Um planejamento minimamente adequado conseguiria poupar muitas vidas, além de contribuir para a retomada da economia
Enquanto
os EUA e vários países da Europa, da América Latina e do Oriente Médio já
iniciaram a vacinação contra a covid-19, o Brasil fica para trás, sem um plano
claro e definido para a imunização. Por aqui, o presidente Jair Bolsonaro se
empenha numa campanha de desinformação contra a vacina. Diz que não vai se
vacinar, lança dúvidas sobre a Coronavac, desenvolvida no Brasil pelo Instituto
Butantan e pela chinesa Sinovac, e afirma não ter pressa em iniciar a
vacinação, num país em que já morreram mais de 191 mil pessoas pela doença.
Além da tragédia da perda de muitas vidas, a demora tende a prejudicar a
retomada da economia, que já vai enfrentar outros ventos contrários em 2021.
A vacinação em massa é o caminho mais eficaz para deter a doença. Diante disso, a estratégia óbvia de grande parte dos países foi planejar com antecedência a aquisição de vacinas para imunizar uma parcela expressiva de sua população, começando o processo o mais rápido possível. Não foi o que fez o governo Bolsonaro. No sábado, o presidente disse que não se sentia pressionado pelo fato de outros países já terem iniciado a vacinação, afirmando não dar “bola para isso”. Em 19 de dezembro, havia dito que “a pressa pela vacina não se justifica”, no mesmo dia em que vaticinou que a “pandemia estava chegando ao fim”. Ontem, porém, afirmou ter “pressa em obter uma vacina, segura, eficaz e com qualidade, fabricada por laboratórios devidamente certificados”, mas que a questão da responsabilidade por reações adversas é “um tema de grande impacto e que precisa ser muito bem esclarecido”.
A
coleção de disparates de Bolsonaro a respeito do tema é ampla. Alguns dos mais
graves são as seguidas declarações de que não pretende se vacinar, as críticas
à imunização obrigatória e as ironias sobre a Coronavac. O presidente, que
assinou uma medida provisória (MP) destinando R$ 20 bilhões para a compra da
vacina, contribui ativamente para a campanha de desinformação sobre o assunto,
que corre solta nas redes sociais e em grupos de WhatsApp.
Pesquisa
feita pelo Datafolha neste mês mostra que 22% dos entrevistados não pretendem
se vacinar contra a covid-19, percentual que era de 9% em agosto. Um terço dos
ouvidos pelo instituto que afirmam confiar sempre em Bolsonaro diz que não vai
tomar o imunizante. Além disso, metade dos entrevistados informa que não tomará
uma vacina da China. Se uma parcela expressiva da população resiste a se
vacinar, é mais difícil evitar a disseminação da doença.
O
atraso na vacinação deverá ter consequências negativas para a economia. O maior
otimismo em relação à atividade econômica global em 2021, especialmente no
segundo semestre, se deve à expectativa de que uma parte expressiva da
população em muitos países será imunizada. Se o Brasil ficar para trás nessa
corrida, a retomada por aqui vai enfrentar um obstáculo importante.
Na
visão dos analistas, o recrudescimento da covid-19 é um dos fatores que podem
atrapalhar a recuperação da economia em 2021, num cenário em que as incertezas
em relação às contas públicas e o fim do auxílio emergencial tendem a afetar o
ritmo de expansão da atividade.
O
Itaú Unibanco, por exemplo, estima que a economia brasileira deverá crescer no
segundo trimestre 0,2% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste
sazonal, considerando uma média diária de 400 óbitos pela covid-19 no fim desse
período. No entanto, se a média de mortes por dia no fim do primeiro trimestre
ficar em 600, pode haver uma retração do PIB de 1,2% nos três primeiros meses
do ano, calcula o banco.
Segundo
o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, o que se observou é que “a
mortalidade afeta a atividade diretamente, porque as pessoas passam a circular
menos e usar menos serviços que implicam aglomeração, mesmo antes de qualquer
restrição por parte das autoridades”. Além disso, “elas passam a poupar mais
também, pelo efeito precaucional”, diz Mesquita. A média de mortes nos últimos
sete dias ficou em 625, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa.
Ainda
que não se esperem restrições à mobilidade tão fortes como as adotadas no
começo da pandemia, em março e abril, esse movimento deverá ter um impacto
negativo sobre a economia brasileira.
Em
relatório, o Itaú Unibanco nota que continua a haver “um aumento acelerado na
curva de novos casos um pouco mais lento na curva de novas mortes”, com base em
números disponíveis até 22 de dezembro. “A utilização de capacidade hospitalar
no país segue aumentando. O Estado de São Paulo anunciou a adoção da ‘fase
vermelha’ durante os feriados de fim de ano, buscando reduzir o contágio em
encontros sociais. É provável que outras regiões do país tomem decisões
similares”, afirma o banco.
Se
o número de casos e mortes continuar a crescer ou se mantiver em níveis
elevados, os segmentos de serviços que exigem maior interação social vão
sofrer. É o caso dos setores de alojamento e alimentação, que incluem turismo,
bares e restaurantes, e dos serviços prestados a famílias. São segmentos que
empregam muita mão de obra.
Com
o fim do auxílio emergencial, a recuperação do mercado de trabalho é
fundamental para a economia não sofrer um baque muito forte. Desse modo,
promover uma vacinação rápida e ampla é a melhor resposta também do ponto de
vista econômico. Bolsonaro, porém, continua a tratar a pandemia com descaso. No
caso das vacinas, também politizou ao máximo a discussão, por causa de sua disputa
política com o governador João Doria (PSDB).
Em
São Paulo, o plano do governo paulista é começar a vacinação em 25 de janeiro,
mas o adiamento da divulgação do índice de eficácia da Coronavac, que teria
ocorrido a pedido da Sinovac, levantou dúvidas a respeito da viabilidade do
cronograma. Em entrevista à TV Brasil, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello,
disse que até o fim de janeiro haverá “vacinas iniciais, algumas em caráter
emergencial, e a vacinação em massa, já com registro, a partir de fevereiro”.
Como
se vê, o Brasil começará a vacinação atrasado em relação a outros países, e não
está claro qual fatia da população será atendida ao longo de 2021. Um
planejamento minimamente adequado conseguiria poupar muitas vidas, além de
contribuir para a retomada da economia.
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