A maior vitória do presidente Jair Bolsonaro na eleição da cúpula do Congresso nem foi a garantia de que aliados comandarão Câmara e Senado. Foram os desentendimentos que se alastram pela oposição e já facilitam sua vida na campanha eleitoral de 2022. A tão falada ampla aliança para tentar derrotá-lo se tornou uma impossibilidade. Como falar em aliança quando os principais partidos não conseguem nem manter a paz interna? Tem racha no DEM, conflitos no PSDB, disputas no MDB... Para não falar no incômodo criado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre os partidos de esquerda, ao lançar novamente Fernando Haddad como pré-candidato do PT.
Bolsonaro testemunha cenas explícitas de desarticulação entre os
adversários. A eleição dos candidatos bolsonaristas Arthur Lira (PP-AL) e
Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para as presidências da Câmara e do Senado,
impulsionada pela larga distribuição fisiológica de verbas, rachou vários
partidos. No DEM, a vitória de Lira causou abalos sísmicos. Rodrigo Maia (RJ),
que presidia a Câmara e lançara Baleia Rossi (MDB-SP) para substituí-lo, foi
atropelado pela tendência bolsonarista do partido. Anunciou a desfiliação e
rompeu com ACM Neto, presidente da legenda. “Um amigo de 20 anos entregou nossa
cabeça numa bandeja para o Planalto”, disse ao “Valor Econômico”.
Maia queria levar o DEM para o centro, facilitando a repetição da dobradinha tradicional com o PSDB que tem funcionado desde os tempos de FHC. Mas também os tucanos não se entendem. O partido entrou em ebulição. Em jantar na noite de segunda no Palácio dos Bandeirantes, o governador João Doria, que deseja presidir o PSDB a partir de maio, propôs afastar o grupo do ex-governador e deputado Aécio Neves, antigo desafeto, de modo a abrir espaço para Maia e seus parceiros do DEM. Piorou a situação e prejudicou o próprio projeto de representar a legenda na eleição. O governador gaúcho, Eduardo Leite, já aceitou convite para ser pré-candidato a 2022.
À esquerda, Lula aproveitou para já indicar Fernando Haddad sem
conversar com aliados naturais, como PDT, PSOL ou PCdoB. No PDT, Ciro Gomes
trabalha faz tempo para se candidatar. Certamente o PSOL, depois do desempenho
de Guilherme Boulos na eleição para a prefeitura de São Paulo, tentará disputar
o primeiro turno da eleição presidencial para tentar atingir a cláusula de
desempenho na Câmara de Deputados. A mesma lógica vale para o PCdoB, que se
organiza em torno da pré-candidatura de Flávio Dino, governador do Maranhão.
Fraturada, a oposição não tem muito tempo para se estruturar. Se
continuarem as picuinhas e disputas de ego, a eleição de 2022 poderá repetir a
polarização de 2018, entre Bolsonaro e Haddad. É um cenário que favorece mais
Bolsonaro como tributário natural do antipetismo do que Haddad como sorvedouro
do antibolsonarismo.
Para derrotar Bolsonaro, será vital haver entendimento em torno
de nomes e projetos agregadores. Não será fácil, por isso é preciso superar logo
as crises. É compreensível que as legendas queiram escolher logo seus puxadores
de votos para o primeiro turno. Bolsonaro tem, contudo, uma base eleitoral que
hoje lhe garante a presença no segundo. Sem uma aliança bem construída antes do
pleito, cresce muito a chance de que fique mais quatro anos no Planalto.
Acordo de R$ 37,6 bi é chance para acelerar reparação em
Brumadinho – Opinião | O Globo
Dez dias depois de a tragédia de Brumadinho completar dois anos, a Vale, o governo de Minas, o Ministério Público estadual, a Defensoria Pública e o Ministério Público Federal assinaram um acordo de reparação no valor de R$ 37,6 bilhões, o maior já firmado no país. O objetivo é reparar e compensar danos sociais, econômicos e ambientais coletivos pelo rompimento da barragem da Mina do Feijão, tragédia que, em 25 de janeiro de 2019, deixou pelo menos 259 mortos — 11 ainda estão desaparecidos — e causou uma destruição até hoje não totalmente inventariada.
