Alinhamento
entre os chefes do Executivo e do Legislativo não se traduz em autocracia
Tem
existido uma crescente preocupação com a possibilidade de vitória de Arthur Lira (PP), candidato
apoiado pelo Presidente Jair Bolsonaro, na eleição para a
presidência da Câmara dos Deputados. Esse
desassossego não é totalmente destituído de razão, pois o alinhamento político
entre chefes do Executivo e do Legislativo sempre traz o risco de subserviência
do poder Legislativo ao já extremamente poderoso Executivo no Brasil.
Alguns,
inclusive, enxergam que esta suposta subordinação do Legislativo ao Executivo
traria perigos reais para a própria democracia brasileira. Essa preocupação
ficou explícita no discurso de lançamento do deputado Baleia Rossi (MDB) como
candidato de oposição ao governo Bolsonaro à presidência da Câmara. A narrativa
construída buscou inspiração no “pai” da democracia brasileira e da
“Constituição cidadã”, Ulysses Guimarães, repetindo o mote: “temos ódio e nojo
da ditadura”.
O cientista político Scott Morgenstern, Professor da Universidade de Pittsburgh, propõe uma tipologia para entender quando legislativos seriam proativos, situação na qual seria a força preponderante no processo de formulação e de aprovação das leis, ou reativos, quando o Legislativo raramente inicia uma legislação, atuando fundamentalmente em negociações ao reagir a iniciativas legislativas preponderantemente do Executivo.
Para
Morgenstern, os legislativos na América Latina são de três perfis; 1)
subserviente: não oferece qualquer veto ou resistência ao Executivo, inclusive
aos seus potenciais desvios; 2) cooperativo: frequentemente concordando com
projetos presidenciais, mas geralmente exigindo compromissos ou recompensas em
troca do consentimento; e 3) recalcitrante: bloqueia a maioria das iniciativas
do Executivo se posicionando como adversário do presidente.
O
alinhamento político entre os chefes do Executivo e do Legislativo não é
condição suficiente para definir o perfil de atuação do Legislativo. Outros
aspectos como sua profissionalização, padrão de carreira dos parlamentares e a
proximidade de interesses entre o Executivo e o legislativo exercem papel
decisivo no perfil e no padrão de atuação do Congresso vis-à-vis o
Executivo.
Legislativos
que apresentam pouca profissionalização e baixo índice de reeleição tendem a
ser subservientes. Por outro lado, quanto maior a motivação dos legisladores em
permanecer no Legislativo e maiores os incentivos à sua profissionalização,
mais proativo e influente será o Legislativo. Quando o governo não desfruta de
maioria no Congresso, legislativos podem apresentar um padrão cooperativo com o
Executivo ou mesmo migrar para o perfil recalcitrante com os interesses do
Executivo em caso de polarização entre governo e oposição.
O
alinhamento político entre os poderes legislativo e executivo tem sido a regra
e não a exceção no Brasil. Todos os presidentes da República que minimamente
entenderam o funcionamento do presidencialismo multipartidário, fossem eles de
esquerda, de centro ou de direita, atuaram ativamente para que a presidência
das casas legislativas fosse ocupada por parlamentares do seu partido, ou, pelo
menos, de partidos da coalizão. Portanto, não tem necessariamente nada de
antidemocrático em o presidente buscar a congruência de interesses entre o
Executivo e o Legislativo.
É
precipitado concluir que o Legislativo seria uma “vítima indefesa” dos poderes
do presidente, pois, na medida em que esses poderes foram delegados pelos
próprios legisladores, podem ser por eles também retirados. Um bom exemplo foi
a restrição imposta pelos legisladores em 2001 à reedição indefinida de Medidas
Provisórias, que aconteceu quando, pasmem, o presidente da Câmara dos
Deputados, Aécio Neves (PSDB), era do mesmo partido do Presidente FHC. Ou seja,
a despeito de um alinhamento político com o Executivo, o Congresso não se
furtou em restringir os poderes do presidente.
*Cientista Político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV Ebape)
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