Editoriais
Amazônia sob o jugo do crime organizado
O Globo
A busca pelo indigenista e funcionário da
Funai Bruno Pereira e pelo jornalista britânico Dom Phillips tem confirmado as
piores suspeitas sobre o desaparecimento da dupla, que navegava no dia 5 de
junho pelo Vale do Javari, na Amazônia, mas não chegou ao destino. De acordo
com a família de Dom e diplomatas britânicos, os corpos dos dois foram achados
mortos na floresta. A Polícia Federal (PF) desmentiu a informação, mas as
autoridades descobriram documentos, roupas e objetos pessoais perto da casa do
principal suspeito pelo desaparecimento, que continua preso.
Diante da repercussão internacional, o
governo federal mobilizou Marinha, Exército, Força Nacional, Polícia Federal e
Funai na busca. O presidente Jair Bolsonaro chegou a citá-la no discurso que
fez na Cúpula das Américas. Infelizmente, os fatos não o eximem da
responsabilidade por ter amplificado os conflitos numa região convulsionada por
disputa de terras, desmatamento, garimpo e pesca ilegais. O aumento na
devastação da floresta neste governo está comprovado por todos os levantamentos
científicos.
Na campanha eleitoral, Bolsonaro defendia intervir no Ibama e no ICMBio para acabar com o que chamou de “indústria de multas”, tida como ameaça aos “empreendedores” — os que desmatam para extrair madeira ilegal, depois queimam a floresta para transformá-la em pasto e envenenam os rios com o mercúrio usado em garimpos.
No Planalto, Bolsonaro contou com a ajuda
inestimável do então ministro Ricardo Salles, para desmantelar as estruturas de
fiscalização e punição de madeireiros e garimpeiros. Só em 2020 houve 41 casos
de afastamento e aposentadorias de servidores de órgãos ambientais, de acordo
com a Controladoria-Geral da União (CGU). Houve recorde de processos
administrativos disciplinares instaurados para pressionar a fiscalização: até
setembro, 123 tramitavam no Ibama, maior número em 20 anos.
Pesquisadores da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) constataram queda de 93% nas multas quitadas nos dois
primeiros anos de gestão Bolsonaro, na comparação com a média anterior. Isso se
reflete na impunidade que fez da Amazônia terreno acolhedor ao crime
organizado. Ante a leniência do Estado, facções criminosas passaram a operar na
região — onde funciona intensa rota de tráfico — como se estivessem numa favela
carioca.
Apesar de Bolsonaro tentar negar a
devastação, os satélites continuaram a registrá-la. No primeiro trimestre, a
Amazônia perdeu 941 km2 de cobertura vegetal, batendo o recorde de 797 km2 nos
primeiros três meses de 2020. Para ter uma ideia da conivência do governo com o
crime, basta lembrar que a PF fez, no final de 2020, uma apreensão de 43.700
toras, a maior da História. Salles, ainda ministro, saiu em defesa dos
responsáveis, entrou em choque com o superintendente da PF no Amazonas, e o
desfecho do caso foi o inaceitável afastamento dele do cargo.
Cientistas afirmam que o desmatamento se
aproxima do ponto a partir do qual a floresta não conseguirá mais se regenerar
e temem a savanização da Amazônia. Bolsonaro é atacado dentro e fora do Brasil.
Sobre Bruno e Dom, afirmou que provavelmente “fizeram alguma maldade a eles”.
Pudera. Com a omissão do Estado, o animal mais perigoso na Amazônia e em seus
rios hoje são os criminosos. Eis mais uma sequela da gestão antiambiental do
governo.
Brasileiro mais pobre é resultado da maré
global e de política social errática
O Globo
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados na semana passada traduzem em números uma realidade conhecida: o brasileiro está mais pobre. O rendimento domiciliar mensal per capita de 2021 foi o menor desde o começo da série histórica da PNAD Contínua, em 2012. A reabertura da economia no ano passado e a recuperação de parte dos empregos foram incapazes de evitar o pior. A maré baixou para todos os barcos, mas os mais pobres sofreram mais. A população na metade inferior da pirâmide social passou a receber menos que R$ 415 per capita, redução de 15% em relação ao patamar de 2020. Comparada a 2012, a queda entre os 5% mais pobres foi de 48%. Sob qualquer ângulo que se olhe, é uma tragédia.
