Editoriais
O fiador do caos
O Estado de S. Paulo
Sem espírito público, Arthur Lira não está à altura do comando da Câmara neste grave momento do País. Atropelando normas e ritos, aliou-se ao atraso bolsonarista para dele extrair poder
A democracia tal como a conhecemos se esvai
quando os indivíduos à frente das instituições republicanas não se mostram
dispostos a defender seus valores e pressupostos com espírito público, coragem
e obstinação.
O presidente da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira (PP-AL), não se mostrou à altura do comando de uma das Casas
Legislativas neste terrível momento da história do País. Ao contrário: aliou-se
e deu sobrevida ao atraso bolsonarista, para dele extrair poder. Falta-lhe
espírito público.
Ao atropelar normas e ritos com o objetivo
de impor a pauta legislativa de seu interesse, Lira desmoraliza algumas das
mais importantes conquistas da sociedade nas últimas décadas, conquistas estas
materializadas em um arcabouço jurídico-normativo que, até agora, fazia do
Brasil um país minimamente civilizado no que concerne ao trato do Orçamento
público, à livre atuação das oposições no Parlamento, ao respeito às decisões
da Justiça e ao regramento das eleições.
A fim de acomodar interesses financeiros e
eleitorais muitíssimo particulares, Arthur Lira tem usado seu enorme poder para
respaldar o desmanche de todo aquele ordenamento – e diante dos olhos de
cidadãos a um só tempo incrédulos, indignados e desalentados. Sob sua gestão à
frente da Casa, o que tem sido visto é a completa subversão do papel da Câmara
dos Deputados como representante dos interesses da sociedade, e não dos
parlamentares.
De sua cadeira na Mesa Diretora, Arthur Lira não só tem sido tépido em relação aos desabridos ataques perpetrados pelo presidente Jair Bolsonaro contra o Estado Democrático de Direito, como ele mesmo tem usado e abusado de suas prerrogativas no cargo para fazer letra morta do Regimento Interno da Casa – que passou a ser o que lhe der na veneta, não o que está escrito –, da Lei de Responsabilidade Fiscal, da Lei Eleitoral e, o que é ainda mais grave, para chancelar mudanças importantíssimas na Constituição de afogadilho, sem o devido debate democrático. A gestão Arthur Lira é uma sucessão de absurdos.
Cerca de duas semanas após o deputado
alagoano ter sido eleito e empossado como presidente da Câmara dos Deputados,
defendemos nesta página que, em sua nova e nobre condição, Arthur Lira haveria
de ter “uma visão republicana sobre o papel institucional da Casa, locus de
representação permanente da sociedade, independente, por óbvio, das fugazes
associações ao governo de turno” (ver editorial O livre exercício da oposição, publicado em 20/2/2021). O
tempo, contudo, mostrou a que veio Arthur Lira.
É de justiça reconhecer que Lira não teria
tido sucesso em suas manobras se não tivesse amplo apoio. Seus pares, em muitas
ocasiões, a ele se associaram em suas investidas contra a Constituição, a Lei
Eleitoral e as regras de ancoragem fiscal do País, inclusive – e sobretudo –
parlamentares de oposição ao governo. No mínimo, omitiram-se diante do
descalabro. Mas o fato é que Arthur Lira é a personificação da crise de representação
política que tanto mal tem feito ao Brasil. O presidente da Câmara simboliza o
desarranjo institucional que assola o País, em uma simbiose com o presidente
Jair Bolsonaro que tem se mostrado tão danosa ao interesse público.
Ainda faltam longos sete meses para o
término de seu mandato, mas já é possível afirmar que o deputado Arthur Lira
entrará para a história do Congresso como um dos principais fiadores do caos
instalado no País pelo desgoverno de Jair Bolsonaro. Afinal, é dele, Lira, a
prerrogativa exclusiva de autorizar a abertura de processos de impeachment
contra o presidente da República, além de, no âmbito da Casa que comanda,
acionar o sistema de freios e contrapesos em defesa da democracia. Numa e
noutra missão, Lira tem falhado miseravelmente.