Do total, deverão ser abatidos R$ 6,8 bilhões que a Vale afirma
ter gastado em ações emergenciais. Sobram mais de R$ 30 bilhões para projetos
de segurança hídrica, recuperação dos danos ambientais, programas de
transferência de renda, incentivo a atividades econômicas em 28 municípios da
Bacia do Paraopeba e até para as obras de mobilidade incluídas no pacote a
título de compensação à sociedade. É o caso da construção de um anel rodoviário
na Região Metropolitana de Belo Horizonte e da expansão do metrô.
O valor final poderá ser até maior, já que não haverá limite para
reparar o meio ambiente. Mesmo danos que não tenham sido previstos poderão ser
contemplados futuramente. Os R$ 37,6 bilhões não incluem indenizações
individuais ou trabalhistas, objetos de outras ações. O pacto também não
interfere em processos criminais.
Mesmo com números expressivos, o acordo não obteve unanimidade.
Vale, governo estadual, MPs e Defensoria saudaram a iniciativa, entendida como
forma de dar celeridade à reparação, processo que costuma se arrastar na
Justiça por anos, ou mesmo décadas, sem cumprir o objetivo primordial de
compensar os danos à sociedade. O Movimento dos Atingidos por Barragens
criticou a falta de transparência nas negociações e os números do acordo, que
considerou tímidos — originalmente, o estado pedia R$ 54 bilhões de reparação.
Divergências sobre valores em questões que envolvem diferentes atores são
esperadas, mas a falta de transparência é inaceitável. Não há o que esconder
sobre o que foi acertado.
Apesar das ressalvas, a celebração do acordo é um passo
fundamental para dar celeridade à reparação de um dos maiores desastres
ambientais do país — sabe-se bem como costuma ser a tramitação desses casos na
Justiça, com infindáveis recursos protelatórios, especialmente quando envolve
uma gigante como a Vale.
É preciso, apenas, evitar os erros cometidos em Mariana, onde o
acordo de reparação firmado em 2016 segue a passos lentos. Passados cinco anos
do rompimento da barragem do Fundão, nem uma casa foi entregue aos moradores
atingidos pela avalanche de lama. Governo, Defensoria, MP e MPF devem cobrar da
Vale o cumprimento do que foi pactuado em Brumadinho. Não se pode impor às
vítimas uma segunda tragédia, prolongando o sofrimento e os efeitos da
destruição. O mínimo a exigir é que os responsáveis por tamanha incúria sejam punidos,
e os danos, reparados.
Unidos pela vacina – Opinião | O Estado de S. Paulo
Governo federal não trabalhou com diligência para trazer vacinas
aos brasileiros a tempo de salvar vidas. Passa da hora de fazer Bolsonaro agir
como presidente
A prioridade nacional é a vacinação de todos os brasileiros maiores de 18 anos contra a covid-19, respeitando-se, é claro, a ordem de precedência estabelecida pelas autoridades de saúde. Não é a única prioridade em um país marcado por tantas chagas abertas, mas não é possível dar a atenção necessária a temas como recuperação econômica, reformas estruturais, políticas educacionais e preservação do meio ambiente, enquanto cerca de 1,5 mil brasileiros morrem em decorrência da doença todos os dias. Uma situação como essa paralisa a Nação.
Não
se pode vislumbrar um futuro mais promissor para o País se o morticínio causado
pelo novo coronavírus não for interrompido o mais rápido possível. A perda de
tantas vidas, dia após dia, drena as forças da sociedade, que não pode simplesmente
olhar resignada para o ignominioso comportamento do presidente Jair Bolsonaro
na condução do País em meio a esta tragédia sem precedentes. São quase 240 mil
vidas perdidas por uma única causa em tão pouco tempo, e há de chegar o dia em
que o presidente da República terá de responder à Justiça por sua parcela de
responsabilidade na produção deste terrível resultado.
