Valor Econômico
A percepção de empobrecimento é o que leva
o eleitor a votar para não perpetuar a realidade
Em 1º de janeiro de 2019, quando Bolsonaro
assumiu a Presidência da República, o salário mínimo era de R$ 998 e uma cesta
de 35 produtos básicos largamente consumidos nos supermercados custava R$
465,57. Ou seja, 46,6% do piso salarial no mercado formal de trabalho comprava
por mês 27 diferentes itens alimentícios como carne, frango, óleo de soja,
arroz, sal, feijão, açúcar e leite, entre outros, além de oito bens essenciais
para limpeza e higiene, como sabão em pó, desinfetante e papel higiênico.
Em abril deste ano, a mesma cesta de
produtos custava em média R$ 758,72 nos supermercados, valor equivalente a
62,6% do salário mínimo atual de R$ 1.212,00. Em três anos e quatro meses de
governo, o bolso dos eleitores brasileiros de renda mais baixa foi impactado
com o aumento de 67,38% em média dos preços cobrados pelos mesmos produtos
básicos, enquanto o salário mínimo subiu apenas 21,44% no período.
Para que os gastos da cesta em abril deste ano tivessem o mesmo peso no piso da renda mensal do trabalhador, o salário mínimo vigente hoje deveria ser de R$ 1.626,40. Esse é o valor que manteria o poder de compra ao nível em que estava em 1º de janeiro de 2019, levando-se em conta a variação de preços dos itens aqui considerados.
Diante dos números, é fácil identificar a
inflação como o mais cruel e potente inimigo do presidente no atual processo
eleitoral. A desvalorização do real terá influência essencial na decisão da
massa eleitoral na hora de apertar o botão da urna com o nome do candidato à
Presidência.
Bolsonaro prefere ignorar a piora da
situação econômica no seu mandato, do mesmo modo como ignorou os efeitos da
pandemia, mas não é cego. Com certeza consegue enxergar a relação direta entre
defasagem do valor real do salário mínimo - e, em geral, do rendimento real do
trabalho formal ou informal - e o fraco desempenho do seu nome junto às classes
de renda mais baixas, conforme captado pelas pesquisas de intenção de voto.
Afinal, cerca de 34 milhões de brasileiros sobrevivem com renda mensal de até
um salário mínimo no país, o equivalente a 36% do total de trabalhadores
ocupados, segundo dados do IBGE. Outros tantos se viram como podem em
atividades esporádicas, muitas vezes com rendas mensais inferiores ao piso
mínimo.
Também sabe que a esta altura não teria
mesmo muito o que fazer. As tentativas de manipular o mercado de derivados de
petróleo - sem esquecer as intervenções na própria Petrobras - no sentido de
reduzir artificialmente os valores cobrados pelo diesel e pela gasolina não
terão grande efeito na formação dos preços dos alimentos praticados no varejo, pois
não chegam a ser determinantes para explicar elevações tão expressivas quanto
as observadas em especial a partir de setembro de 2020 quando o IPCA mensal
pulou de patamar.
Aumento do custo de produção dos alimentos,
nível do câmbio, condições climáticas, preços internacionais, gargalos no
fornecimento de matérias primas e bens intermediários, além de alguma dose de
repasse da inflação têm contribuído para a elevação dos preços dos alimentos no
varejo nos últimos 21 meses.
Para ter uma ideia do impacto da inflação
dos itens básicos no poder de compra do salário mínimo usou-se aqui a seleção
dos 35 produtos definida pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) em
parceria com a empresa alemã GfK, especializada em mercado e em consumo, na
pesquisa mensal que realiza em todas as regiões do país junto a 325 lojas de
supermercados desde agosto de 2001. A mudança do valor médio de venda entre um
mês e outro é contabilizada através de uma espécie de índice chamado de
abrasmercado. O último levantamento disponível refere-se aos preços captados em
abril deste ano.
Uma outra cesta de referência para produtos
básicos de consumo poderia ter sido escolhida, com resultados para mais ou para
menos dentro de uma margem de oscilação de preços. Qualquer uma confirmaria o
fato de a inflação ser particularmente dolorosa para as camadas mais pobres da
população, conforme revelam várias instituições de pesquisa. Vale, portanto,
comparar a variação dos preços dos produtos pesquisados pela Abras com os
movimentos captados pelo IPCA, um índice que abrange uma imensa lista de itens,
entre produtos e serviços.
Em abril, enquanto o IPCA apontou variação
de 1,06%, o índice da Abras para a cesta de 35 produtos largamente consumidos
nos supermercados acusou aumento de 3,04% em comparação com março. Em doze
meses, até abril, o índice abrasmercado elevou-se em 17,87% muito acima dos
12,13% registrados pelo IPCA.
Há muito tempo os políticos brasileiros
perceberam a importância da estabilidade no imaginário da ideia de bem-estar da
população. O primeiro sinal surgiu com os fiscais do Sarney que se recusavam a
aceitar o retorno à realidade de preços em alta poucos meses depois do
“milagre” provocado pelo congelamento do Plano Cruzado.
Outros planos de estabilização se
sucederam, sempre com grande apoio popular, mesmo em circunstâncias políticas
tão anormais para a época com foi o trauma do primeiro impeachment de um
presidente da República.
Fernando Henrique Cardoso nunca deixou de
admitir que foi eleito presidente com a ajuda da estabilidade garantida pelo
Plano Real, algo que seu então adversário de campanha, Luiz Inácio Lula da
Silva, foi incapaz de perceber.
O atual governo poderia apontar fatores externos para explicar a inflação que tem marcado presença sistematicamente desde o final de 2020 e teria, a rigor, razão para fazê-lo, mas isso pouca mudança faria nas intenções de voto das classes mais baixas. O eleitor não mede de quem é a culpa pelo aumento dos preços no supermercado, apenas sente que com os mesmos reais não consegue comprar hoje o que conseguia meses atrás. A percepção de empobrecimento é o que o leva a votar com a esperança de que a realidade atual não será perpetuada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário