Algumas
religiões desaconselham explicar muito sua fé. O zen-budismo, por exemplo,
costuma alertar: quem sabe não fala, quem não sabe é quem fala.
O
grande viajante inglês Richard Francis Burton converteu-se ao sufismo e adotou,
simultaneamente, uma tática chamada taquia, que consiste em esconder sua fé. A
política é uma esfera muito diferente, mas também nela é preciso cuidado para
não falar muito ou dar a falsa impressão de que sabe mais que os outros.
Lembro-me
de que, em Brasília, os que caíam nessa tentação eram discretamente rejeitados
e, quase sempre, chamados de professor de Deus. Conheci vários professores de
Deus e, confesso, que sabiam realmente muito menos do que imaginavam saber.
Dito
isso, é com humildade que meto a colher nesse debate sobre a oposição a
Bolsonaro e as alternativas para derrotá-lo em 2022. Talvez, no chamado centro
democrático, seja necessário superar o clima de lamentos, acusações mútuas e
desencanto.
Não há nada de extraordinário na adesão de quadros do DEM e do PSDB a Bolsonaro. Durante a ditadura, o MDB se dividiu, e os que faziam oposição eram chamados de autênticos.
Sempre
sobra um pequeno núcleo com visão nacional, e sua tarefa é levar o trabalho
adiante, tratando de unificar a partir das lutas cotidianas, das quais não se
pode fugir. Coisas simples e decisivas, como vacinação em massa, ajuda
emergencial.
No
campo da esquerda, houve também uma certa surpresa, no meu entender exagerada,
com o lançamento de um candidato do PT, Fernando Haddad. O partido ocupou o
poder durante muito tempo, tem uma grande bancada no Congresso, disputou com
Bolsonaro o segundo turno.
Todos
sabem que lançará candidato próprio. Mesmo nas eleições municipais de São
Paulo, com poucas chances segundo as pesquisas, disputou o primeiro turno.
Já
defendi a ideia de que é indispensável uma grande frente. No entanto as
próprias eleições municipais mostraram possibilidades diferentes.
O
candidato de Bolsonaro perdeu tanta consistência em São Paulo que nem chegou ao
segundo turno. No Rio, o aliado do presidente chegou ao segundo turno tão
combalido que seria derrotado pelo próprio índice de rejeição.
Alguma
dessas hipóteses pode acontecer com Bolsonaro, uma vez que ainda não foi
metabolizado pela população seu fracasso ao tratar da pandemia, muito menos sua
irresponsabilidade em defender e produzir remédios ineficazes contra o
coronavírus. E nem foi revelado amplamente à juventude do país seu trabalho de
destruição da natureza.
O
caminho pela frente, de um lado, é de crise social; de outro, uma aliança entre
Bolsonaro e o Centrão, que pode até esboçar algumas respostas, mas, ao longo da
história, tem se mostrado um tipo de aliança que cava um abismo entre política
e sociedade.
Os
que defendem a frente falam também de um projeto nacional, uma visão de como e
para onde conduzir o Brasil, sua inserção internacional. É inegável a
importância do argumento. No entanto a experiência tem mostrado também que
muitos eleitores se definem por algum tema que lhes interessa e avaliam também
a trajetória e a personalidade do candidato.
Por
isso, talvez, em vez de estarmos vendo apenas a fragmentação de uma potencial
frente única, estejamos assistindo às cotoveladas e artimanhas que antecedem o
lançamento das candidaturas.
É
importante que se lancem e comecem a trabalhar seriamente. Não existe uma
certeza de que a eleição que virá repetirá os protagonistas da eleição de 2018.
Muito menos a certeza de que, repetindo os protagonistas, repita o resultado.
Tenho dúvidas se conseguiremos deter satisfatoriamente a pandemia antes de 2022. Isso torna o caminho mais complicado, mas não impede a existência de um caminho aberto, ainda não fatalisticamente desenhado; enfim, um que depende daqueles que vão desbravá-lo.
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