A pandemia provocou um retrocesso global na
renda e aumentou a pobreza no mundo todo. O Brasil não foi exceção. Logo no
começo da crise sanitária, em 2020, o governo de Jair Bolsonaro tornou-se
destaque positivo ao lançar o Auxílio Emergencial, programa de renda mínima
para mitigar os impactos econômicos da Covid-19. Países de tamanho e estágio de
desenvolvimento comparáveis ao brasileiro, como o México, não incrementaram a
transferência de renda e sofreram mais.
Infelizmente, o sucesso inicial deu lugar
ao oportunismo eleitoreiro. A inflação de dois dígitos já corroía a renda dos
brasileiros havia meses quando as tropas russas invadiram a Ucrânia, em
fevereiro, provocando um choque nos mercados de combustíveis e grãos. Enquanto
o Banco Central lutava contra a alta de preços, Bolsonaro fazia o jogo
contrário. Preocupado em aumentar suas chances de reeleição, só queria saber de
abrir o cofre para os políticos do Centrão esbanjarem verbas em obras de
prioridade e seriedade questionáveis.
Não satisfeito, Bolsonaro decidiu mexer no
Bolsa Família, principal programa de transferência de renda do governo federal.
O Auxílio Brasil, que o substituiu, aumentou o valor médio transferido, mas é
regido por regras confusas e de difícil execução, como resultado de inúmeros
movimentos erráticos. A vida do pobre piorou.
Mesmo que os eleitores decidam se livrar de
Bolsonaro, a renda domiciliar não deverá melhorar de forma significativa tão
logo. O Banco Mundial estima que a soma de pandemia, guerra na Ucrânia e
inflação em alta aumentará, no final deste ano, o número daqueles vivendo em
extrema pobreza no planeta em 75 milhões acima das projeções feitas antes do
aparecimento da Covid-19.
Em 40% dos países pobres e emergentes, a
renda per capita em 2023 deverá ficar abaixo do nível pré-pandemia. O Brasil,
que já foi destaque positivo em políticas de transferência de renda e combate à
pobreza, hoje sofre as consequências da maré global e da inépcia do governo
Jair Bolsonaro.
Defesa e ataque
Folha de S. Paulo
Fachin evita embate após pasta dar mostra
preocupante de alinhamento a Bolsonaro
Capitão reformado que deixou o Exército
devido ao comportamento indisciplinado, Jair Bolsonaro (PL) sempre procurou
associar-se ao estamento fardado, ora em busca de legitimidade, ora como
instrumento de intimidação.
Ao longo de seu embate com as instituições,
que chegou ao paroxismo no Sete de Setembro passado e está colocado como uma
variável central da eleição de outubro, o presidente sempre buscou usar as
Forças Armadas em seu favor.
Bolsonaro azeitou seu esforço com benesses,
como cargos e reformas previdenciária e de carreira próprias. Porém houve
atritos, como na crise que derrubou toda a cúpula militar e também o ministro
da Defesa, em março de 2021.
Já o titular seguinte da pasta, general
Walter Braga Netto, adaptou-se tão bem que hoje é o favorito a ocupar a vaga de
vice na chapa presidencial de Bolsonaro.
Ele foi substituído pelo ex-comandante do
Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que agora reforça a recorrente
carga bolsonarista contra o sistema eleitoral.
O Tribunal Superior Eleitoral tentou
desarmar o presidente da República ao chamar no ano passado os militares para
participar de uma comissão sobre a transparência do pleito deste 2022.
O ministro Oliveira retirou o Exército,
representado na comissão por um general, do embate —e avocou a si a
interlocução. Àquela altura, o estrago estava feito: 88 perguntas haviam sido
enviadas pelos fardados, boa parte delas em tom conspiratório descabido.
