Valor Econômico
Mudança no regime tributário especial do
setor provoca insegurança jurídica
Enquanto as discussões se concentravam no
ICMS sobre combustíveis, outro tema na área tributária, com mínima repercussão,
mostrava como o viés ideológico continua contribuindo para a desindustrialização
do país. No apagar das luzes de 2021, o governo baixou a Medida Provisória
1.095/21, que extinguiu a partir de abril deste ano o Regime Especial da
Indústria Química.
Esse Reiq, como é conhecido, criado em
2013, era uma redução tributária para incentivar o setor químico, que encolhia
no país. Deveria continuar, por lei, até 2024, com redução gradativa do
benefício fiscal. Mas a cúpula econômica do governo, nada preocupada com a
desindustrialização, resolveu antecipar sua extinção.
Na noite do réveillon, a MP caiu como uma bomba na indústria química e acabou sendo parcialmente corrigida pelo Congresso no mês passado. Em resumo, os parlamentares mantiveram a redução gradativa do benefício, mas o estenderam até 2027, criando um regime de transição. Foram elevadas as alíquotas de PIS/Cofins para os fatos geradores ocorridos entre abril e dezembro de 2022. E exigidas contrapartidas da indústria à sociedade enquanto vigorar o regime especial, uma boa iniciativa.
A lei que até ontem esperava a sanção
presidencial é melhor que a MP de 31 de dezembro, mas um detalhe do texto
deixou bastante preocupados os empresários do setor: o artigo que delega ao
Ministério da Economia a tarefa de regulamentá-la, sem prazo para essa
regulamentação. Isso, na prática, pode representar a extinção do Reiq. Basta
que se postergue indefinidamente o decreto de regulamentação, o que não é pouco
provável, porque a iniciativa de extinção imediata do Reiq foi tomada pelo
ministério, que tem posição abertamente contrária à manutenção do estímulo
tributário.
A Associação Brasileira da Indústria
Química (Abiquim) faz várias críticas à lei. A mais importante é sobre a
insegurança jurídica decorrente dessa possibilidade de o Ministério da Economia
simplesmente ignorá-la e postergar sua regulamentação. Outras críticas se
referem à falta de sensibilidade do governo para o fato de que as empresas
brasileiras do setor estão em desvantagem em relação às concorrentes
internacionais e podem ser ainda mais prejudicadas a partir de agora.
O setor químico brasileiro, segundo a
Abiquim, dependendo do Estado, tem carga tributária de 40% a 45%, em comparação
com 20% a 25% das indústrias de países com as quais compete, como Alemanha,
EUA, Reino Unido e Japão. Todos esses países têm regimes especiais para
incentivar suas indústrias químicas e por isso desenvolvem hoje grandes
projetos de investimento. Um exemplo: as empresas pagam no Brasil 300% a mais
que nos EUA pelo gás natural, matéria-prima essencial para o setor. A energia
elétrica, importante na fabricação de cloro ou PVC, é 400% mais cara aqui.
O objetivo original do Reiq, em 2013, era a
redução temporária dessas assimetrias, até que houvesse uma reforma tributária
que garantisse a competitividade do setor. Com base nas perspectivas abertas
pelo regime especial, segundo empresários industriais, projetos haviam sido
desenvolvidos e firmados contratos de médio e longo prazo. Isso reduziu um
pouco a velocidade do processo de desindustrialização que vinha ocorrendo no
setor.
Num momento em que o governo promete gastar
mais de R$ 300 bilhões em bondades eleitorais, é inexplicável a punição a um
setor industrial que emprega mais de 2 milhões de pessoas. Além disso, pelos
cálculos da Abiquim, a extinção do Reiq, como quer o Ministério da Economia,
seria um contrassenso, porque teria um efeito negativo sobre renda e emprego,
com perdas de R$ 5,5 bilhões anuais no PIB. O possível aumento de arrecadação
do PIS/Cofins, estimado em R$ 1 bilhão em 2022, seria menor que a perda de
receita decorrente da queda de produção que o fim do Reiq provocaria, avaliada
em R$ 1,7 bilhão.
Segundo o governo, a extinção do Reiq foi
incluída na MP para compensar uma isenção de Imposto de Renda no pagamento de
leasing de aeronaves por empresas aéreas. Foi algo decidido de forma
autoritária, sem discussão com os industriais, o que não é novidade neste
governo de viés neoliberal da equipe econômica, para a qual o mercado resolve
todos os problemas, sem a necessidade e estímulo do Estado.
A Abiquim também considera que MP 1.095/21
é inconstitucional, porque duas MPs com o mesmo teor não podem ser baixadas em
uma mesma legislatura. Outra, de número 1.034/21, já havia sido aprovada no
Congresso e sancionada pelo presidente em julho de 2021, mantendo a extinção
gradual do Reiq em quatro anos.
Justificativas
A discussão desse imbróglio envolvendo a
indústria química tem duas justificativas. A primeira - data venia aos
defensores do consumo orgânico - é a importância desse setor que elabora
produtos básicos para construção civil, tecidos, calçados, veículos,
implementos agrícolas, remédios, tintas, tratamento de água e esgoto,
eletrônicos, alimentos e bebidas, móveis, embalagens etc. Basta olhar para os
lados: a caneta esferográfica, a tomada de luz, o capacete, a cadeira, a água
de beber, o copo, o celular, a tela da TV, o quadro na parede, o livro
impresso, a pintura da porta. Em quase tudo há presença de produtos químicos.
Com faturamento anual de US$ 180 bilhões, o
setor é o terceiro maior PIB industrial do país e o que mais recolhe impostos
federais. Apesar disso, o Brasil importou US$ 60 bilhões em produtos químicos
no ano passado e o déficit comercial nessa área atingiu US$ 46 bilhões.
A segunda justificativa está ligada à
questão ideológica, o viés neoliberal. A forma monocrática pela qual foi
decidida a extinção antecipada do regime especial de um setor importante para o
país revela a despreocupação com o avanço da desindustrialização brasileira.
Esse processo não é novo, começou nos anos
1980, mas continua. Em abril, a produção industrial, embora em ligeira alta,
estava 1,5% abaixo do nível de fevereiro de 2020, último mês antes da pandemia.
Ainda não há dados suficientes para se enxergar com nitidez os estragos que a
atual gestão econômica fez na indústria. Mas a reindustrialização será
impossível se prevalecer o viés neoliberal que nega estímulo inclusive a
setores vitais da indústria do século XXI, como os voltados à tecnologia e à
proteção ambiental.
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