segunda-feira, 18 de julho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

O fiador do caos

O Estado de S. Paulo

Sem espírito público, Arthur Lira não está à altura do comando da Câmara neste grave momento do País. Atropelando normas e ritos, aliou-se ao atraso bolsonarista para dele extrair poder

A democracia tal como a conhecemos se esvai quando os indivíduos à frente das instituições republicanas não se mostram dispostos a defender seus valores e pressupostos com espírito público, coragem e obstinação.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não se mostrou à altura do comando de uma das Casas Legislativas neste terrível momento da história do País. Ao contrário: aliou-se e deu sobrevida ao atraso bolsonarista, para dele extrair poder. Falta-lhe espírito público.

Ao atropelar normas e ritos com o objetivo de impor a pauta legislativa de seu interesse, Lira desmoraliza algumas das mais importantes conquistas da sociedade nas últimas décadas, conquistas estas materializadas em um arcabouço jurídico-normativo que, até agora, fazia do Brasil um país minimamente civilizado no que concerne ao trato do Orçamento público, à livre atuação das oposições no Parlamento, ao respeito às decisões da Justiça e ao regramento das eleições.

A fim de acomodar interesses financeiros e eleitorais muitíssimo particulares, Arthur Lira tem usado seu enorme poder para respaldar o desmanche de todo aquele ordenamento – e diante dos olhos de cidadãos a um só tempo incrédulos, indignados e desalentados. Sob sua gestão à frente da Casa, o que tem sido visto é a completa subversão do papel da Câmara dos Deputados como representante dos interesses da sociedade, e não dos parlamentares.

De sua cadeira na Mesa Diretora, Arthur Lira não só tem sido tépido em relação aos desabridos ataques perpetrados pelo presidente Jair Bolsonaro contra o Estado Democrático de Direito, como ele mesmo tem usado e abusado de suas prerrogativas no cargo para fazer letra morta do Regimento Interno da Casa – que passou a ser o que lhe der na veneta, não o que está escrito –, da Lei de Responsabilidade Fiscal, da Lei Eleitoral e, o que é ainda mais grave, para chancelar mudanças importantíssimas na Constituição de afogadilho, sem o devido debate democrático. A gestão Arthur Lira é uma sucessão de absurdos.

Cerca de duas semanas após o deputado alagoano ter sido eleito e empossado como presidente da Câmara dos Deputados, defendemos nesta página que, em sua nova e nobre condição, Arthur Lira haveria de ter “uma visão republicana sobre o papel institucional da Casa, locus de representação permanente da sociedade, independente, por óbvio, das fugazes associações ao governo de turno” (ver editorial O livre exercício da oposição, publicado em 20/2/2021). O tempo, contudo, mostrou a que veio Arthur Lira.

É de justiça reconhecer que Lira não teria tido sucesso em suas manobras se não tivesse amplo apoio. Seus pares, em muitas ocasiões, a ele se associaram em suas investidas contra a Constituição, a Lei Eleitoral e as regras de ancoragem fiscal do País, inclusive – e sobretudo – parlamentares de oposição ao governo. No mínimo, omitiram-se diante do descalabro. Mas o fato é que Arthur Lira é a personificação da crise de representação política que tanto mal tem feito ao Brasil. O presidente da Câmara simboliza o desarranjo institucional que assola o País, em uma simbiose com o presidente Jair Bolsonaro que tem se mostrado tão danosa ao interesse público.

Ainda faltam longos sete meses para o término de seu mandato, mas já é possível afirmar que o deputado Arthur Lira entrará para a história do Congresso como um dos principais fiadores do caos instalado no País pelo desgoverno de Jair Bolsonaro. Afinal, é dele, Lira, a prerrogativa exclusiva de autorizar a abertura de processos de impeachment contra o presidente da República, além de, no âmbito da Casa que comanda, acionar o sistema de freios e contrapesos em defesa da democracia. Numa e noutra missão, Lira tem falhado miseravelmente.

Quando a sociedade, enfim, acordar desse terrível pesadelo que já dura quase quatro anos, haverá de lembrar que Bolsonaro só foi tão longe em seus desideratos liberticidas porque pôde contar com a atuação reptiliana de autoridades que se portaram muito aquém da responsabilidade exigida de suas altas posições na República.

Exercício da cidadania vai além do voto

O Estado de S. Paulo

A qualidade da democracia representativa está vinculada ao nível de educação cívica dos eleitores. O quadro de representação política no Congresso é reflexo dessa relação

A esmagadora maioria dos eleitores (86%) considera bom que haja uma “alta renovação” no Congresso a partir da próxima legislatura, que se inicia em fevereiro de 2023. É o que revela uma pesquisa realizada pela Quaest, a pedido do instituto RenovaBR, publicada pelo Estadão.