O TSE tentou dar o assunto por encerrado,
tendo acatado uma dezena de sugestões dos militares. Não deu certo: na sexta
(10), a Defesa
retomou o ataque com um ofício à corte eivado de insinuações sobre os
rumos da eleição e com uma reclamação de desprestígio.
"Até o momento, não houve a discussão
técnica mencionada, não por parte das Forças Armadas, mas pelo TSE ter
sinalizado que não pretende aprofundar a discussão", dizia o texto
tortuoso.
A pasta não fala por toda a caserna, mas o
ruído de lá emanado não deixa de causar desconforto. O ministério se rebaixa ao
servir de linha auxiliar da estratégia bolsonarista de espalhar suspeitas sobre
as urnas eletrônicas, mesmo sem dispor de uma mísera evidência.
O presidente do TSE, ministro Edson
Fachin, preferiu
contemporizar. Evitou o embate com as Forças Armadas, que tratou como uma
das entidades habilitadas a acompanhar as eleições, e enalteceu o "diálogo
interinstitucional".
O mesmo equilíbrio é esperado de Oliveira,
ocupante de um posto fundamental da administração pública que não deveria estar
envolvido na aventura do chefe que teme a derrota em outubro.
O viável contra armas
Folha de S. Paulo
Acordo bipartidário oferece esperança de
maior controle sobre produtos nos EUA
Na esteira da comoção causada pelos mais
recentes morticínios nos Estados Unidos, um grupo de senadores democratas e
republicanos anunciou um raro acordo bipartidário para restringir, ao menos
parcialmente, o permissivo comércio de armas naquele país.
Trata-se de passo significativo num tema
que está entre os mais divisivos da sociedade americana.
Em geral, os conservadores de lá veem nas
armas um símbolo de autonomia individual, consagrado pela segunda emenda da
Constituição. Qualquer tentativa de restringir esse direito é entendido como
ingerência indevida do Estado na vida privada e uma violação de garantias
fundamentais.
Já as forças mais à esquerda defendem o
aumento das restrições aos produtos. Seu principal e mais persuasivo argumento
são as repetidas matanças de civis, crianças em particular, cometidas por
atiradores que, sem maiores dificuldades, adquirem até rifles de assalto.
A população apresenta-se dividida, com
pequena maioria (52% na mais recente pesquisa Gallup) favorável a ampliar os
controles, embora outros levantamentos tenham registrado percentuais mais
elevados após os últimos ataques.
No Congresso, onde o lobby armamentista tem
presença forte, a cizânia partidária vem bloqueando há décadas qualquer avanço
maior em torno da questão.
Daí a importância do acordo consagrado no
domingo (12). Assinada por dez senadores de cada legenda, a proposta é um
caminho do meio entre as ambições democratas e as restrições republicanas.
Dentre as medidas, a mais relevante talvez
seja a que aumenta o rigor na verificação de antecedentes de menores de 21
anos, incluindo pela primeira vez registros de saúde mental e comportamento.
O plano prevê ainda incentivos federais
para que os estados promulguem as chamadas leis de bandeira vermelha,
destinadas a retirar armas de fogo de pessoas consideradas uma ameaça a si
mesmas ou a outros, além de ações de combate ao comércio ilegal.
As intenções ainda precisam ser
concretizadas em legislação, e discordâncias acerca de alguns detalhes podem
atravancar o processo —para nada dizer da oposição de grupos pró-armas e de
parlamentares refratários a mudanças.
A despeito dos obstáculos, o acordo é visto como a melhor oportunidade em décadas para sustar o armamentismo no país. Cumpre fazer o possível, não aguardar o ideal.