Quando a sociedade, enfim, acordar desse
terrível pesadelo que já dura quase quatro anos, haverá de lembrar que
Bolsonaro só foi tão longe em seus desideratos liberticidas porque pôde contar
com a atuação reptiliana de autoridades que se portaram muito aquém da
responsabilidade exigida de suas altas posições na República.
Exercício da cidadania vai além do voto
O Estado de S. Paulo
A qualidade da democracia representativa está vinculada ao nível de educação cívica dos eleitores. O quadro de representação política no Congresso é reflexo dessa relação
A esmagadora maioria dos eleitores (86%)
considera bom que haja uma “alta renovação” no Congresso a partir da próxima
legislatura, que se inicia em fevereiro de 2023. É o que revela uma pesquisa
realizada pela Quaest, a pedido do instituto RenovaBR, publicada pelo Estadão.
À primeira vista, renovar os quadros de
representação política no Poder Legislativo federal pode parecer algo
intrinsecamente positivo, pois subjaz nesse desejo uma ideia de arejamento, de
coadunação dos parlamentares, a cada ciclo eleitoral, com novas pautas e
prioridades para uma sociedade em permanente transformação. No entanto, é
preciso questionar se a mera renovação congressual, de fato, atende a esse
anseio – a resposta é não – e, principalmente, refletir sobre a parcela de
responsabilidade que recai sobre os próprios eleitores pela abissal distância
que os separa de seus representantes eleitos.
A pesquisa revela uma profunda insatisfação
dos eleitores com o trabalho executado pelos parlamentares eleitos em 2018.
Fosse bem avaliada a atual legislatura, obviamente, o porcentual dos que clamam
por renovação não seria tão alto como o apurado pela Quaest. Cabe lembrar que
aquele pleito representara a maior renovação do Congresso desde a
redemocratização do País. Dos 513 assentos na Câmara dos Deputados, 244 (47%)
passaram a ser ocupados por novatos. No Senado, a renovação foi ainda mais
expressiva. Das 54 vagas para a Casa que estavam em disputa na eleição geral
passada, 46 foram conquistadas por novos senadores – uma impressionante taxa de
renovação de 85%. São números que demonstram de maneira cabal que a renovação
política pode não ser algo necessariamente bom – afinal, o que é bom há de ser
conservado, e não substituído.
Aqui cabe a reflexão sobre a participação
dos eleitores na conformação do quadro de representação política no Congresso e
a relação direta entre educação cívica e qualidade da democracia
representativa. Quando perguntados se acaso lembravam em quem votaram para
deputado federal em 2018, nada menos do que 66% dos entrevistados pela Quaest
disseram que não. O mesmo porcentual de respondentes indicou que desaprova o
trabalho dos deputados. O curioso é que mais da metade dos respondentes (55%)
afirmou não saber o que faz um deputado. Ora, como é possível avaliar –
positiva ou negativamente – o trabalho de um parlamentar se a própria natureza
do ofício é um mistério?
O fortalecimento da democracia no País
depende fundamentalmente da educação cívica dos eleitores, não só para votar
com consciência e responsabilidade, mas para acompanhar bem o trabalho daqueles
que exercem o múnus público. Essa confusão gerada pela falta de informação
política da maioria dos eleitores é habilmente explorada por parlamentares,
que, a rigor, deveriam representar os interesses de seus constituintes, não
interesses de classe. Disso decorrem aberrações como o “orçamento secreto”,
emendas constitucionais que zombam da própria Constituição e arremedos de
reforma política que, em muitos casos, só beneficiam detentores de mandato,
entre outras anomalias.
O presidencialismo e a cultural propensão
do eleitor brasileiro a escolher, apaixonadamente, entre nomes, não ideias e
projetos, para cargos majoritários tiram a devida atenção das escolhas para a
composição do Congresso. É algo que precisa mudar. E só a educação da população
– a educação política em especial – será capaz de romper esse círculo vicioso:
os eleitores escolhem seus representantes sem dar a devida atenção ao que
pretendem fazer com o mandato; os parlamentares negligenciam temas caros à
sociedade e se voltam para seus interesses no Congresso; a sociedade não se vê
representada e clama por renovação.
