segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Oposição rachada facilita vida de Bolsonaro em 2022 – Opinião | O Globo

A maior vitória do presidente Jair Bolsonaro na eleição da cúpula do Congresso nem foi a garantia de que aliados comandarão Câmara e Senado. Foram os desentendimentos que se alastram pela oposição e já facilitam sua vida na campanha eleitoral de 2022. A tão falada ampla aliança para tentar derrotá-lo se tornou uma impossibilidade. Como falar em aliança quando os principais partidos não conseguem nem manter a paz interna? Tem racha no DEM, conflitos no PSDB, disputas no MDB... Para não falar no incômodo criado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre os partidos de esquerda, ao lançar novamente Fernando Haddad como pré-candidato do PT.

Bolsonaro testemunha cenas explícitas de desarticulação entre os adversários. A eleição dos candidatos bolsonaristas Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para as presidências da Câmara e do Senado, impulsionada pela larga distribuição fisiológica de verbas, rachou vários partidos. No DEM, a vitória de Lira causou abalos sísmicos. Rodrigo Maia (RJ), que presidia a Câmara e lançara Baleia Rossi (MDB-SP) para substituí-lo, foi atropelado pela tendência bolsonarista do partido. Anunciou a desfiliação e rompeu com ACM Neto, presidente da legenda. “Um amigo de 20 anos entregou nossa cabeça numa bandeja para o Planalto”, disse ao “Valor Econômico”.

Maia queria levar o DEM para o centro, facilitando a repetição da dobradinha tradicional com o PSDB que tem funcionado desde os tempos de FHC. Mas também os tucanos não se entendem. O partido entrou em ebulição. Em jantar na noite de segunda no Palácio dos Bandeirantes, o governador João Doria, que deseja presidir o PSDB a partir de maio, propôs afastar o grupo do ex-governador e deputado Aécio Neves, antigo desafeto, de modo a abrir espaço para Maia e seus parceiros do DEM. Piorou a situação e prejudicou o próprio projeto de representar a legenda na eleição. O governador gaúcho, Eduardo Leite, já aceitou convite para ser pré-candidato a 2022.

À esquerda, Lula aproveitou para já indicar Fernando Haddad sem conversar com aliados naturais, como PDT, PSOL ou PCdoB. No PDT, Ciro Gomes trabalha faz tempo para se candidatar. Certamente o PSOL, depois do desempenho de Guilherme Boulos na eleição para a prefeitura de São Paulo, tentará disputar o primeiro turno da eleição presidencial para tentar atingir a cláusula de desempenho na Câmara de Deputados. A mesma lógica vale para o PCdoB, que se organiza em torno da pré-candidatura de Flávio Dino, governador do Maranhão.

Fraturada, a oposição não tem muito tempo para se estruturar. Se continuarem as picuinhas e disputas de ego, a eleição de 2022 poderá repetir a polarização de 2018, entre Bolsonaro e Haddad. É um cenário que favorece mais Bolsonaro como tributário natural do antipetismo do que Haddad como sorvedouro do antibolsonarismo.

Para derrotar Bolsonaro, será vital haver entendimento em torno de nomes e projetos agregadores. Não será fácil, por isso é preciso superar logo as crises. É compreensível que as legendas queiram escolher logo seus puxadores de votos para o primeiro turno. Bolsonaro tem, contudo, uma base eleitoral que hoje lhe garante a presença no segundo. Sem uma aliança bem construída antes do pleito, cresce muito a chance de que fique mais quatro anos no Planalto.

Acordo de R$ 37,6 bi é chance para acelerar reparação em Brumadinho – Opinião | O Globo

Dez dias depois de a tragédia de Brumadinho completar dois anos, a Vale, o governo de Minas, o Ministério Público estadual, a Defensoria Pública e o Ministério Público Federal assinaram um acordo de reparação no valor de R$ 37,6 bilhões, o maior já firmado no país. O objetivo é reparar e compensar danos sociais, econômicos e ambientais coletivos pelo rompimento da barragem da Mina do Feijão, tragédia que, em 25 de janeiro de 2019, deixou pelo menos 259 mortos — 11 ainda estão desaparecidos — e causou uma destruição até hoje não totalmente inventariada.