Bolsonaro é ruim para os negócios
O Estado de S. Paulo
Empresários precisam perceber que a ameaça do presidente de desobedecer ao STF e convulsionar o País é incompatível com um ambiente propício para empreender
O presidente Jair Bolsonaro foi aplaudido
várias vezes por empresários reunidos em almoço na Associação Comercial do Rio
de Janeiro (ACRJ) durante um discurso em que voltou a mentir sobre o sistema
eleitoral, a atacar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) e a afirmar que não cumprirá decisões judiciais das
quais discorda.
Bolsonaro é o que é – um caso perdido. Mas
é bastante preocupante, até mesmo contraditório, que um grupo de empresários
compactue com essa retórica desestabilizadora. O interesse explícito de
Bolsonaro em convulsionar o Brasil, investindo no caos institucional e social,
é incompatível com um ambiente propício para o desenvolvimento dos negócios.
Referindo-se ao julgamento do marco
temporal para demarcação de terras indígenas, ainda a ser julgado pelo STF, o
presidente tornou a afirmar que não cumprirá a ordem judicial a depender do que
a Corte decida. “Se aprovar isso (a constitucionalidade
do marco), o que eu faço? Decisão do Supremo não se discute, se
cumpre. É isso?”, perguntou Bolsonaro à plateia. Em coro, os comensais reunidos
na ACRJ responderam “não”.
É o caso de perguntar se aqueles
empresários, de fato, concordam com essa desabrida ode à insegurança jurídica,
tão nefasta para o florescimento da atividade econômica em qualquer país, feita
por ninguém menos do que o presidente da República – que pretende ficar mais
quatro anos no poder. Decerto é possível discordar de decisões judiciais, e aí
está o extenso rol de recursos à disposição das partes de uma lide;
descumpri-las, no entanto, é algo inconcebível à luz do Estado Democrático de
Direito consagrado desde o preâmbulo da Constituição. Se a desobediência parte
do presidente da República em pessoa, trata-se de grave ruptura da ordem
constitucional.
A mera menção à hipótese de descumprimento
de ordens judiciais por parte do presidente deveria ser objeto de pronto e
manifesto repúdio por parte dos empresários. Para quem investe tempo e capital
para abrir ou expandir seus negócios, não há nada mais sagrado do que o
respeito aos contratos – e o mais importante dos contratos numa sociedade
genuinamente democrática é aquele pactuado entre os cidadãos na forma de sua
Constituição.
Nesse contrato, está escrito, no artigo
102, que a “guarda da Constituição” é competência precípua do Supremo Tribunal
Federal. Assim, goste-se ou não, a interpretação final dos termos do contrato
constitucional é do Supremo. Desrespeitar ordens do Supremo, portanto, equivale
a desrespeitar a Constituição. Se o “guardião da Constituição” é desacatado, “a
integridade do sistema político, a proteção das liberdades públicas, a
estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a segurança das relações jurídicas
e a legitimidade das instituições da República restarão profundamente
comprometidas”, como salientou em decisão de 1999 o então ministro Celso de
Mello.
Logo, como se vê, um presidente da
República não poderia nem cogitar de desacatar ordens do Supremo, pois somente
a menção a essa possibilidade tem o condão de causar instabilidade. Por esse
motivo, é incompreensível que empresários, que deveriam desejar a estabilidade,
aplaudam a mera hipótese de uma ruptura, por mais fundados que sejam seus
receios em relação a uma possível vitória do principal adversário de Bolsonaro,
o petista Lula da Silva.
O movimento racional que é esperado de
empresários ciosos da situação do País foi visto em setembro do ano passado. À
época, mais de 240 importantes entidades representativas de diversos segmentos
econômicos subscreveram um manifesto externando suas preocupações com a rusga
entre Poderes da República e os reiterados ataques de Bolsonaro às instituições
democráticas. São empresários que compreendem que a instabilidade política e
jurídica pode ser muito boa para os interesses eleitorais do
presidente-candidato, mas é péssima para o País e para os brasileiros. Vale
dizer, são empresários que sabem muito bem que Bolsonaro é ruim para os
negócios.