Busca-se sempre por uma legislatura melhor
do que a anterior, o que, de maneira alguma, é negativo. Mas, sem escolhas mais
criteriosas para compor o Congresso e, sobretudo, sem um detido acompanhamento
da atividade parlamentar pelos eleitores, será muito difícil superar a crise de
representação política que tantos males tem causado ao País.
Novo penduricalho do Ministério Público
O Estado de S. Paulo
Além de imoral, a autoconcedida ‘gratificação por acúmulo de processos’ é um convite à ineficiência
Em maio, o Conselho Nacional do Ministério
Público (CNMP) aprovou um novo penduricalho – a “gratificação por acúmulo de
processos” – que aumenta o salário dos procuradores da República em até 33%, ou
cerca de R$ 11 mil. O ato que instituiu o mimo, extensivo aos promotores e
procuradores dos Ministérios Públicos estaduais, foi assinado pelo
procurador-geral da República, Augusto Aras, e começou a valer agora.
A prebenda autoconcedida é péssima por três
razões. Em primeiro lugar, por sua imoralidade. A insensibilidade dos membros
do CNMP seria impressionante, não fosse tão corriqueira. Os doutos membros do
colegiado ignoram olimpicamente a realidade de um país onde milhões de seus
concidadãos passam fome. O aumento da remuneração de uma casta de servidores bastante
privilegiada, pois já recebem os maiores salários pagos pelo Estado, chega a
ser uma ofensa diante de um cenário tão desolador para tantos brasileiros.
A decisão do CNMP de fechar os olhos para a
realidade e cuidar apenas dos seus também é acintosa porque a mesma instituição
a quem a Constituição incumbe de defender a ordem jurídica (art. 127, caput)
cria burla ao próprio texto da Lei Maior. É disso que se trata. A fim de
driblar formalmente o teto da remuneração dos servidores, que é o salário dos ministros
do Supremo (R$ 39.293,22), o novo penduricalho é tratado como “gratificação”,
não sujeita, portanto, à regra do abate-teto.
Por fim, a concessão da “gratificação” é
muito ruim à luz do interesse público, pois é um convite à ineficiência. Os
membros do Ministério Público serão agraciados por “acúmulo de processos”. Cada
esfera da instituição definirá qual é o número mágico que desencadeará o
pagamento do penduricalho. No Paraná, por exemplo, foi definido que um promotor
que tenha sob sua responsabilidade mais de 200 processos tem direito ao aumento
de 11% no salário. O Ministério Público paranaense já se movimenta para adequar
a gratificação ao novo patamar definido pelo CNMP. Ora, que estímulo terão
promotores e procuradores para dar andamento célere aos processos em que atuam
se o acúmulo de ações lhes é benéfico do ponto de vista financeiro? Entre o
próprio bolso e o interesse geral da sociedade, para onde há de pender a
volição do servidor?
Como bem pontuou o professor Sérgio Praça,
da Fundação Getulio Vargas (FGV), é uma disfuncionalidade do arranjo
institucional do País que o Poder Judiciário e o Ministério Público possam ter
à disposição mecanismos para determinar a própria remuneração, praticamente sem
controle de outras esferas. “Eles abusam dessa autonomia”, disse o pesquisador.
A solução está no Congresso. Um projeto de lei que busca disciplinar a criação de benesses para servidores públicos foi aprovado na Câmara em julho de 2021. Hoje, repousa nos escaninhos da Comissão de Constituição e Justiça do Senado à espera da boa vontade do senador Davi Alcolumbre (União-AP), que está bem mais ocupado em transformar as embaixadas do Brasil no exterior em sinecuras para seus colegas.
Nova realidade
Folha de S. Paulo
Após decisão da Justiça, ANS acerta ao
atualizar procedimentos cobertos por planos de saúde
Transcorrido pouco mais de um mês do
julgamento em que o Superior Tribunal de Justiça definiu as obrigações
dos planos de saúde com relação a seus clientes, a Agência Nacional
de Saúde Suplementar, reguladora do setor, vai, acertadamente, buscando tornar
a prestação desse serviço compatível à nova realidade.