É
consenso que apenas uma massiva e rápida campanha de vacinação – como só o SUS
tem experiência em fazer – pode frear a circulação do vírus e impedir o
crescimento desenfreado das internações e mortes por covid-19. Mas, se depender
da iniciativa do governo, muita gente morrerá até que o País possa contar com
as doses de que tanto precisa.
Em
audiência no Senado, na quinta-feira passada, o ministro da Saúde foi incapaz
de responder a uma singela pergunta formulada pelas senadoras Rose de Freitas
(MDB-ES) e Simone Tebet (MDB-MS): quando haverá vacinas suficientes para
imunizar todos os brasileiros elegíveis?
Diante
da desidiosa atuação do governo federal, que trata a emergência sanitária na
base do improviso e da negação, um grupo de empresários, entidades de classe e
veículos de imprensa, entre os quais o Estado, se uniu para ajudar
a agilizar a compra de vacinas, o transporte, a distribuição e a aprovação dos
imunizantes no País. A sociedade se mexe.
O
movimento “Unidos pela Vacina”, é importante frisar, não visa a comprar
diretamente os imunizantes. O objetivo é usar a força da sociedade para
pressionar todas as esferas de governo, nos limites de suas responsabilidades,
a fim de garantir que entre 60% e 70% da população esteja vacinada até
setembro.
“Não
vamos sair comprando vacinas”, disse a empresária Luiza Trajano, do Magazine
Luiza. “O governo federal não precisa de dinheiro para vacinas. Se a
necessidade fosse dinheiro, seria mais fácil. Mas podemos agilizar a compra com
a influência das nossas empresas.”
De
fato, a atribuição de comprar vacinas é do Ministério da Saúde, que as
distribui aos Estados e estes, aos municípios. O movimento “Unidos pela Vacina”
ajuda muito como mais um instrumento de pressão da sociedade sobre um governo
que custa a pegar no tranco.
Os
membros do movimento foram divididos em grupos de trabalho. O principal, como
não haveria de deixar de ser, é o que trata da disponibilidade de vacinas em
quantidade para atender toda a população.
A
ciência fez seu trabalho. E com louvor. A partir do primeiro caso registrado de
covid-19, no fim de 2019, em poucas semanas o sequenciamento genético do novo
coronavírus já havia sido realizado. Daí para o desenvolvimento de não uma, mas
de ao menos seis vacinas seguras e eficazes contra o patógeno levou pouco mais
de um ano. Um feito científico sem precedentes.
Portanto,
há vacinas. O governo federal é que não trabalhou com diligência para trazê-las
aos brasileiros a tempo de salvar vidas. E não o fez porque Jair Bolsonaro não
quis. É tão simples quanto isso. Passa da hora de fazê-lo agir como presidente
da República.
A qualidade dos serviços públicos – Opinião | O Estado de S. Paulo
Maioria dos cidadãos não está satisfeita, segundo pesquisa do
Instituto Idea Big Data
Há não muito tempo, era comum ver na entrada das chamadas repartições públicas uma placa onde se lia que “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela” é crime que pode levar à pena de detenção de seis meses a dois anos ou multa, de acordo com o art. 331 do Código Penal. Não é improvável que a advertência ainda possa estar nas paredes de algumas dessas agências de atendimento ao público.
Uma
advertência nesses termos logo na entrada de um local onde se prestam serviços
públicos dá uma boa ideia da qualidade do atendimento que o cidadão está
prestes a receber, que pode ser tão ruim a ponto de exasperá-lo.
Evidentemente,
casos extremos de má prestação de serviços públicos que levam o contribuinte a
cometer o crime de desacato são raros, mas a percepção geral da população é que
à alta carga tributária não há uma contrapartida do Estado em bons serviços.
Pesquisa
realizada pelo Instituto Idea Big Data, a pedido do movimento Livres, apurou
que a maioria da população apoia uma política de avaliação de desempenho dos
servidores públicos, além de mudanças nas regras de estabilidade no cargo,
inclusive para os que estão em serviço.