Do total, deverão ser abatidos R$ 6,8 bilhões que a Vale afirma ter gastado em ações emergenciais. Sobram mais de R$ 30 bilhões para projetos de segurança hídrica, recuperação dos danos ambientais, programas de transferência de renda, incentivo a atividades econômicas em 28 municípios da Bacia do Paraopeba e até para as obras de mobilidade incluídas no pacote a título de compensação à sociedade. É o caso da construção de um anel rodoviário na Região Metropolitana de Belo Horizonte e da expansão do metrô.

O valor final poderá ser até maior, já que não haverá limite para reparar o meio ambiente. Mesmo danos que não tenham sido previstos poderão ser contemplados futuramente. Os R$ 37,6 bilhões não incluem indenizações individuais ou trabalhistas, objetos de outras ações. O pacto também não interfere em processos criminais.

Mesmo com números expressivos, o acordo não obteve unanimidade. Vale, governo estadual, MPs e Defensoria saudaram a iniciativa, entendida como forma de dar celeridade à reparação, processo que costuma se arrastar na Justiça por anos, ou mesmo décadas, sem cumprir o objetivo primordial de compensar os danos à sociedade. O Movimento dos Atingidos por Barragens criticou a falta de transparência nas negociações e os números do acordo, que considerou tímidos — originalmente, o estado pedia R$ 54 bilhões de reparação. Divergências sobre valores em questões que envolvem diferentes atores são esperadas, mas a falta de transparência é inaceitável. Não há o que esconder sobre o que foi acertado.

Apesar das ressalvas, a celebração do acordo é um passo fundamental para dar celeridade à reparação de um dos maiores desastres ambientais do país — sabe-se bem como costuma ser a tramitação desses casos na Justiça, com infindáveis recursos protelatórios, especialmente quando envolve uma gigante como a Vale.

É preciso, apenas, evitar os erros cometidos em Mariana, onde o acordo de reparação firmado em 2016 segue a passos lentos. Passados cinco anos do rompimento da barragem do Fundão, nem uma casa foi entregue aos moradores atingidos pela avalanche de lama. Governo, Defensoria, MP e MPF devem cobrar da Vale o cumprimento do que foi pactuado em Brumadinho. Não se pode impor às vítimas uma segunda tragédia, prolongando o sofrimento e os efeitos da destruição. O mínimo a exigir é que os responsáveis por tamanha incúria sejam punidos, e os danos, reparados.

Unidos pela vacina – Opinião | O Estado de S. Paulo

Governo federal não trabalhou com diligência para trazer vacinas aos brasileiros a tempo de salvar vidas. Passa da hora de fazer Bolsonaro agir como presidente

A prioridade nacional é a vacinação de todos os brasileiros maiores de 18 anos contra a covid-19, respeitando-se, é claro, a ordem de precedência estabelecida pelas autoridades de saúde. Não é a única prioridade em um país marcado por tantas chagas abertas, mas não é possível dar a atenção necessária a temas como recuperação econômica, reformas estruturais, políticas educacionais e preservação do meio ambiente, enquanto cerca de 1,5 mil brasileiros morrem em decorrência da doença todos os dias. Uma situação como essa paralisa a Nação.

Não se pode vislumbrar um futuro mais promissor para o País se o morticínio causado pelo novo coronavírus não for interrompido o mais rápido possível. A perda de tantas vidas, dia após dia, drena as forças da sociedade, que não pode simplesmente olhar resignada para o ignominioso comportamento do presidente Jair Bolsonaro na condução do País em meio a esta tragédia sem precedentes. São quase 240 mil vidas perdidas por uma única causa em tão pouco tempo, e há de chegar o dia em que o presidente da República terá de responder à Justiça por sua parcela de responsabilidade na produção deste terrível resultado.