Naquela oportunidade, como se sabe, a corte
fixou o entendimento de que cumpre às operadoras custear somente os
procedimentos e as terapias constantes da lista da ANS, com a exceção dos casos
em que não exista um substituto terapêutico nesse rol.
Dessa forma, tornou-se mais difícil
conseguir na Justiça que as seguradoras venham a arcar com tratamentos ausentes
dessa listagem, o que levou a uma compreensível revolta de familiares e
pacientes cujos tratamentos eram amparados por sentenças favoráveis.
Se não resta dúvida de que o rol de
procedimentos deve ser taxativo, como determinou o STJ, o clamor social
desencadeado pela decisão indicou a necessidade de reexame da lista por parte
da ANS, com o fito de incluir nele novos tratamentos e técnicas com comprovação
científica —algo a que a agência reguladora parece vir se empenhando desde
então.
A primeira modificação da lista ocorreu em
fins de junho, quando a ANS tornou mandatória a cobertura de qualquer técnica
ou método indicado por médicos para o tratamento de transtornos globais
do desenvolvimento, categoria que inclui, por exemplo, o
transtorno do espectro autista.
Tais pacientes passaram a dispor de sessões
ilimitadas com fonoaudiólogo, psicólogo, terapeuta ocupacional e
fisioterapeuta.
Na semana passada, a agência deu novo
passo, ao estender essa possibilidade a clientes dos planos com qualquer doença
ou condição arrolada pela Organização Mundial da Saúde. A regra, que começa a
valer em 1º de agosto, aboliu as limitações de consultas existentes para essas
quatro categorias profissionais.
O atendimento passará a considerar a
prescrição do médico. No novo cenário criado pela decisão do STJ, afigura-se
fundamental que a agência reguladora mantenha uma atualização constante de sua
lista, a fim de garantir que os pacientes tenham acesso aos melhores
tratamentos disponíveis.
Nessa tarefa, a comissão que decide o que
será incorporado ao rol deve pautar-se sempre pelo equilíbrio e critério
técnico, evitando, de todas as maneiras, sucumbir aos
interesses das operadoras.
Agindo dessa maneira, a ANS conseguirá não
apenas assegurar o direito dos usuários, mas também prover os planos de saúde
de maior previsibilidade econômica e refrear a judicialização do setor.
Jovens em risco
Folha de S. Paulo
Pesquisa do IBGE revela cenário preocupante
sobre o comportamento dos estudantes brasileiros
É no mínimo inquietante o cenário delineado
pela nova Pesquisa
Nacional de Saúde do Escolar (Pense), conduzida pelo IBGE e
divulgada na semana passada.
Abrangendo um universo de 159.245
estudantes do 9º ano das redes pública e privada de todas as capitais
brasileiras, o levantamento mostra que os jovens de 13 a 17 anos vêm, ao longo
da última década, se expondo mais a riscos, com aumento do consumo de álcool e
drogas, além de redução acentuada no uso de preservativos durante as relações
sexuais.
De 2009 a 2019, mostra a pesquisa, caiu de
72,5% para 59% a porcentagem de adolescentes que haviam utilizado camisinha na
última relação. Nesse período, a queda foi maior entre as meninas (de 69,1%
para 53,5%) do que entre os meninos (redução de 74,1% para 62,8%).
Embora seja difícil precisar as razões do
fenômeno, suas consequências são bem conhecidas: aumento da probabilidade de
contrair doenças sexualmente transmissíveis e de engravidar
precocemente, esta uma das principais causas de evasão escolar no
país.
A mesma tendência preocupante sobressai dos
dados sobre consumo de álcool. De 2012 a 2019, o percentual de estudantes do 9º
ano que já haviam experimentado bebidas alcoólicas saltou de 52,9% para 63,2%.
Mais alarmante ainda, pelas possíveis
repercussões negativas na vida adulta, é o crescimento dos que fazem uso
abusivo da substância. Entre eles, o percentual subiu de 19% em 2009 para 26,2%
em 2019; entre elas, pulou de 20,6% para 25,5% no período.
Nesses dez anos também aumentou a exposição
ao uso de drogas ilícitas, que passou de 8,2% para 12,1% entre esses
estudantes, bem como a exposição precoce, isto é, antes de 14 anos, cujo
crescimento foi de 3,4% para 5,8%.
