O Estado de S. Paulo
O diálogo entre os EUA e a América Latina e
o Caribe encontra-se hoje num dos piores momentos desde o fim da guerra fria.
A 9.ª Cúpula das Américas, reunindo chefes de Estado dos países da região, ocorreu na semana passada em Los Angeles, nos EUA, em circunstâncias muito diferentes da primeira reunião, organizada em Miami em 1994, quando os EUA apresentaram a proposta de uma Área de Livre-comércio nas Américas (Alca). O encontro foi realizado num momento difícil para o anfitrião, às voltas com o apoio à Ucrânia na guerra contra a Rússia e a disputa pela hegemonia global com a China. A divisão interna nos EUA impediu que propostas dos dois partidos pudessem ser formuladas e apresentadas por Joe Biden. A América Latina está bem abaixo nas prioridades da política externa dos EUA. Em pronunciamento recente sobre as prioridades do país nesta área, o secretário de Estado, Antony Blinken, nem mencionou a América Latina. O diálogo entre os EUA e a América Latina e o Caribe encontra-se hoje num dos piores momentos desde o fim da guerra fria.
Os EUA formularam sugestões consistentes e
coerentes com seus próprios interesses na defesa da democracia e do meio
ambiente, na imigração e na expansão do comércio e do investimento, mas
ignoraram questões sociais relacionadas com a desigualdade social e as
dificuldades econômicas em praticamente todos os países da região. Mal
preparados pelo atraso na organização dos documentos e na escolha dos temas
para discussão, os EUA não convidaram Cuba, Venezuela e Nicarágua. Essa decisão
equivocada de Washington acarretou o esvaziamento parcial da reunião, pelo
boicote dos presidentes do Mexico, Guatemala, Honduras, El Salvador e Bolívia,
que, junto com outros países, reconhecem que as sanções e o isolamento impostos
por Washington não trouxeram de volta a democracia. O Brasil, apesar de o
Itamaraty recomendar a presença presidencial, só decidiu participar depois do
oferecimento de encontro com Biden, à margem da reunião. O único intuito foi
atender à prioridade de política eleitoral interna de Bolsonaro, ou seja, a
chance de uma foto.
Neste contexto, os EUA perderam uma
oportunidade para tentar recuperar a liderança nos países hemisféricos, quando
estão enfrentando crescente desafio econômico e comercial na região em virtude
da cada vez maior presença da China, da Rússia e do Irã, além da ameaça do
envio de tropas da Rússia para a Venezuela e Cuba, a depender da evolução da
guerra na Ucrânia. A Cúpula, que poderia ter sido uma oportunidade para
Washington mostrar a força de sua liderança ameaçada, expôs a queda da
influência dos EUA no hemisfério. O diálogo com os EUA tornou-se mais difícil,
também, pela fragmentação econômica e ideológica dos países e pelo populismo de
esquerda e de direita emergente, o que impede o aparecimento de uma liderança
regional efetiva. A liderança tem um preço. O Brasil, nos últimos anos,
renunciou à liderança sul-americana. Será que os EUA seguirão os passos do
Brasil na América Latina e no Caribe?
A ideia central dos EUA foi a proposta de
uma “parceria para a prosperidade econômica” no hemisfério, para se contrapor à
crescente influência da China na região, com investimentos, o fortalecimento
das cadeias de suprimento e uma evolução dos acordos comerciais existentes.
Ainda vaga e sem detalhes, a proposta focará em “parceiros com posições
políticas parecidas que já tenham acordos comerciais com os EUA”. O pacote
inclui, ainda, uma declaração sobre imigração e a promessa de US$ 300 milhões
em ajuda. Foram anunciados, também, a criação de um Corpo de Saúde das
Américas, talvez para se contrapor aos “médicos cubanos”, e a doação de US$ 12
milhões ao Brasil e à Colômbia para a preservação da Amazônia. Também foi
assinado, por apenas 14 países, documento sobre boas práticas regulatórias no
comércio.
Além da retórica (“a América Latina não é o
nosso quintal, mas nosso jardim”), os documentos divulgados ao fim da Cúpula
focalizaram, entre outros temas, o fortalecimento da democracia, direitos
humanos, novas tecnologia, desenvolvimento sustentável e futuro verde. Não
significam uma mudança de política e pouco acrescentaram.
Não por acaso, o documento com maior
divulgação foi a declaração sobre imigração, assinada por 20 chefes de Estado,
entre os quais o presidente Bolsonaro. Esse foi o tema de maior interesse do
governo americano, mas 11 países não assinaram o documento e os quatro países
de maior imigração para os EUA – México, Guatemala, Honduras e El Salvador –
não compareceram com seus chefes de Estado. A declaração, que não é
obrigatória, propõe a busca de financiamento de bancos internacionais para as
questões migratórias, o reforço de modelos de migração temporária para trabalho
e a retomada de programas de reagrupamento familiar de imigrantes. Os objetivos
declarados são melhorar o acesso aos serviços públicos, como saúde, e promover
a inclusão social e econômica deste grupo.
Como expressão clara da reduzida
importância da Cúpula das Américas para os EUA, nem o The New York Times nem o The Washington Post, nas edições de
sábado, publicaram qualquer informação sobre os resultados do encontro,
limitando-se a noticiar que o presidente Biden, em campanha para aumentar o
isolamento da Rússia, está encontrando resistência dos países latino-americanos
que mantêm relações econômicas e comerciais com Moscou.
*PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)
Nenhum comentário:
Postar um comentário