Partilha de poder não produz necessariamente corrupção; ausência de controles sim
O
toma lá dá cá tradicional foi um dos alvos de Bolsonaro em 2018, e uma das suas
medidas iniciais foi o enxugamento do portfólio ministerial de 39, sob
Dilma, para 22
pastas. Na ausência de parceiros partidários, sua opção foi nomear
para os ministérios e estatais os únicos atores que conhecia: os militares.
Sim, esta foi a principal razão para esta escolha, na qual muitos analistas só
enxergaram autoritarismo e ameaça à democracia. Também ocuparam ministérios
soldados da guerra cultural.
A
redução no número de ministérios representou uma camisa de força para o
presidente quando ele se viu impelido a romper com a paralisia decisória em seu
governo e a formar um escudo legislativo contra as instituições de controle.
Agora terá que expandir aquele número.
Em princípio, não há nada perverso na partilha do portfólio ministerial com parceiros. É assim na Dinamarca; é assim na Itália. Aliás, o caso italiano atual é ilustrativo: o minúsculo Viva Itália, que detinha 2 pastas ministeriais (total = 22) e 3% de apoio no eleitorado, acaba de sair do governo, provocando sua queda.
Governo
de coalizão é a norma e a solução para sociedades plurais. Quase 2/3 das
democracias são presidencialistas ou semipresidencialistas; o resto é
parlamentarista. Neste grupo as coalizões multipartidárias chegam a 80%; no primeiro
chega a mais da metade.
Metade
dos gabinetes na Europa entre 1944 e 2005 contava com menos de 17 pastas
ministeriais. O tamanho dos gabinetes é função da intensidade de conflitos no
interior dos partidos e entre eles. No primeiro caso para manter disciplina; no
segundo, na montagem da própria coalizão, como mostram Indridason e Bowler.
A
patologia dos ministérios hiperdimensionados e disfuncionais fica clara em
contextos ultrafragmentados —onde o conflito é não só partidário mas tribal— e
onde o estado de direito não está enraizado. O gabinete confunde-se com
predação: são 71 ministérios em Uganda, 54 na Nigéria, etc. Arranjos
predatórios evitam a escalada do conflito, como argumenta
Leonardo Arriola, mas o impacto sobre o desenvolvimento é previsível
e perverso.
No
Brasil, a barganha sobre as pastas ministeriais e diretorias de estatais
degenerou em distribuição do butim —o Petrolão pintado por Malu
Gaspar em detalhes em “A Organização” é estarrecedor— mas isso não quer
dizer que a formação de gabinetes multipartidários seja sempre marcada pela
corrupção. O que garante que em países como a Holanda ou Dinamarca não seja
assim são as instituições de controle e o império da lei.
Estávamos
rompendo com o regime de predação, mas o assalto à Lava Jato prenuncia seu retorno.
*Marcus André Melo, Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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