A pesquisa do IBGE buscou medir ainda o impacto
da falta de segurança na frequência escolar. Dobrou, ao longo da década, o
percentual de estudantes que deixaram ao menos uma vez de ir às aulas por não
se sentirem seguros no trajeto ou na escola (de 8,6% para 17,3%). Além disso,
27,5% dos alunos relataram ter sofrido alguma agressão física por parte do pai,
da mãe ou do responsável.
A maior exposição à violência somada ao
aumento de comportamentos de risco indicam uma vulnerabilidade
crescente entre os jovens brasileiros —algo que dificilmente
deixará de cobrar um preço alto no futuro deles e do país.
Relatório sobre demografia é alerta para
Brasil
O Globo
País outrora jovem entra na meia idade e
tem de se preocupar mais com reformas e ganho de produtividade
Todo governante preocupado com o futuro
precisa prestar atenção ao mais recente relatório das Nações Unidas a respeito
da população global. Trata-se de um alerta sobre tendências demográficas que
exigem decisões antecipadas em vários campos, como educação, saúde pública,
arquitetura, urbanismo ou previdência.
A pandemia provocou queda na expectativa de
vida entre 2019 e 2021, algo que não acontecia havia mais de meio século. No
mundo, a esperança de vida ao nascer caiu 1,8 ano, de 72,8 para 71 anos. No
Brasil, onde o impacto do coronavírus foi mais brutal, diminuiu 2,5, de 75,3
para 72,8 anos. Trata-se, é verdade, de um movimento passageiro, assim como
aconteceu na pandemia da Gripe Espanhola. A ONU estima que a perda estará
recuperada até 2025, em razão da vacinação e da queda de letalidade da
Covid-19.
A questão mais preocupante por aqui é
outra. Pelo relatório da ONU, o Brasil, hoje com pouco mais de 210 milhões de
habitantes, chegará ao auge demográfico em 2046, quando terá 231,1 milhões. A
partir daí, a população começará a diminuir, como já vem acontecendo em vários
países europeus. A ONU estima que, na virada do século, terá caído a 184,5
milhões, e o país estará fora da lista dos dez mais populosos. Ficará em 11°,
atrás de Congo, Etiópia, Indonésia, Tanzânia e Egito.
A tendência já se faz sentir. Em breve, o
Brasil perderá a sexta posição para a Nigéria, cujo crescimento demográfico é
avassalador. Há 50 anos, os nigerianos eram 60% dos brasileiros. Em 2100, o
país africano terá a terceira maior população do planeta, superado apenas por
China e Índia (esta ultrapassará a China já em 2023).
O movimento brasileiro resulta da queda na
taxa de fecundidade. Nos anos 1950, cada mulher tinha em média cinco filhos. A
taxa caiu para os atuais 2,3 e projeta-se 1,8 em 2100 (patamar que reduz a
população). Contribuíram para isso a urbanização veloz, mudanças de costumes e
o novo papel da mulher na sociedade. País outrora considerado “jovem”, o Brasil
começa a entrar na “meia idade”. A expectativa de vida, hoje em 72,8 anos,
subirá a 81,3 em 2050 — em 1950, era de 48.
Está perto do fim o bônus demográfico
gerado quando a parcela em idade de trabalho, de 15 a 64 anos, cresce mais que
a população. É uma situação que permite obter crescimento econômico com menor
necessidade de capital. Mas, para aproveitá-la, é preciso qualificar a mão de
obra por meio da educação, de modo a aumentar sua produtividade. Não há país
desenvolvido que não tenha aproveitado seu bônus demográfico para se tornar
rico.
No Brasil, ele começou a ser acumulado em
1970. Chegou ao ápice em 2020. Desde então, a parcela em idade ativa cresce
menos que a população. Infelizmente, perdemos a maior oportunidade oferecida
pela demografia, sobretudo em razão da dificuldade das lideranças em
enxergá-la. Mas isso não significa que estejamos condenados ao fracasso
econômico. Mais que nunca, serão necessárias reformas e políticas que aumentem
a produtividade.