O perigo na sala de aula
O Estado de S. Paulo
Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP sobre esgotamento profissional mostra que professores precisam de apoio para solucionar conflitos nas escolas
A violência, infelizmente, está presente
nas escolas do País. E não é de hoje. Casos de bullying, brigas entre alunos e
agressões verbais ou físicas contra professores aparecem com frequência em
levantamentos realizados nas redes de ensino. As consequências, por óbvio, são
negativas para todos: além de prejudicar o convívio e a aprendizagem, uma
rotina de violência pode afetar também o bem-estar emocional e a saúde dos
profissionais da educação. De súbito, quem tem a missão de ensinar e de servir
de exemplo vê-se esgotado, o que leva muitos professores, não raro, a faltar ao
trabalho ou a sair de licença médica, interferindo no funcionamento das
escolas.
O esgotamento profissional, chamado também
de burnout, é frequente em diversas profissões, como o magistério. Administrar
as tensões da sala de aula, deparar-se com falta de infraestrutura e lidar com
problemas de gestão já são desafios suficientes. O que dizer, então, quando
entra em cena a variável da violência, seja na forma de agressões físicas ou
verbais por parte de alunos, pais, responsáveis e colegas de trabalho?
Considerando que o Brasil tem 2,2 milhões de professores na educação básica,
atuando em 178 mil escolas, percebe-se o tamanho do desafio.
A propósito dessa realidade muito
conhecida, mas pouco estudada, uma pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo (USP) é bastante esclarecedora. A partir de
entrevistas com 93 professores da rede municipal de São Paulo orientados a
buscar apoio psicoterápico e que efetivamente procuraram o ambulatório de saúde
mental do Hospital do Servidor Público Municipal, o levantamento identificou
variáveis ligadas ao esgotamento profissional. Entre elas, ruídos em sala de
aula, problema mencionado por 87% dos professores com algum grau de burnout, e
incômodos com alunos, variável citada por 70%, conforme o Jornal da USP.
A violência física ou psicológica, claro,
está na lista. E apresenta elevada correlação com casos graves de burnout. Dos
93 participantes do estudo, a maioria mulheres, 25 foram identificados com
quadro grave de esgotamento em dois testes com metodologias distintas aplicados
durante a pesquisa. Dos professores com burnout grave, 60% relataram ter
sofrido agressões físicas ou verbais, principalmente ameaças ou
constrangimentos, dentro da escola, nos 12 meses anteriores à entrevista.
Os resultados foram publicados no
artigo Violência contra professores
da rede pública e esgotamento profissional, em março deste ano. As
autoras, a doutoranda Elaine Cristina Simões e a professora da USP Maria Regina
Alves Cardoso, defenderam que a violência nas escolas seja considerada também
como dano ocupacional, já que se insere entre as prováveis causas de
esgotamento. Outro ponto interessante é que as agressões, sem dúvida,
contribuíram para o diagnóstico que deu origem à recomendação de que os
profissionais buscassem apoio psicológico. Mas, conforme as autoras, a
violência parece tão arraigada no ambiente escolar que as agressões não
ensejaram, isoladamente, a procura por tratamento psicoterápico.
As pesquisadoras jogaram luz sobre como
pode ser difícil, para professores, lidar com a violência de que são vítimas
nas escolas, considerando que se trata de ambiente diversificado, onde, em
princípio, caberia ao docente fazer a mediação. “É esperado que o educador lide
com os conflitos na perspectiva da formação dos alunos, portanto, quando o alvo
da violência é o próprio professor, a agressão pode ser vista por ele como
sinal de seu fracasso”, escreveram elas.
As conclusões das pesquisadoras da
Faculdade de Saúde Pública da USP precisam chegar aos gabinetes não apenas da
Secretaria Municipal da Educação de São Paulo, mas das demais redes de ensino
em todo o País. É notório que a educação enfrenta desafios multifacetados e que
seus profissionais precisam de apoio para enfrentá-los. A resolução de
conflitos, uma das causas de burnout, tem que fazer parte da formação inicial e
continuada de professores. Pela saúde dos profissionais e de seus alunos e pelo
bem da educação.