Nada
menos do que 70% dos entrevistados pelo Idea Big Data disseram ser favoráveis à
avaliação de desempenho dos servidores como meio indicado para proporcionar
progressões na carreira. Hoje, são comuns casos de aumento de salário e
promoções por tempo de serviço, de forma automática. Sem dúvida, isso é um
grande fator de acomodação dos servidores, que não têm qualquer estímulo para
melhorar suas qualificações e desempenhos, como ocorre corriqueiramente na
iniciativa privada.
Em
setembro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso um
simulacro de reforma administrativa que mal tangencia a questão da avaliação de
desempenho e a estabilidade dos atuais servidores da ativa. Se tudo der certo,
o plano do governo federal poderá surtir efeitos daqui a 30 anos. Não atende à
premente necessidade do País.
As
pressões que as corporações de servidores públicos exercem sobre os Três
Poderes são tão fortes que até hoje nenhuma reforma administrativa que
representasse real avanço para o Brasil conseguiu ser aprovada. Houve ganhos pontuais
aqui e ali ao longo do tempo, mas nada capaz de transformar a mentalidade dos
servidores que, a bem da verdade, se servem do Estado.
Para
qualquer presidente da República seria difícil, mas não impossível, mexer nesse
vespeiro. O histórico de Bolsonaro indica que não será ele quem vai conseguir.
Não porque seja difícil e ele não está à altura do desafio – e não está mesmo
–, mas porque nem sequer passa por sua cabeça adotar medidas duras, porém
vitais para o País, que possam lhe causar quaisquer embaraços eleitorais na
campanha pela reeleição.
Perderá
o País se uma reforma administrativa digna do nome não vingar mais uma vez,
seja pela tibieza de Bolsonaro, seja pela baixa resistência dos parlamentares
às pressões das corporações de servidores.
Em
sua coluna no Estado, a economista Ana Carla Abrão lembrou muito
bem que “a qualidade do serviço público é o principal instrumento de geração de
oportunidades e de mobilidade social”. Para uma massa de cidadãos que nascem na
pobreza, escreveu a colunista, não há alternativa, senão no Estado, para que
esses cidadãos reduzam o abismo que os separa dos que podem pagar por serviços
de educação e de saúde de qualidade.
Um
projeto de reforma administrativa sério tem de ter como norte indesviável o
aumento da eficiência dos servidores e da qualidade na prestação de serviços
aos cidadãos. Mexer no chamado “RH do Estado” não se presta apenas a gerar
economia para o Tesouro. Sem dúvida, com uma administração mais enxuta, o
Estado terá dinheiro para investir mais em áreas essenciais do serviço público,
como saúde, educação e infraestrutura, alimentando um círculo virtuoso. Mas o
principal objetivo da reforma é diminuir a brutal desigualdade que há séculos
mantém o Brasil aferrado ao atraso.
O Plano Amazônia – Opinião | O Estado de S. Paulo
Sucesso de novo plano de preservação ambiental depende do
engajamento de Jair Bolsonaro
O vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), anunciou há dias que a Operação Verde Brasil 2 será encerrada no próximo dia 30 de abril. Em setembro do ano passado, Mourão divulgou um plano de metas do conselho que previa o emprego dos militares no combate aos crimes ambientais na Região Amazônica até o fim de 2022.
De
acordo com a apuração do Estado, o fim prematuro da Operação Verde Brasil 2
está relacionado à falta de recursos orçamentários do Ministério da Defesa para
manter o dispositivo pelo prazo previsto. Desde 15 de maio de 2020, quando teve
início, até agora, a Operação Verde Brasil 2 custou R$ 410 milhões. “Não é uma
operação extremamente cara”, disse Mourão, “mas algumas agências disseram que,
se tivessem esse dinheiro, fariam muito melhor (do que os militares).”