A própria demografia forçará em breve uma
outra reforma da Previdência, porque haverá novamente um grande contingente de
aposentados a pressionar o caixa do INSS. E, apesar de a maior parte do bônus
demográfico estar perdida, é essencial não deixar escapar o que resta. O ciclo
de crescimento da população ativa se esgotará por volta de 2040. Há muito a
fazer até lá.
Descaso do funcionalismo revela urgência de
reforma administrativa
O Globo
Categorias como peritos do INSS e auditores
da Receita dão exemplos da negligência no serviço público
O poder das corporações do funcionalismo
tem sido demonstrado nas atitudes de várias categorias. A começar pela
displicência dos médicos peritos da Previdência. Eles continuam a descumprir o
acordo feito entre o INSS e a Procuradoria-Geral da República, referendado pelo
Supremo Tribunal Federal em dezembro de 2020, para definir prazos máximos para
atender os segurados.
Ficou acertado que, até junho de 2021,
seriam estabelecidos fluxos operacionais para cumprir os prazos do acordo. Para
a primeira consulta, em que são reconhecidos os direitos do segurado, fixou-se
o período de 45 dias, até o limite de 90 dias para locais que exijam
deslocamento de servidores de outras unidades do INSS. O tempo passou, e os
problemas continuam. Segurados que procuram agendar consulta de perícia médica
por telefone têm sido informados de que só há vaga para o ano que vem. Como
atenuante, o INSS anuncia que começará a pagar benefícios previdenciários e
assistenciais com a simples entrega de documentos, como durante a pandemia. Apesar
disso, há evidências de que pouco se evoluiu para reduzir a fila de espera que,
em maio, estava em 1 milhão, resultado da greve de 52 dias dos médicos e da
suspensão dos serviços na pandemia.
Enquanto isso, auditores da Receita Federal
reclamam um bônus de produtividade pelo cumprimento de metas aprovado em 2017.
Ameaçam com greve quando, pela legislação eleitoral, não é mais possível dar
aumentos ao funcionalismo neste ano, ainda que por meio de pagamento de bônus.
Os dois casos ilustram o mundo singular do
serviço público. Há estabilidade no emprego para todos e uma série de benesses
de que ninguém jamais ouviu falar em empresas privadas, mas não há o principal:
mérito nas promoções e aumentos salariais, de modo a garantir a qualidade do
serviço prestado. Quem paga a conta é a população. Não só nos impostos, mas no
atendimento precário.
Falta pôr em marcha a reforma
administrativa que Bolsonaro prometeu, mas boicotou. O texto aguado enviado ao
Congresso — que poupa os funcionários na ativa das mudanças — parou, em meio a
pressões das várias categorias, em especial da elite do funcionalismo (leia-se
juízes, procuradores e militares.). Outra carência é a regulamentação
específica da greve no setor público. O Supremo tentou preencher esse vácuo
legal em 2007, estabelecendo que os movimentos sindicais dos servidores
passariam a seguir a Lei da Greve de 1989. Nela estão relacionadas atividades
consideradas essenciais, em que não pode haver paralisação total, como
telecomunicações, transporte coletivo, assistência médica e hospitalar.
Em 2019, foi incluída no grupo a atividade
de médico perito da Previdência. A medida não surtiu efeito, como se vê.
Continuam as reclamações de quem precisa do serviço. Em breve, faltarão
medicamentos se os auditores da Receita criarem obstáculos burocráticos à
importação de insumos farmacêuticos. O poder das corporações do funcionalismo
exige urgência na legislação em defesa da sociedade.
Atropelos na Câmara prejudicam imagem do
país
Valor Econômico
Previsibilidade é condição essencial para
que o setor produtivo e o mercado financeiro olhem o Brasil como um lugar
seguro para seus investimentos
A semana que passou fica marcada como um
momento de destaque do processo de depreciação do ambiente institucional
brasileiro.
Diante de uma oposição pouco combativa
tanto no Senado Federal quanto na Câmara dos Deputados, o governo concluiu a
votação da proposta de emenda constitucional que passará para a história com os
nada honrosos apelidos de “PEC das Bondades”, “PEC Kamikaze” e “PEC Eleitoral”.
