segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Renato Terra*: O que Nara Leão tem a dizer em 2022?

O Globo, 16/01/2022

Cantora era tão à frente de seu tempo que ainda tem novidades para nos contar

Na sexta-feira retrasada, dia 7 de janeiro, estreou no Globoplay a série “O canto livre de Nara Leão”, que realizei junto com uma equipe dos sonhos do núcleo de documentários do “Conversa com Bial”, o Conversa.doc.

Recebi uma enxurrada de mensagens profundamente emocionadas e aproveito para agradecer. Muita gente descobriu Nara Leão. Muita gente se identificou com Nara. Se apaixonou, chorou, se inspirou.

Nara era tão à frente de seu tempo que ainda tem novidades para nos contar. Algumas questões centrais na sua obra tocam fundo no Brasil de 2022.

A diversidade brasileira é um trunfo, Nara. É a palavra nova que podemos dar ao mundo. Da união de ritmos africanos com europeus, criamos, aqui, o samba. O samba, com o jazz, deu na nossa bossa nova. Ao juntar a bossa nova com os sambas de Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Keti, Nara fundou a MPB. O samba, a bossa nova e a MPB são as realizações mais bem-sucedidas de nossa vocação como país. É o que exportamos com mais orgulho. Quantas palavras novas ainda podemos criar?

É possível lutar contra preconceitos musicais ainda hoje, Nara. Ver como o funk carioca mistura candomblé com Miami bass para criar a batida pop mais irresistível do mundo. Aos que dizem que a fonte da poesia secou, é porque não ouviram Mano Brown, Criolo, Djonga e Emicida. O sertanejo juntando elementos do forró para criar uma potência brasileira que arrasta multidões. Aposto que Nara ia amar Marília Mendonça, Gabi Amarantos, Marina Sena, Joelma, Anitta, Iza, Gloria Groove.

Cantora foi uma ponte

Nara foi uma mulher independente, que fez o que quis e nunca se deixou guiar por ninguém. Deu sentido amplo à palavra liberdade (tão desvirtuada hoje). Liberdade que se conquista quando todos partem das mesmas condições de largada para fazerem suas escolhas.

O ano de 2022 começou limitado à polarização raivosa, excludente e monotemática. Nara nos lembra do que somos capazes. Não só na cultura. A ideia é muito mais ampla. Enxergar o Brasil pela lente da diversidade é ver a Amazônia como nosso maior trunfo para o mundo. Aprender a olhar para riqueza de vida, ciência, fontes de renda, empregos, caminhos que a floresta em pé pode gerar.

Nara foi uma ponte, como diz Paulinho da Viola. Juntou dois lados e, no meio, ergueu uma coisa nova. Dessa mistura generosa, potente, solidária, corajosa, Nara sonhou construir um país. É bom a gente sempre se lembrar disso.

* Renato Terra é diretor da série “O canto livre de Nara Leão”, do Globoplay

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