Vendendo o futuro com desconto
O Estado de S. Paulo
Projeto do governo que antecipa receitas de petróleo é eleitoreiro e merece ser ignorado e arquivado pelo Congresso
O envio de um projeto de lei ao Congresso
para permitir que a União venda sua parte do óleo extraído das áreas do pré-sal
a quatro meses das eleições resume a que ponto o governo chegou para tentar
tirar a candidatura de Jair Bolsonaro de uma persistente estagnação. O fato de
que a administração atual herdou uma proposta de privatização pronta da gestão
anterior – o da capitalização da Eletrobras – e, ainda assim, levou três anos e
meio para conseguir viabilizá-la já seria argumento suficiente para não levar a
sério os planos para a PPSA, estatal responsável por gerir os contratos de
partilha de petróleo. Mas o oportunismo atingiu um novo nível de desfaçatez
nesse caso em particular.
São remotas as chances de que o Congresso
aprove um projeto desse porte no último ano de mandato de um presidente que
corre considerável risco de não se reeleger. A forma leviana como o governo tem
tratado a temática do petróleo e gás tampouco ajuda a vender a proposta. Mesmo
na improvável hipótese de a União obter autorização do Legislativo para vender
sua parte nos contratos, teria que conquistar o aval não apenas da Petrobras,
mas de outras 15 sócias na exploração das áreas, todas petrolíferas que ouvem o
presidente Bolsonaro vociferar diariamente pelo controle de preços de
combustíveis.
Pela proposta, segundo a exposição de
motivos, seria possível receber, de uma só vez, e não mais ao longo de 30 anos,
R$ 398,4 bilhões em receitas para o Orçamento de 2022. Se o País ainda
respeitasse o arcabouço fiscal, esse dinheiro entraria para compor o superávit
primário e abater a dívida pública, reduzindo seu custo. Mas há poucas dúvidas
de que o próximo passo seria criar mais uma exceção para contabilizar despesas
fora do teto de gastos. Algo que convenientemente não foi mencionado foi o
deságio que o Executivo teria que aceitar nessa operação de antecipação de
recebíveis – se o desconto fosse de 5%, já seriam quase R$ 20 bilhões a menos
nos cofres do Tesouro.
Grandes produtores de commodities, como a
Noruega, possuem contas equilibradas e uma preocupação de não drenar receitas de
futuras gerações. O Brasil, por sua vez, não consegue prover o mínimo para
milhões de pessoas que passam fome todos os dias, e mais da metade da população
enfrenta algum grau de insegurança alimentar. Mas é essencial destacar que a
miséria brasileira não advém da falta de dinheiro, como quer fazer crer o
Executivo, e sim das péssimas escolhas da administração federal e do
Legislativo, fielmente traduzidas em um Orçamento que se presta a abastecer
campanhas políticas e preservar emendas paroquiais de qualquer corte em
detrimento dos interesses da coletividade.
O histórico da gestão Bolsonaro permite
afirmar que as necessidades básicas da população serão usadas como mero
pretexto para destroçar as contas públicas e manter arranjos políticos. Neste
momento, portanto, toda e qualquer iniciativa deste governo merece ser
desprezada pelo Congresso e arquivada pela atual legislatura, inclusive a
relacionada à PPSA.
Políticas erradas causam queda da renda e
aumento da fome
Valor Econômico
Renda média per capita dos 5% mais pobres
acumulou queda de 48% em dez anos
Dois indicadores sociais bastante negativos
foram divulgados nos últimos dias, sem que o governo esboçasse reação. Um deles
mostrou que 125,2 milhões de brasileiros vivem em insegurança alimentar, que
chega a ser grave e causar fome para 33,1 milhões deles, de acordo com
levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar
e Nutricional (Rede Penssan). O IBGE registrou o aumento da desigualdade em
2021 e a queda do rendimento médio mensal domiciliar da população para o menor
patamar em dez anos.