Isto
faz parte do debate político travado em meio à escassez de recursos federais, como
o próprio Mourão reconhece. Mas, seja como for, o fim da Operação Verde Brasil
2 virá em boa hora se servir como ponto de partida para uma necessária correção
de rumos da política de preservação ambiental do governo federal, que, a rigor,
seria inexistente não fosse o trabalho desenvolvido pelo vice-presidente à
frente do CNAL.
É
verdade que há um vício de origem na Operação Verde Brasil 2. Não é papel das
Forças Armadas dar combate a crimes ambientais. Isto é uma atribuição
administrativa e policial, tanto em âmbito estadual como no federal. As
atribuições das Forças Armadas estão descritas de forma muito clara na
Constituição e nas leis que regem seu emprego e funcionamento, mas esses
comandos legais têm sido “flexibilizados” de forma corriqueira nos últimos
anos. Os militares se tornaram a panaceia de todos os males.
No
lugar da Operação Verde Brasil 2, Mourão anunciou o Plano Amazônia 21/22. O
plano acerta ao devolver protagonismo aos órgãos de Estado responsáveis pela
fiscalização das infrações às leis ambientais e pela preservação dos biomas e
populações indígenas e ribeirinhas, como Ibama, ICMBio e Funai, entre outros.
Esses órgãos, de acordo com o novo plano, serão apoiados pelas agências de
fiscalização dos Ministérios da Justiça, do Meio Ambiente, da Agricultura e do
Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
A
decisão de Mourão de valorizar órgãos de Estado concebidos para proteger o meio
ambiente está absolutamente correta. Mas, para que dê os resultados esperados,
o vice-presidente terá de superar alguns obstáculos. O primeiro deles é
orçamentário. As restrições impostas ao Ministério da Defesa não são diferentes
das que afligem outros Ministérios e os órgãos de fiscalização ambiental. Para
piorar, os quadros de pessoal desses órgãos foram esvaziados nos últimos anos,
sendo necessária a recomposição das equipes por meio de contratações. Como
fazê-lo diante da escassez de recursos? Mourão fala em contratar servidores
temporários, mas não está claro se eles terão poder para impor sanções como têm
os servidores efetivos, investidos de múnus público.
Para
acertar essa questão tão determinante para o sucesso do Plano Amazônia 21/22,
seria bom que o presidente Jair Bolsonaro deixasse de lado as picuinhas com seu
vice-presidente e retomasse o diálogo, apoiando-o no que for necessário. Mourão
pode conceber o melhor dos planos, mas o poder e a força para fazê-lo dar certo
são, no fim das contas, do presidente Bolsonaro.
Questões
como a definição de 11 municípios do País a serem fiscalizados também desafiam
o sucesso do Plano Amazônia 21/22. O que impede que criminosos saiam de um
município que esteja no radar das autoridades para devastar outro? O fato é que
o Brasil dispõe de tecnologia para monitorar toda a Amazônia em tempo real. A
concentração de efetivos e recursos em 11 municípios de 4 Estados pode resultar
ineficiente.
Oxalá
o Plano Amazônia 21/22 dê certo. O combate à pandemia, a recuperação da
economia e a preservação do meio ambiente são as grandes prioridades nacionais.
Mas o governo como um todo deve estar engajado nesta causa.
Vagas intermitentes – Opinião | Folha de S. Paulo
Modalidade de trabalho criada em reforma não é solução, mas facilita formalização na pandemia
Criado pela reforma da CLT promovida em 2017, o regime de trabalho intermitente ganhou importância durante a pandemia. Em 2020, a maior parte das contratações com carteira assinada —73,1 mil dos 142,7 mil postos abertos— se deu nessa modalidade, que permite a prestação de serviços em períodos alternados conforme demanda do empregador.
Observa-se um salto em relação a 2018 e 2019,
quando esse formato representou 9,4% e 13,3%, respectivamente, das vagas
formais criadas. Mesmo assim, a inovação ainda responde por apenas 230 mil
contratos, parcela ínfima dos cerca de 39 milhões de celetistas.
