segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Denis Lerrer Rosenfield*: O bom debate

O Estado de S. Paulo.

Posição de Lula e PT sobre teto de gastos e reforma trabalhista serviu para outros candidatos comparecerem à cena

É inegável o fato de que Lula e o PT terem suscitado um debate sobre o teto de gastos e a reforma trabalhista produziu um efeito benéfico. Não tanto pelo que disseram, por se tratar do mesmo anacrônico receituário que levou o País à breca no governo Dilma, mas por terem obrigado os outros partidos e contendores a comparecerem à cena. De repente, a discussão foi deslocada para o governo Temer e as suas reformas, tendo o ex-presidente comparecido como ponto de referência daquilo a ser ou não feito. Ao visar às reformas necessárias para o País, seguindo a demagogia do “neoliberalismo”, quando não do “imperialismo” orientando a Lava Jato contra as empresas brasileiras, o PT escolheu como alvo um governo orientado por reformas sensatas, voltadas para o bem do País, independentemente de sua popularidade.

Imediatamente, os candidatos Sérgio Moro e João Doria, em atitudes responsáveis, mostrando que estão preparados para dirigirem o País, saíram em defesa destas reformas. Naquele então, o MDB e a Fundação Ulysses Guimarães ofereceram as bases reformistas graças ao documento “Ponte para o futuro”, destacando também a posição do antigo líder do partido na condução desta reformas, deputado Baleia Rossi, hoje presidente do partido e coordenador eleitoral da campanha da senadora Simone Tebet. Eis as ideias que estão colocadas para um espaço de centro, capazes de viabilizar uma candidatura unificada politicamente neste campo.

Assinale-se que a defesa do teto de gastos possui a maior importância não apenas do ponto de vista da responsabilidade fiscal, mas igualmente política. A lei deveria obrigar o governo a abrir espaço no Orçamento a novos projetos, avaliando os existentes, mudando-os ou anulando-os, reduzindo os privilégios do funcionalismo público em todos os Poderes, desengessando destinações obrigatórias. Os partidos, por sua vez, deveriam ser obrigados a disputar projetos e recursos dentro do próprio Orçamento, e não fora dele, como é o caso agora.

Tudo é feito, porém, para burlar a lei, em nome de uma tal Justiça Social que é nada mais do que uma máscara para ocultar a realização de interesses particulares. Toda saída deste limite, salvo em situações de catástrofe ou calamidade pública, significa ingressar no perigoso pântano do populismo econômico, quando não de sua derivação autoritária.

Lula, em seu primeiro mandato, foi bem-sucedido por ter conservado o legado “bendito” do governo Fernando Henrique, apesar de ideologicamente ter sido dito “maldito”. Seguiu os seus pilares econômicos e sociais, tendo escolhido para a Fazenda e o Banco Central dois “liberais”, Antonio Palocci e Henrique Meirelles. Foi graças a eles que o seu primeiro governo deu certo, antes de caminhar para a irresponsabilidade da segunda metade do segundo mandato e ao ungir Dilma como sua sucessora. O Lula “liberal” chegou a festejar o Brasil ter ganho grau de investimento por agências internacionais de risco. Será que comemorou que o País o perdeu no governo Dilma?

Neste contexto, Lula e lideranças petistas, acompanhados de uma forma orquestrada por ex-ministros da Fazenda por meio de artigos, atacaram as reformas do governo Temer, além de terem canhestramente procurado resgatar o governo Dilma. Ou seja, estariam resgatando a contabilidade criativa, a irresponsabilidade fiscal, a inflação e a recessão. Pretendem ainda reintroduzir a tutela estatal nas relações de trabalho e o poder, inclusive financeiro, dos sindicatos atrelados ao partido, apagando os valores da livre negociação entre empregadores e empregados, considerados como maiores de idade e capazes de decidirem por si mesmos o que é melhor para eles. E tudo isto sem que nenhum direito tenha sido suprimido, em um processo conduzido pelo ex-ministro Ronaldo Nogueira.

Não há nada de acidental nisto, mas uma franca apresentação do que Lula pretende fazer, caso vença a disputa presidencial. Tratando-se, porém, de um Macunaíma, não se pode descartar a sua adoção de uma outra máscara, caso isto seja necessário do ponto de vista eleitoral e governamental. Não procede, senão do ponto de vista estratégico, as alegações de simpatizantes empresariais e jornalísticos do PT, segundo os quais Lula ainda não teria ainda porta-vozes econômicos ou políticas definidas a este respeito.

Não poderia evidentemente faltar o desgastado discurso contra as privatizações, como se essas tivessem sido feitas pelo governo Bolsonaro. Confundem, intencionalmente, as ideias abandonadas do ministro Guedes com a realidade do governo atual que nada privatizou, apenas tendo seguido o projeto de concessões do governo anterior. Mais preocupante ainda, Lula chegou a dizer que “fortaleceria” a Petrobras. Como assim? Foi nos governos petistas que a Petrobras foi na verdade privatizada pelo partido e por seus asseclas e empresas de compadrio, cuja expressão mais nítida é o Petrolão, escancarando a corrupção generalizada. É a volta disto que está sendo proposto?

*Professor de filosofia na UFGRS

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