A fome voltou a patamares registrados pela
última vez nos anos 1990, de acordo com o segundo Inquérito Nacional sobre
Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 do Penssan, e a
insegurança alimentar atinge mais da metade da população - 58,7%. O número dos
que não têm o que comer aumentou 14 milhões em relação ao ano passado, mais do
que a população da cidade de São Paulo (11,2 milhões) e mais de duas vezes o
município do Rio (6,3 milhões). Em 2021, 19,1 milhões de pessoas estavam nessa
situação, quase o dobro dos 10 milhões de 2018.
O levantamento mostra que a situação é mais
grave entre a população rural, no Norte e Nordeste, em domicílios liderados por
pretos, pardos e mulheres; e em famílias com crianças pequenas. Ficou para trás
a conquista celebrada em 2013, quando o Brasil saiu do mapa da fome mundial ao
circunscrever o problema a 4,2% dos domicílios, após uma década de políticas
públicas de combate à pobreza e à miséria. O desmonte dessas medidas, o
desemprego, a queda de renda, o agravamento da crise econômica, o acirramento
das desigualdades sociais, dois anos de pandemia e, agora, a alta da inflação,
sobretudo dos alimentos, contribuíram para a situação regredir.
Complementa o quadro a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) 2021: Rendimento de todas as
fontes, levantamento do IBGE, que mostrou que a renda média do brasileiro foi
de R$ 1.353 no ano passado e nunca esteve tão baixa desde quando o levantamento
começou a ser feito, em 2012. Entre esse primeiro ano de pesquisa e 2014, a
renda média do brasileiro cresceu 6,2%, mas começou a recuar em 2015 com o
início da recessão no governo de Dilma Rousseff. Só voltou a crescer entre
2017, registrando um aumento de 5,2% até 2019. Com a pandemia, despencou 4,3% no
primeiro ano e 6,9% em 2021, a maior queda da série na comparação com o ano
anterior, acumulando perda de 11% nos dois anos.
Quando analisada a renda média de acordo
com as classes de renda, o estudo mostra que houve queda no ano passado em
todas as faixas de renda, mas os mais pobres foram mais penalizados. A renda
média per capita dos 5% mais pobres acumulou um tombo de 48% em dez anos. Já o
1% mais rico da população teve perda de 6,9% no período.
A pesquisa também mostra um aumento da
desigualdade em 2021, após queda no indicador em 2020 e estabilidade em 2019.
Esse movimento é medido pelo índice de Gini, que retomou o patamar de dois anos
antes (0,544). Quanto maior o Gini, maior a desigualdade. Em 2020 e 2019, o
índice era de 0,524 e 0,544, respectivamente.
A queda da renda influencia diretamente o
aumento da fome no país e foi consequência da deterioração do mercado de
trabalho durante a pandemia por conta do isolamento social causado pela demora
do governo em implementar a vacinação da população. Foi provocada também pelas
hesitações do governo em relação ao auxílio emergencial.
A redução do valor do benefício e do número
de pessoas atendidas pelo auxílio emergencial em 2021, em um momento em que o
mercado de trabalho capengava e a inflação começava a escalar, fez a renda
recuar ainda mais. A inflação fechou 2021 em 10,06%, o que não ocorria desde
2015.
O governo segue cometendo erros neste ano,
quando a invasão da Ucrânia pela Rússia acentuou o problema da fome, agora em
escalada global. Um dos problemas é o negacionismo. Na recente Cúpula das
Américas, o presidente Jair Bolsonaro vangloriou-se de que o Brasil pode
alimentar o número discutível de 1 bilhão de pessoas, ignorando o elevado
número de famintos em seu próprio país. O ministro Paulo Guedes jogou no colo
do setor de supermercados a responsabilidade por combater a carestia e não
corrige os erros do Auxílio Brasil. Além de não tomar providência alguma, o
governo, em plena pré-campanha eleitoral, simplesmente ignora esses problemas e
erra ao subsidiar a gasolina em vez de revisar o Auxílio Brasil.
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