Dados sugerem que o crescimento do trabalho
intermitente ocorre principalmente como alternativa à informalidade —tendência
reforçada pela insegurança da pandemia, que reduziu a previsibilidade da
atividade econômica.
A solução evidentemente não é a desejável e
não sustenta o mercado de trabalho como um todo, cujas condições permanecem
dramáticas. Segundo o Dieese, por exemplo, 20% dos intermitentes não foram
utilizados e ficaram sem salário em 2019. Mesmo assim, segundo o governo, a
média de renda obtida supera um salário mínimo.
Tudo considerado, os prós superam os contras,
pois abre-se um espaço de outra forma inexistente para maior formalização,
condição necessária para que o trabalhador possa ter acesso às garantias
sociais, como seguro-desemprego e perspectiva de aposentadoria.
A modalidade tampouco vale para todos os tipos de emprego, e a esmagadora
maioria de trabalhadores nela abrigados se concentra em poucas ocupações. Não
cabe, assim, culpá-la pela precarização.
Dispor de mais opções para facilitar a
formalização é desejável e até inescapável no mercado atual, que demanda
flexibilidade e se organiza cada vez mais em torno de projetos e tarefas
temporárias. A lógica de contratação de longo prazo continua, mas não é mais a
única.
Não adiantará, como fazem os que ainda
pretendem reverter os efeitos da reforma, simplesmente pretender que a rigidez
anterior da CLT era funcional e atendia ao melhor interesse dos trabalhadores.
A ossificação da lei na verdade isolava as
vagas formais num grupo cada vez menos representativo, excluindo a maior parte
da população. O melhor a fazer é dar mais escolhas para empregadores e
trabalhadores, naturalmente com os direitos vigentes na Constituição.
Não se levará a cabo a tarefa de criar
empregos por meio de legislações, menos ainda com regras restritivas.
Determinantes são a formação de qualidade e uma dinâmica de crescimento sólido
e continuado, algo que não se vê no Brasil desde a década passada.
Revisão perigosa – Opinião | Folha de S. Paulo
Será deplorável se governo forçar pauta reacionária no plano de direitos humanos
Causa apreensão a notícia de que a ministra Damares Alves, da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, convocou um grupo de trabalho para discutir a revisão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH).
O tema, afinal, ressurge num governo que busca
a todo momento sobrepor sua pauta ideológica ao que considera serem imposições
do esquerdismo de governos anteriores —no mais das vezes, combatendo inimigos
imaginários.
Trata-se também de administração refratária ao
diálogo com representantes da sociedade, essencial numa empreitada como essa.
Não é que a atual versão do plano de direitos
humanos, lançada em 2009 pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), dispense
revisões. Pelo contrário, o PNDH-3, como é conhecido, merece ser criticamente
avaliado à luz de seus impactos concretos, escassos, e seus compromissos
retóricos, muitos.
Pressionada já na época, a gestão petista
revisou pontos centrais das 521 ações do documento em 2010. Num exemplo, saiu
do texto, por razões políticas, a defesa da descriminalização do aborto.
Formulados com participação popular em
conferências e formalizados por decreto presencial, os textos têm sua origem na
Conferência Mundial de Direitos Humanos das Nações Unidas de 1993.
A ONU recomenda que países tracem um plano de
ação nacional identificando as medidas de promoção e proteção dos direitos
humanos, a serem tratadas como políticas de Estado, não de governo.
As metas dos PNDHs brasileiros variam em
termos de extensão e temas enfatizados. Direitos LGBTs passaram a ocupar espaço
apenas nos dois programas mais recentes, assim como o direito à moradia.
É evidente que documentos do gênero dão margem
a proselitismo e a discursos vazios. Nem por isso se deve considerá-los
inócuos. Os textos já anteciparam iniciativas como o Estatuto do Refugiado, de
1997, e a criação da Comissão Nacional da Verdade em 2011.
Será retrocesso deplorável se o governo Jair Bolsonaro pretender impor com uma canetada, sem ampla consulta, sua pauta reacionária —e, em grande parte, minoritária na sociedade brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário