segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Marcus André Melo* - Ministérios e corrupção

- Folha de S. Paulo

Partilha de poder não produz necessariamente corrupção; ausência de controles sim

O toma lá dá cá tradicional foi um dos alvos de Bolsonaro em 2018, e uma das suas medidas iniciais foi o enxugamento do portfólio ministerial de 39, sob Dilma, para 22 pastas. Na ausência de parceiros partidários, sua opção foi nomear para os ministérios e estatais os únicos atores que conhecia: os militares. Sim, esta foi a principal razão para esta escolha, na qual muitos analistas só enxergaram autoritarismo e ameaça à democracia. Também ocuparam ministérios soldados da guerra cultural.

A redução no número de ministérios representou uma camisa de força para o presidente quando ele se viu impelido a romper com a paralisia decisória em seu governo e a formar um escudo legislativo contra as instituições de controle. Agora terá que expandir aquele número.

Em princípio, não há nada perverso na partilha do portfólio ministerial com parceiros. É assim na Dinamarca; é assim na Itália. Aliás, o caso italiano atual é ilustrativo: o minúsculo Viva Itália, que detinha 2 pastas ministeriais (total = 22) e 3% de apoio no eleitorado, acaba de sair do governo, provocando sua queda.

Governo de coalizão é a norma e a solução para sociedades plurais. Quase 2/3 das democracias são presidencialistas ou semipresidencialistas; o resto é parlamentarista. Neste grupo as coalizões multipartidárias chegam a 80%; no primeiro chega a mais da metade.

Metade dos gabinetes na Europa entre 1944 e 2005 contava com menos de 17 pastas ministeriais. O tamanho dos gabinetes é função da intensidade de conflitos no interior dos partidos e entre eles. No primeiro caso para manter disciplina; no segundo, na montagem da própria coalizão, como mostram Indridason e Bowler.

A patologia dos ministérios hiperdimensionados e disfuncionais fica clara em contextos ultrafragmentados —onde o conflito é não só partidário mas tribal— e onde o estado de direito não está enraizado. O gabinete confunde-se com predação: são 71 ministérios em Uganda, 54 na Nigéria, etc. Arranjos predatórios evitam a escalada do conflito, como argumenta Leonardo Arriola, mas o impacto sobre o desenvolvimento é previsível e perverso.

No Brasil, a barganha sobre as pastas ministeriais e diretorias de estatais degenerou em distribuição do butim —o Petrolão pintado por Malu Gaspar em detalhes em “A Organização” é estarrecedor— mas isso não quer dizer que a formação de gabinetes multipartidários seja sempre marcada pela corrupção. O que garante que em países como a Holanda ou Dinamarca não seja assim são as instituições de controle e o império da lei.

Estávamos rompendo com o regime de predação, mas o assalto à Lava Jato prenuncia seu retorno.

*Marcus André Melo, Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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