Valor Econômico
Intervencionismo no exterior e aqui, na
campanha eleitoral
De tempos em tempos, os ventos da política
e da economia mundiais mudam de direção. Pode demorar um pouco, mas a viragem
sempre chega por aqui, com maior ou menor intensidade.
O desenvolvimentismo brasileiro, de Vargas
a Geisel, foi forjado pelo casamento entre estatais, empresas multinacionais e
grupos brasileiros. Longe de ser uma receita original e local, era fruto de seu
tempo - no imediato pós-guerra, o braço forte do Estado se aliou ao grande
capital para produzir as três décadas de ouro do século XX (1945-1975).
Os desequilíbrios desse modelo de
desenvolvimento se tornaram evidentes após os choques do petróleo dos anos
1970, e a chegada ao poder de Margareth Thatcher e Ronald Reagan geraram um
terremoto liberalizante que abalou as estruturas estatais em diferentes graus,
provocando réplicas ao longo das décadas seguintes.
Privatização, desregulamentação, restrições
nos gastos governamentais, redução da tributação sobre as empresas e
globalização levaram a uma onda de retração do intervencionismo governamental
nas economias. O capítulo da ordem econômica da Constituição de 1988 resumem
essa influência liberal em terras brasileiras: a exploração de atividades
econômicas por estatais seria exceção (art. 173) pois o papel do Estado deveria
se concentrar na regulação e incentivo ao setor privado (art. 174).
Esse modelo, é bem verdade, nunca foi
plenamente implementado por aqui. Mas se não estivesse conectado ao espírito de
seu tempo, dificilmente Fernando Henrique teria cumprido seu programa de
privatizações ou aprovado as reformas nos setores de petróleo,
telecomunicações, elétrico e financeiro.
A maré parece estar virando novamente. A revista The Economist desta semana traz uma série de matérias especiais chamando a atenção para o advento de uma nova era de intervenção estatal na economia.
A mudança de ares começou a ser sentida com
a crise de 2008, que expôs as consequências sociais de um processo desenfreado
de desregulamentação no setor financeiro. A partir daí, a demanda por maior
protagonismo do Estado se alastrou, seja para liderar as ações para lidar com
as mudanças climáticas, conter o poder desenfreado das gigantes de tecnologia,
resgatar os milhões de afetados pela pandemia ou buscar alternativas à
dependência da China nas cadeias globais de produção.
Do “Make America Great Again” de Donald
Trump ao “Green New Deal” de Joe Biden, estamos observando uma avalanche de
medidas protecionistas, maior investimento público em infraestrutura, subsídios
a novos setores estratégicos (de fontes limpas de energia a semicondutores),
programas de transferência de renda e regulações mais protetivas nas searas
ambiental e trabalhista nas economias avançadas. É o que a Economist chama de
“o Estado mandão” (the bossy state).
Ao contrário do pós-guerra, em que o
governo se encarregava do provimento direto de bens e serviços, a publicação
inglesa destaca que nestes novos tempos a ação estatal se vale de quatro
alavancas: política industrial para fomentar setores e tecnologias específicas,
decisões antitruste contra as megacorporações, regulação cada vez mais
abrangente e tributação progressiva sobre as empresas e os muito ricos.
Essa mudança no pêndulo parece ter sido
captada pelos interessados a conquistar o lugar de Jair Bolsonaro na
Presidência da República.
Na série de artigos publicados na Folha de
S.Paulo pelos assessores econômicos dos quatro principais desafiantes,
percebem-se ecos desse novo protagonismo estatal nos esboços de seus futuros
programas de governo.
Nelson Marconi (Ciro), Henrique Meirelles
(Doria), Guido Mantega (Lula) e Affonso Pastore (Moro) concordam em se buscar
uma maior progressividade no sistema tributário e em promover o desenvolvimento
ambiental sustentável, além de combater a pobreza e a desigualdade social por
meio de políticas públicas e transferências de renda aos mais vulneráveis.
Maiores investimentos em educação e na capacitação dos trabalhadores também
aparecem em todas as propostas.
O consenso rui, porém, quando se trata da
política industrial. Nesse quesito, há uma distinção bem nítida entre
Pastore/Moro e Meirelles/Doria num polo menos intervencionista e, num outro
extremo, Marconi/Ciro e Mantega/Lula acreditando no poder do Estado em liderar
a economia.
O artigo de Pastore critica expressamente
“a aposta no capitalismo de compadrio do PT” e as “escolhas políticas erradas”
que levaram à Nova Matriz Econômica. Suas menções aos investimentos em
infraestrutura e ao meio-ambiente apontam as parcerias com o setor privado como
propulsores do desenvolvimento - e não a aplicação de recursos públicos ou a
concessão de benefícios fiscais.
Ao defender que “o Estado precisa ser forte
(não significa ser grande)” e mencionar a necessidade de reformas legais para
combater a insegurança jurídica e elevar os investimentos privados, Meirelles
evidencia que, num eventual governo Doria, será o mercado, e não o Estado, o
principal motor do crescimento.
Nelson Marconi, por sua vez, inicia seu
arrazoado comparando o desempenho do Brasil com o da China e da Coreia nos
últimos quarenta anos. Não é surpresa, portanto, que a proposta de Ciro seja a
mais detalhada quanto à política industrial. Nela, além dos velhos instrumentos
de planejamento estatal (com metas para o setor privado, investimentos públicos
e políticas setoriais), a própria política macroeconômica (fiscal, juros e câmbio)
deve ser “favorável a quem produz”.
Embora Guido Mantega tenha escrito que não
falava em nome da candidatura petista, as declarações de Lula nos últimos meses
tornam crível a proposta do seu ex-ministro da Fazenda de “retomar as políticas
industriais” e lançar “um ambicioso plano de investimentos públicos e
privados”.
Cabe à futura equipe econômica de Lula,
contudo, explicar como corrigirá dois vícios desse novo “Estado mandão”
descrito pela Economist e que foram marcas da sua política de subsídios e campeões
nacionais de 2006 a 2016: a ineficiência e a corrupção.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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