E não foi à toa que a proposição recebeu tais alcunhas: ela reconheceu um
estado de emergência provocado pela elevação “extraordinária e imprevisível”
dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais
por ela causada, estabelecendo, com isso, o que a Instituição Fiscal
Independente (IFI) chamou de um “amplo regime fiscal de exceção”. Isso porque a
PEC não sujeitou os novos gastos às principais regras fiscais vigentes, como a
regra de ouro, o teto de gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O drible foi considerável. A PEC das
Bondades elevou o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 até dezembro.
Não se questiona, aqui, a necessidade das famílias mais pobres. Basta circular
pelas ruas de qualquer município para constatar que, infelizmente, a fome é uma
realidade de Norte a Sul. O que se pergunta é por que não foi feito antes e,
mais do que isso, o motivo de só sair do papel a poucos meses da eleição.
Mas, além do aumento do principal programa
social do país, ela autorizou o governo a criar um benefício para caminhoneiros
autônomos de R$ 1 mil por mês e outro para taxistas, com custo de até R$ 2
bilhões e valor individual indefinido. O vale-gás será dobrado e serão
repassados R$ 2,5 bilhões para custeio da gratuidade do transporte público para
idosos nos ônibus e mais R$ 500 milhões para agricultura familiar. Tudo a um
custo de R$ 41,25 bilhões para os cofres públicos, montante que ficará fora do
teto de gastos e terá, também, um efeito danoso em relação à legislação
eleitoral: optou-se por incluir estes benefícios numa proposta de emenda à
Constituição justamente para evitar que uma eventual contestação ao desrespeito
à Lei das Eleições possa prosperar no Judiciário.
Mas, não bastasse isso, a Câmara dos
Deputados promoveu uma verdadeira aula de como se atropelar as regras do jogo
para alcançar os objetivos políticos de um determinado grupo. No caso, aquele
formado pelo presidente Jair Bolsonaro e seus aliados.
Para começar, a PEC, de autoria do Senado,
quando chegou à Câmara foi anexada a outra proposta já em tramitação, o que
abriu um atalho regimental para acelerar sua votação. Na sequência, depois de
ser feito um pedido de vista na comissão especial que analisava a matéria,
realizou-se uma sessão de um minuto no plenário para encurtar o prazo que o
colegiado teria para analisar o texto.
Mas o ponto alto se deu no capítulo
seguinte. Enquanto a base governista demonstrava ampla dificuldade em
arregimentar os votos necessários, a cúpula da Casa evidenciava a mesma
disposição para assegurar que a aprovação da PEC fosse concluída o mais rápido
possível. Em outras palavras, garantir o pagamento dos novos benefícios já em
agosto.
Para tanto, mudou-se as regras para
permitir que os parlamentares registrassem presença remotamente. O sistema
eletrônico de votação, contudo, apresentou falhas e o presidente da Casa,
Arthur Lira (PP-AL), suspendeu a sessão.
Em um movimento para evitar contestações da
oposição, mas ao mesmo tempo permitir a participação de aliados na continuação
da votação, Lira decidiu no dia seguinte encerrar a sessão, que estava aberta
desde a véspera, e reabrir uma nova, com presença virtual, para votar os
destaques pendentes. Muitos parlamentares já se encontravam em seus redutos
eleitorais, em plena campanha.
Ainda assim, a cúpula da Câmara e aliados
do presidente da República levantaram a suspeita de que o sistema eletrônico
pode ter sido alvo de uma suposta tentativa de sabotagem, e a Polícia Federal
foi chamada para investigar o caso. Porém, independentemente do resultado da
apuração da PF, já é possível dizer que a imagem do país sai maculada deste
episódio.
Mais uma vez o Executivo e seus aliados
unem forças para desrespeitar as regras fiscais. Ademais, o caso evidencia que
o regimento da Câmara pode passar por modificações casuísticas, se assim
interessar à maioria.
Previsibilidade é uma condição essencial para que o setor produtivo e o mercado financeiro olhem o Brasil como um lugar seguro para seus investimentos. A última semana demonstrou que o país precisa ser mais cauteloso com a mensagem que passa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário