vendas
britânicas), que continuará a fluir sem imposição de tarifas ou cotas, mas com
regras mais restritivas que as do mercado comum.
Evita-se
com isso o cenário caótico de imposição súbita de custos e barreiras a partir
de 2021.
Pode-se
dizer que dentro das circunstâncias houve vitória para todos. O ponto-chave
para os britânicos era quebrar qualquer subordinação à legislação do bloco
europeu, objetivo sempre repetido pelo primeiro-ministro Boris Johnson.
Já
a UE queria garantir salvaguardas para manter equilíbrio econômico nas relações
comerciais, o que na prática significa limitar o espaço para que o parceiro,
liberto das obrigações com o bloco, possa obter vantagens com práticas como
subsídios e regras ambientais e trabalhistas mais brandas.
Ao
final, foi negociado um mecanismo de arbitragem de disputas, a ser conduzido
por um painel independente, sem jurisdição da corte europeia, fronteira
política principal para Johnson.
Como
é típico em negociações desse tipo, houve pontos de controvérsia menores, que
por meses dificultaram o acordo. Um dos principais dizia respeito às regras de
pesca, setor que movimenta uma ínfima fração do comercio.
Finalizado
o acerto, o foco agora se voltará para consequências e custos econômicos.
Apesar da ausência de tarifas, haverá uma fronteira e checagens aduaneiras, o
que deve perturbar a fluidez logística, ao menos inicialmente.
Itens
burocráticos como aprovação de produtos e validação de diplomas e
especialidades não serão sempre automáticos, o que trará incerteza e maiores
custos para empresas e consumidores.
O
acordo tampouco cobre o comércio de serviços, no qual o Reino Unido é superavitário,
tema que ainda demandará negociações.
Cálculos
do governo britânico apontam para uma perda de até quatro pontos percentuais no
Produto Interno Bruto do país a longo prazo em decorrência da saída do bloco
europeu, custo que poderia ser 50% mais alto se o desenlace não tivesse sido
amigável.
O
divórcio deixa pontos em aberto, portanto. Mas construiu-se uma plataforma
concreta que viabiliza negociações amplas —também em temas como segurança,
combate ao terrorismo e proteção de dados. Os vizinhos, apesar da separação,
continuam a partilhar interesses.
Ciência paulista – Opinião | Folha de S. Paulo
Estado
promete manter recursos da Fapesp em 2021, mas arranjo deixa dúvidas
Aprovado
recentemente, o Orçamento do estado de São Paulo para 2021 corta recursos da
ciência, mas promete, ao mesmo tempo, recompor a dotação perdida.
O
texto corta 30% dos recursos da Fapesp, fundação estadual que financia ciência
em universidades e em institutos de pesquisa. A estimativa é de R$ 455 milhões
a menos nos laboratórios paulistas.
Entretanto
a mesma lei prevê um ajuste por decreto governamental para que a Constituição
estadual seja cumprida —com repasse de 1% da receita do ICMS à entidade, e não
do 0,7% proposto.
Quase
metade da ciência nacional tem a participação da Fapesp. Neste ano, por
exemplo, 60% da ciência produzida pelo Butantan —o instituto à frente da
produção da vacina Coronavac, aposta do governador João Doria (PSDB) na
pandemia— tem verba da fundação.
Ela
fomenta a atividade científica por meio de bolsas pagas a pesquisadores e de
auxílios em diferentes programas. Nos dois casos, os contratos podem durar até
dez anos. A previsibilidade de recursos, portanto, é fundamental para a gestão
dos aportes.
O
arranjo heterodoxo encontrado para preservar os recursos da Fapesp causa
justificada preocupação. O governo tucano, afinal, já tentou, por
meio de um projeto de lei deixado de lado, apropriar-se das sobras de caixa da
fundação.
Depois,
a proposta orçamentária para o próximo ano previu a desvinculação de receitas
da entidade com base na emenda constitucional 93, de 2016, que buscou tornar
mais flexíveis as despesas públicas. Após a má repercussão da ideia, o
Bandeirantes se comprometeu a garantir as verbas.
Será
a primeira vez, no entanto, que elas dependerão de uma assinatura do
governador.
Compreende-se,
decerto, a necessidade de ajustes nos gastos estaduais, ainda mais no cenário
de crise agravada pela pandemia de Covid-19. A investida sobre a dotação da
Fapesp, porém, parece
trazer mais problemas que soluções.
O
modelo que garante a autonomia da fundação, baseado na reserva de uma parcela
fixa da arrecadação tributária, tem funcionado a contento. Com alguma
previsibilidade das receitas, é possível planejar a longo prazo —arcando com as
consequências, também, de eventuais escolhas erradas.
Se
o governo estadual entende que há excessos ou distorções nesse gasto, deveria
expor mais claramente seus argumentos.
Crédito deve se desacelerar com fim do apoio do governo – Opinião Valor Econômico
Caso
se confirme o abismo fiscal previsto para o início de 2021, talvez seja
necessário sustentar o crédito por mais tempo para evitar novo mergulho
recessivo
O
crédito bancário foi um dos pilares de sustentação da economia na crise do
coronavírus, puxado pelo corte da taxa básica de juros, novos subsídios, forte
injeção de liquidez em reais e alívio nas regras prudenciais do sistema
financeiro. No próximo ano, deverá ter um papel menos importante, devido ao fim
de muitos desses programas oficiais, justamente quando a economia deverá sofrer
um baque com a redução dos estímulos fiscais.
Dados
divulgados pelo Banco Central mostram que, nos 12 meses encerrados em novembro,
o crédito bancário apresentou um crescimento de 15,6%. À primeira vista, parece
ter havido uma forte aceleração em relação ao ano anterior, quando avançara
apenas 6,5%. Mas uma análise mais detalhada dos dados mostra que, na verdade, a
oferta de financiamentos ao setor privado não cresceu de forma tão robusta.
Nos
últimos anos, as grandes empresas vinham deslocando as suas fontes de
financiamento do sistema bancário para o mercado de capitais. Já em fins de
2019 esse mercado começou a perder dinamismo, em virtude da desvalorização de
papéis, que provocou queda nas cotas de alguns fundos de investimento. Com a
pandemia, o mercado de capitais teve uma parada. Cresceu apenas 3,5%, bem menos
do que a alta de 35% observada um ano antes.
Grandes
empresas deslocaram a sua fonte de financiamento para os bancos, sacando linhas
pré-contratadas para fortalecer o caixa nesse período de incerteza. Em 2019, o
estoque de crédito bancário às grandes empresas havia caído 4% e, em 2020,
apresentou uma expansão de 14,5%.
Nos
primeiros meses após o choque do coronavírus, os financiamentos às micro,
pequenas e médias empresas se mantiveram contidos. Deslancharam apenas quando o
governo e o Congresso aprovaram novas linhas de crédito direcionado, com
subsídios orçamentários. Também ganharam impulso depois que o Banco Central
adotou medidas de assistência de liquidez que foram usadas por muitas
instituições financeiras especializadas em empresas menores.
O
crédito a pessoas físicas, por sua vez, apresentou uma grande desaceleração
inicial. Pesou, em particular, a queda no volume de operações com cartão de
crédito à vista, devido às medidas de distanciamento social. Mais recentemente,
o fluxo de empréstimos começou a se normalizar, com a providencial ajuda dos
agressivos cortes na taxa básica de juros pelo Banco Central. Nos 12 meses até
novembro, o crédito às famílias cresceu 10,9%, muito próximo de recuperar a
velocidade do ano anterior, de 11,9%.
Um
dos aspectos menos reconhecidos nesta crise foi o papel do crédito para evitar
uma recessão mais grave em 2020. Foi um trabalho penoso. Muitos dos novos
programas não funcionaram num primeiro momento e precisaram de ajustes. O
saldo, apesar desses contratempos, é positivo, comparando com as dificuldades
em outros países, como os Estados Unidos, para canalizar financiamentos para a
economia.
A
dúvida é o que vai ocorrer no ano que vem, quando os subsídios de diversos
programas vão acabar. A projeção do Banco Central, divulgada no Relatório de
Inflação, aponta uma expansão de 7,8% do mercado de crédito bancário. Boa parte
dessa desaceleração se deve aos empréstimos direcionados, entre os quais se
encontram as linhas subsidiadas, que terão avanço de apenas 3,3% em 2021, bem
abaixo dos 15,2% estimados pelo BC para este ano.
Os
empréstimos livres também devem crescer menos, 11%, ante os 15,2% estimados
para este ano. A premissa do Banco Central é que, em 2021, o mercado de
capitais vai recuperar o seu fôlego, deslocando as grandes empresas que ao
longo de 2020 tomaram financiamentos bancários.
Já
o crédito às pessoas físicas deverá ter uma alta de 10,6%, mais ou menos em
linha com o avanço neste ano. Embora a baixa de juros crie um ambiente
favorável para empréstimos, o risco fiscal e a perspectiva de normalização da
política monetária já afetam os custos de captação dos bancos. As famílias
também estão mais endividadas, e o mercado de trabalho segue desfavorável.
O natural é que, depois de um ano atípico, que exigiu uma forte intervenção do governo, o mercado de crédito volte a andar com as próprias pernas. Mas, caso se confirme o abismo fiscal previsto para o início de 2021, talvez seja necessário sustentar o crédito por mais tempo para evitar um novo mergulho recessivo.
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