Folha de S. Paulo
Eleições são disputas em torno de quais
dimensões devem tornar-se salientes e quais devem ser interditadas
Na Coreia do Sul, o favorito na atual
disputa presidencial é o ex-procurador-geral do país Yoon Seok-Youl, que
adquiriu popularidade no processo que levou a ex-presidente
Park Geun- Hye a sofrer um impeachment e ser presa. O atual
presidente, Moon Jae-In, que não é candidato devido à vedação constitucional da
reeleição, foi quem nomeou Yoon para o cargo, que agora está na oposição.
Recentemente, Moon concedeu indulto à ex-presidente temendo futuras investigações do ministério público, após uma malsucedida campanha para reduzir o poder dos procuradores (Yoon denunciou seu Ministro da Justiça e braço direito por corrupção). Park é filha do ex-ditador General Park Chung-Hee, que governou o país por 18 anos.
A questão da corrupção é
o tema vertebrador da política no país juntamente com a inflação, endividamento
familiar e moradia; o combate à pandemia tem sido exemplar mas não tem sido
politizado.
O caso sul-coreano é ilustrativo das insuficiências das discussões em torno do significado de esquerda, direita e centro. Como no Brasil, mesclam-se questões relativas a corrupção, autoritarismo, e questões redistributivas. Mas os contrastes com nosso país são evidentes.
Historicamente, a dimensão em torno da qual a distinção entre esses polos se
organizou é a redistributiva. Este foco logo se revelou redutor e as pesquisas
empíricas passaram a incorporar uma segunda dimensão relativa a valores e
comportamento; ao que se agregou uma terceira dimensão relativa às liberdades
(individuais/públicas) vs autoritarismo.
Assim, o quadro
conceitual alargou-se, permitindo a identificação de subtipos de
esquerda ou direita: autoritária (ou não) e conservadora na agenda de costumes
(ou não).
O republicanismo é para alguns analistas uma dimensão ortogonal às anteriores; mas um juízo cuidadoso o veria como parte integral do continuum liberdades vs autoritarismo. Afinal, a corrupção e o abuso de poder impactam a própria disputa política e, portanto, violam a soberania popular e o constitucionalismo. O democrata corrupto —e o seu avesso, o autoritário probo —são oximoros.
Dada a multidimensionalidade envolvida, a análise restrita a apenas uma ou duas dimensões é analiticamente pobre. Democracia constitucional é soberania popular mais transparência e governo limpo.
Mas a realpolitik das eleições presidenciais é que são disputas em que os atores buscam influenciar quais dimensões tornam-se salientes e quais são excluídas ou interditadas no debate político.
Aos dois principais contendores atuais em nosso país, por exemplo, não
interessa que a disputa seja vertebrada pela discussão da dimensão republicana
por razões óbvias.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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