É consenso que apenas uma massiva e rápida campanha de vacinação – como só o SUS tem experiência em fazer – pode frear a circulação do vírus e impedir o crescimento desenfreado das internações e mortes por covid-19. Mas, se depender da iniciativa do governo, muita gente morrerá até que o País possa contar com as doses de que tanto precisa.

Em audiência no Senado, na quinta-feira passada, o ministro da Saúde foi incapaz de responder a uma singela pergunta formulada pelas senadoras Rose de Freitas (MDB-ES) e Simone Tebet (MDB-MS): quando haverá vacinas suficientes para imunizar todos os brasileiros elegíveis?

Diante da desidiosa atuação do governo federal, que trata a emergência sanitária na base do improviso e da negação, um grupo de empresários, entidades de classe e veículos de imprensa, entre os quais o Estado, se uniu para ajudar a agilizar a compra de vacinas, o transporte, a distribuição e a aprovação dos imunizantes no País. A sociedade se mexe.

O movimento “Unidos pela Vacina”, é importante frisar, não visa a comprar diretamente os imunizantes. O objetivo é usar a força da sociedade para pressionar todas as esferas de governo, nos limites de suas responsabilidades, a fim de garantir que entre 60% e 70% da população esteja vacinada até setembro.

“Não vamos sair comprando vacinas”, disse a empresária Luiza Trajano, do Magazine Luiza. “O governo federal não precisa de dinheiro para vacinas. Se a necessidade fosse dinheiro, seria mais fácil. Mas podemos agilizar a compra com a influência das nossas empresas.”

De fato, a atribuição de comprar vacinas é do Ministério da Saúde, que as distribui aos Estados e estes, aos municípios. O movimento “Unidos pela Vacina” ajuda muito como mais um instrumento de pressão da sociedade sobre um governo que custa a pegar no tranco.

Os membros do movimento foram divididos em grupos de trabalho. O principal, como não haveria de deixar de ser, é o que trata da disponibilidade de vacinas em quantidade para atender toda a população.

A ciência fez seu trabalho. E com louvor. A partir do primeiro caso registrado de covid-19, no fim de 2019, em poucas semanas o sequenciamento genético do novo coronavírus já havia sido realizado. Daí para o desenvolvimento de não uma, mas de ao menos seis vacinas seguras e eficazes contra o patógeno levou pouco mais de um ano. Um feito científico sem precedentes.

Portanto, há vacinas. O governo federal é que não trabalhou com diligência para trazê-las aos brasileiros a tempo de salvar vidas. E não o fez porque Jair Bolsonaro não quis. É tão simples quanto isso. Passa da hora de fazê-lo agir como presidente da República.

A qualidade dos serviços públicos – Opinião | O Estado de S. Paulo

Maioria dos cidadãos não está satisfeita, segundo pesquisa do Instituto Idea Big Data

Há não muito tempo, era comum ver na entrada das chamadas repartições públicas uma placa onde se lia que “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela” é crime que pode levar à pena de detenção de seis meses a dois anos ou multa, de acordo com o art. 331 do Código Penal. Não é improvável que a advertência ainda possa estar nas paredes de algumas dessas agências de atendimento ao público.

Uma advertência nesses termos logo na entrada de um local onde se prestam serviços públicos dá uma boa ideia da qualidade do atendimento que o cidadão está prestes a receber, que pode ser tão ruim a ponto de exasperá-lo.

Evidentemente, casos extremos de má prestação de serviços públicos que levam o contribuinte a cometer o crime de desacato são raros, mas a percepção geral da população é que à alta carga tributária não há uma contrapartida do Estado em bons serviços.

Pesquisa realizada pelo Instituto Idea Big Data, a pedido do movimento Livres, apurou que a maioria da população apoia uma política de avaliação de desempenho dos servidores públicos, além de mudanças nas regras de estabilidade no cargo, inclusive para os que estão em serviço.

