segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Francisco Góes: ‘Motor da inovação é a competição’, diz Passos

Valor Econômico

Economia fechada do Brasil limita a capacidade de inovar

O Jockey Club Brasileiro, na Gávea, recebeu de quinta até ontem milhares de pessoas. Quem passasse pelo local poderia pensar tratar-se de festival de música ou de gastronomia, mas o público que ali compareceu, sob o forte calor do verão carioca, foi em busca de conhecimento e de oportunidades em inovação e em tecnologia. Os dois temas estiveram presentes na Rio Innovation Week, evento com apoio do Valor que incluiu debates sobre saúde, educação, finanças, ambiente, agronegócios, startups, marketing e cidades inteligentes, entre uma miríade de outras mesas temáticas.

O evento colocou a inovação e a tecnologia na agenda de um público mais amplo do que cientistas e empresários. É um debate que ajuda a pensar os caminhos do Brasil nessa área.

O entusiasmo do encontro no hipódromo da Gávea contrasta, porém, com o diagnóstico de especialistas sobre o momento do Brasil nesse campo, marcado por cortes de recursos públicos, baixos dispêndios pelas empresas e incerteza sobre os investimentos futuros da pesquisa, desenvolvimento e inovação no país.

As empresas brasileiras fazem mais inovação incremental via compra de máquinas e equipamentos que aumentam a produtividade. Mas investem pouco em inovação “disruptiva”, aquela que faz realmente a diferença na competição pelo mercado global.

Mas afinal o que é inovação? O conceito de inovação tecnológica remete à criação de produto ou de processo produtivo novo para o mercado, diz Fernanda de Negri, coordenadora do centro de pesquisa em ciência, tecnologia e inovação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Essa inovação é fundamental para o crescimento econômico e para se obter ganhos de competitividade.

A partir dessa definição, se conclui que as empresas são o principal instrumento para a inovação. No meio empresarial, quem mais investe nessa área é o setor industrial. A inovação está no celular, no laptop, na vacina. E quando a indústria reduz a participação na riqueza criada pela economia, o que acontece no Brasil, perde-se capacidade de inovar, diz de Negri.

Ela acrescenta que universidades e centros de pesquisa vão produzir conhecimento que será necessário para inovar. Mas a inovação na ponta é feita pelas empresas. A avaliação, entre estudiosos, é que o Brasil é um grande produtor de “papers”, mas um pequeno produtor de inovação relevante.

“O motor da inovação no mundo é a competição”, diz o empresário Pedro Passos, acionista da Natura e um dos primeiros a se juntar à Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), movimento criado em 2008. A MEI tem ajudado na formulação de políticas públicas para o setor e um dos seus méritos é ter atravessado vários governos discutindo a questão.

Embora o país tenha um arcabouço regulatório montado para a inovação, os resultados não aparecem. Há vários fatores que explicam por que a inovação não deslancha no Brasil. Parte dos problemas está na falta de um ambiente de negócios mais amigável para abrir e fechar empresas, obter crédito. Há ainda o custo de capital, que afeta o investimento. A economia brasileira, por sua vez, ainda é fechada, o que reduz a motivação das empresas para inovar, e limita o acesso às tecnologias de fronteira tecnológica.

De 2000 a 2018 - último dado disponível -, os gastos do Brasil com pesquisa e desenvolvimento pouco evoluíram. Saíram de 1,05% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2000 para 1,14% em 2018. Os dados reúnem investimentos públicos, via orçamento federal, e empresariais. A proporção aproximada é de meio a meio. O Brasil perdeu terreno para países dos quais estava mais próximo, como Portugal.

Há outro aspecto relevante. O gasto das empresas brasileiras em P&D inclui as estatais, o que faz com que o investimento privado seja ainda menor, alerta Glauco Arbix, coordenador da área de humanidades do centro de inteligência artificial da USP.

Os números do investimento empresarial são reunidos na Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), do IBGE. A última foi divulgada em 2020 e traz dados de 2017. A pesquisa mostrou, pela primeira vez, queda nos principais indicadores agregados de inovação no país. De Negri diz que a próxima edição da Pintec deve mostrar redução ainda maior do investimento empresarial como resultado da pandemia e do esvaziamento das políticas públicas para ciência e tecnologia no atual governo.

A previsão se apoia no fato de que o investimento em P&D é pró-cíclico. As empresas aumentam os gastos nessa área quando a economia vai bem e cortam quando o país vai mal. Embora sejam as empresas que fazem girar a inovação, os governos têm papel relevante de servir como “farol”. Na pandemia, países ricos como Canadá e Reino Unido aumentaram muito a alocação de recursos em C&T.

No Brasil, o principal mecanismo de financiamento à inovação é o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que é, historicamente, contingenciado. O dinheiro está previsto no Orçamento, mas não é gasto. O fundo é formado por receitas vinculadas a partir de recursos arrecadados junto ao setor elétrico e à Petrobras. O dinheiro serve para financiar empresas com juros subsidiados e também sustenta empréstimos não reembolsáveis para projetos.

Especialistas dizem que, apesar de em 2021 ter sido aprovada, no Congresso, lei complementar que proíbe o contingenciamento do FNDCT, existe o risco de o governo impor neste ano “excepcionalidades” ao orçamento do fundo, via Parlamento, como fez antes. Embora o FNDCT tenha previstos quase R$ 9 bilhões para 2022, há incerteza se o dinheiro vai chegar nas empresas, universidades e centros de pesquisa.

Especialistas dizem que inovação precisa de estabilidade. É preferível ter menos recursos, desde que sejam contínuos. Arbix afirma que são precisos três elementos para o país dar salto na inovação: ter um fundo maior que o FNDCT, mas que não seja “instável”; ampliar os gastos públicos e privados, e investir em pessoas. As oportunidades para o país existem, como mostrou o Rio Innovation Week, e estão em energias renováveis, descarbonização, biodiversidade da Amazônia, agronegócio e saúde para citar alguns exemplos.

 

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