Nada menos do que 70% dos entrevistados pelo Idea Big Data disseram ser favoráveis à avaliação de desempenho dos servidores como meio indicado para proporcionar progressões na carreira. Hoje, são comuns casos de aumento de salário e promoções por tempo de serviço, de forma automática. Sem dúvida, isso é um grande fator de acomodação dos servidores, que não têm qualquer estímulo para melhorar suas qualificações e desempenhos, como ocorre corriqueiramente na iniciativa privada.

Em setembro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso um simulacro de reforma administrativa que mal tangencia a questão da avaliação de desempenho e a estabilidade dos atuais servidores da ativa. Se tudo der certo, o plano do governo federal poderá surtir efeitos daqui a 30 anos. Não atende à premente necessidade do País.

As pressões que as corporações de servidores públicos exercem sobre os Três Poderes são tão fortes que até hoje nenhuma reforma administrativa que representasse real avanço para o Brasil conseguiu ser aprovada. Houve ganhos pontuais aqui e ali ao longo do tempo, mas nada capaz de transformar a mentalidade dos servidores que, a bem da verdade, se servem do Estado.

Para qualquer presidente da República seria difícil, mas não impossível, mexer nesse vespeiro. O histórico de Bolsonaro indica que não será ele quem vai conseguir. Não porque seja difícil e ele não está à altura do desafio – e não está mesmo –, mas porque nem sequer passa por sua cabeça adotar medidas duras, porém vitais para o País, que possam lhe causar quaisquer embaraços eleitorais na campanha pela reeleição.

Perderá o País se uma reforma administrativa digna do nome não vingar mais uma vez, seja pela tibieza de Bolsonaro, seja pela baixa resistência dos parlamentares às pressões das corporações de servidores.

Em sua coluna no Estado, a economista Ana Carla Abrão lembrou muito bem que “a qualidade do serviço público é o principal instrumento de geração de oportunidades e de mobilidade social”. Para uma massa de cidadãos que nascem na pobreza, escreveu a colunista, não há alternativa, senão no Estado, para que esses cidadãos reduzam o abismo que os separa dos que podem pagar por serviços de educação e de saúde de qualidade.

Um projeto de reforma administrativa sério tem de ter como norte indesviável o aumento da eficiência dos servidores e da qualidade na prestação de serviços aos cidadãos. Mexer no chamado “RH do Estado” não se presta apenas a gerar economia para o Tesouro. Sem dúvida, com uma administração mais enxuta, o Estado terá dinheiro para investir mais em áreas essenciais do serviço público, como saúde, educação e infraestrutura, alimentando um círculo virtuoso. Mas o principal objetivo da reforma é diminuir a brutal desigualdade que há séculos mantém o Brasil aferrado ao atraso.

O Plano Amazônia – Opinião | O Estado de S. Paulo

Sucesso de novo plano de preservação ambiental depende do engajamento de Jair Bolsonaro

O vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), anunciou há dias que a Operação Verde Brasil 2 será encerrada no próximo dia 30 de abril. Em setembro do ano passado, Mourão divulgou um plano de metas do conselho que previa o emprego dos militares no combate aos crimes ambientais na Região Amazônica até o fim de 2022.

De acordo com a apuração do Estado, o fim prematuro da Operação Verde Brasil 2 está relacionado à falta de recursos orçamentários do Ministério da Defesa para manter o dispositivo pelo prazo previsto. Desde 15 de maio de 2020, quando teve início, até agora, a Operação Verde Brasil 2 custou R$ 410 milhões. “Não é uma operação extremamente cara”, disse Mourão, “mas algumas agências disseram que, se tivessem esse dinheiro, fariam muito melhor (do que os militares).”

Isto faz parte do debate político travado em meio à escassez de recursos federais, como o próprio Mourão reconhece. Mas, seja como for, o fim da Operação Verde Brasil 2 virá em boa hora se servir como ponto de partida para uma necessária correção de rumos da política de preservação ambiental do governo federal, que, a rigor, seria inexistente não fosse o trabalho desenvolvido pelo vice-presidente à frente do CNAL.

É verdade que há um vício de origem na Operação Verde Brasil 2. Não é papel das Forças Armadas dar combate a crimes ambientais. Isto é uma atribuição administrativa e policial, tanto em âmbito estadual como no federal. As atribuições das Forças Armadas estão descritas de forma muito clara na Constituição e nas leis que regem seu emprego e funcionamento, mas esses comandos legais têm sido “flexibilizados” de forma corriqueira nos últimos anos. Os militares se tornaram a panaceia de todos os males.

No lugar da Operação Verde Brasil 2, Mourão anunciou o Plano Amazônia 21/22. O plano acerta ao devolver protagonismo aos órgãos de Estado responsáveis pela fiscalização das infrações às leis ambientais e pela preservação dos biomas e populações indígenas e ribeirinhas, como Ibama, ICMBio e Funai, entre outros. Esses órgãos, de acordo com o novo plano, serão apoiados pelas agências de fiscalização dos Ministérios da Justiça, do Meio Ambiente, da Agricultura e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

A decisão de Mourão de valorizar órgãos de Estado concebidos para proteger o meio ambiente está absolutamente correta. Mas, para que dê os resultados esperados, o vice-presidente terá de superar alguns obstáculos. O primeiro deles é orçamentário. As restrições impostas ao Ministério da Defesa não são diferentes das que afligem outros Ministérios e os órgãos de fiscalização ambiental. Para piorar, os quadros de pessoal desses órgãos foram esvaziados nos últimos anos, sendo necessária a recomposição das equipes por meio de contratações. Como fazê-lo diante da escassez de recursos? Mourão fala em contratar servidores temporários, mas não está claro se eles terão poder para impor sanções como têm os servidores efetivos, investidos de múnus público.

Para acertar essa questão tão determinante para o sucesso do Plano Amazônia 21/22, seria bom que o presidente Jair Bolsonaro deixasse de lado as picuinhas com seu vice-presidente e retomasse o diálogo, apoiando-o no que for necessário. Mourão pode conceber o melhor dos planos, mas o poder e a força para fazê-lo dar certo são, no fim das contas, do presidente Bolsonaro.

Questões como a definição de 11 municípios do País a serem fiscalizados também desafiam o sucesso do Plano Amazônia 21/22. O que impede que criminosos saiam de um município que esteja no radar das autoridades para devastar outro? O fato é que o Brasil dispõe de tecnologia para monitorar toda a Amazônia em tempo real. A concentração de efetivos e recursos em 11 municípios de 4 Estados pode resultar ineficiente.

Oxalá o Plano Amazônia 21/22 dê certo. O combate à pandemia, a recuperação da economia e a preservação do meio ambiente são as grandes prioridades nacionais. Mas o governo como um todo deve estar engajado nesta causa.

Vagas intermitentes – Opinião | Folha de S. Paulo

Modalidade de trabalho criada em reforma não é solução, mas facilita formalização na pandemia

Criado pela reforma da CLT promovida em 2017, o regime de trabalho intermitente ganhou importância durante a pandemia. Em 2020, a maior parte das contratações com carteira assinada —73,1 mil dos 142,7 mil postos abertos— se deu nessa modalidade, que permite a prestação de serviços em períodos alternados conforme demanda do empregador.

Observa-se um salto em relação a 2018 e 2019, quando esse formato representou 9,4% e 13,3%, respectivamente, das vagas formais criadas. Mesmo assim, a inovação ainda responde por apenas 230 mil contratos, parcela ínfima dos cerca de 39 milhões de celetistas.

Dados sugerem que o crescimento do trabalho intermitente ocorre principalmente como alternativa à informalidade —tendência reforçada pela insegurança da pandemia, que reduziu a previsibilidade da atividade econômica.

A solução evidentemente não é a desejável e não sustenta o mercado de trabalho como um todo, cujas condições permanecem dramáticas. Segundo o Dieese, por exemplo, 20% dos intermitentes não foram utilizados e ficaram sem salário em 2019. Mesmo assim, segundo o governo, a média de renda obtida supera um salário mínimo.

Tudo considerado, os prós superam os contras, pois abre-se um espaço de outra forma inexistente para maior formalização, condição necessária para que o trabalhador possa ter acesso às garantias sociais, como seguro-desemprego e perspectiva de aposentadoria.

A modalidade tampouco vale para todos os tipos de emprego, e a esmagadora maioria de trabalhadores nela abrigados se concentra em poucas ocupações. Não cabe, assim, culpá-la pela precarização.

Dispor de mais opções para facilitar a formalização é desejável e até inescapável no mercado atual, que demanda flexibilidade e se organiza cada vez mais em torno de projetos e tarefas temporárias. A lógica de contratação de longo prazo continua, mas não é mais a única.

Não adiantará, como fazem os que ainda pretendem reverter os efeitos da reforma, simplesmente pretender que a rigidez anterior da CLT era funcional e atendia ao melhor interesse dos trabalhadores.

A ossificação da lei na verdade isolava as vagas formais num grupo cada vez menos representativo, excluindo a maior parte da população. O melhor a fazer é dar mais escolhas para empregadores e trabalhadores, naturalmente com os direitos vigentes na Constituição.

Não se levará a cabo a tarefa de criar empregos por meio de legislações, menos ainda com regras restritivas. Determinantes são a formação de qualidade e uma dinâmica de crescimento sólido e continuado, algo que não se vê no Brasil desde a década passada.

Revisão perigosa – Opinião | Folha de S. Paulo

Será deplorável se governo forçar pauta reacionária no plano de direitos humanos

Causa apreensão a notícia de que a ministra Damares Alves, da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, convocou um grupo de trabalho para discutir a revisão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH).

O tema, afinal, ressurge num governo que busca a todo momento sobrepor sua pauta ideológica ao que considera serem imposições do esquerdismo de governos anteriores —no mais das vezes, combatendo inimigos imaginários.

Trata-se também de administração refratária ao diálogo com representantes da sociedade, essencial numa empreitada como essa.

Não é que a atual versão do plano de direitos humanos, lançada em 2009 pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), dispense revisões. Pelo contrário, o PNDH-3, como é conhecido, merece ser criticamente avaliado à luz de seus impactos concretos, escassos, e seus compromissos retóricos, muitos.

Pressionada já na época, a gestão petista revisou pontos centrais das 521 ações do documento em 2010. Num exemplo, saiu do texto, por razões políticas, a defesa da descriminalização do aborto.

Programas nacionais de direitos humanos não são invenção do Brasil, embora o país seja um dos pioneiros em sua adoção. Os dois primeiros datam de 1996 e 2002, no governo governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Formulados com participação popular em conferências e formalizados por decreto presencial, os textos têm sua origem na Conferência Mundial de Direitos Humanos das Nações Unidas de 1993.

A ONU recomenda que países tracem um plano de ação nacional identificando as medidas de promoção e proteção dos direitos humanos, a serem tratadas como políticas de Estado, não de governo.

As metas dos PNDHs brasileiros variam em termos de extensão e temas enfatizados. Direitos LGBTs passaram a ocupar espaço apenas nos dois programas mais recentes, assim como o direito à moradia.

É evidente que documentos do gênero dão margem a proselitismo e a discursos vazios. Nem por isso se deve considerá-los inócuos. Os textos já anteciparam iniciativas como o Estatuto do Refugiado, de 1997, e a criação da Comissão Nacional da Verdade em 2011.

Será retrocesso deplorável se o governo Jair Bolsonaro pretender impor com uma canetada, sem ampla consulta, sua pauta reacionária —e, em grande parte, minoritária na sociedade brasileira.

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