À primeira vista, renovar os quadros de representação política no Poder Legislativo federal pode parecer algo intrinsecamente positivo, pois subjaz nesse desejo uma ideia de arejamento, de coadunação dos parlamentares, a cada ciclo eleitoral, com novas pautas e prioridades para uma sociedade em permanente transformação. No entanto, é preciso questionar se a mera renovação congressual, de fato, atende a esse anseio – a resposta é não – e, principalmente, refletir sobre a parcela de responsabilidade que recai sobre os próprios eleitores pela abissal distância que os separa de seus representantes eleitos.

A pesquisa revela uma profunda insatisfação dos eleitores com o trabalho executado pelos parlamentares eleitos em 2018. Fosse bem avaliada a atual legislatura, obviamente, o porcentual dos que clamam por renovação não seria tão alto como o apurado pela Quaest. Cabe lembrar que aquele pleito representara a maior renovação do Congresso desde a redemocratização do País. Dos 513 assentos na Câmara dos Deputados, 244 (47%) passaram a ser ocupados por novatos. No Senado, a renovação foi ainda mais expressiva. Das 54 vagas para a Casa que estavam em disputa na eleição geral passada, 46 foram conquistadas por novos senadores – uma impressionante taxa de renovação de 85%. São números que demonstram de maneira cabal que a renovação política pode não ser algo necessariamente bom – afinal, o que é bom há de ser conservado, e não substituído.

Aqui cabe a reflexão sobre a participação dos eleitores na conformação do quadro de representação política no Congresso e a relação direta entre educação cívica e qualidade da democracia representativa. Quando perguntados se acaso lembravam em quem votaram para deputado federal em 2018, nada menos do que 66% dos entrevistados pela Quaest disseram que não. O mesmo porcentual de respondentes indicou que desaprova o trabalho dos deputados. O curioso é que mais da metade dos respondentes (55%) afirmou não saber o que faz um deputado. Ora, como é possível avaliar – positiva ou negativamente – o trabalho de um parlamentar se a própria natureza do ofício é um mistério?

O fortalecimento da democracia no País depende fundamentalmente da educação cívica dos eleitores, não só para votar com consciência e responsabilidade, mas para acompanhar bem o trabalho daqueles que exercem o múnus público. Essa confusão gerada pela falta de informação política da maioria dos eleitores é habilmente explorada por parlamentares, que, a rigor, deveriam representar os interesses de seus constituintes, não interesses de classe. Disso decorrem aberrações como o “orçamento secreto”, emendas constitucionais que zombam da própria Constituição e arremedos de reforma política que, em muitos casos, só beneficiam detentores de mandato, entre outras anomalias.

O presidencialismo e a cultural propensão do eleitor brasileiro a escolher, apaixonadamente, entre nomes, não ideias e projetos, para cargos majoritários tiram a devida atenção das escolhas para a composição do Congresso. É algo que precisa mudar. E só a educação da população – a educação política em especial – será capaz de romper esse círculo vicioso: os eleitores escolhem seus representantes sem dar a devida atenção ao que pretendem fazer com o mandato; os parlamentares negligenciam temas caros à sociedade e se voltam para seus interesses no Congresso; a sociedade não se vê representada e clama por renovação.

Busca-se sempre por uma legislatura melhor do que a anterior, o que, de maneira alguma, é negativo. Mas, sem escolhas mais criteriosas para compor o Congresso e, sobretudo, sem um detido acompanhamento da atividade parlamentar pelos eleitores, será muito difícil superar a crise de representação política que tantos males tem causado ao País. 

Novo penduricalho do Ministério Público

O Estado de S. Paulo

Além de imoral, a autoconcedida ‘gratificação por acúmulo de processos’ é um convite à ineficiência

Em maio, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aprovou um novo penduricalho – a “gratificação por acúmulo de processos” – que aumenta o salário dos procuradores da República em até 33%, ou cerca de R$ 11 mil. O ato que instituiu o mimo, extensivo aos promotores e procuradores dos Ministérios Públicos estaduais, foi assinado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, e começou a valer agora.

A prebenda autoconcedida é péssima por três razões. Em primeiro lugar, por sua imoralidade. A insensibilidade dos membros do CNMP seria impressionante, não fosse tão corriqueira. Os doutos membros do colegiado ignoram olimpicamente a realidade de um país onde milhões de seus concidadãos passam fome. O aumento da remuneração de uma casta de servidores bastante privilegiada, pois já recebem os maiores salários pagos pelo Estado, chega a ser uma ofensa diante de um cenário tão desolador para tantos brasileiros.

A decisão do CNMP de fechar os olhos para a realidade e cuidar apenas dos seus também é acintosa porque a mesma instituição a quem a Constituição incumbe de defender a ordem jurídica (art. 127, caput) cria burla ao próprio texto da Lei Maior. É disso que se trata. A fim de driblar formalmente o teto da remuneração dos servidores, que é o salário dos ministros do Supremo (R$ 39.293,22), o novo penduricalho é tratado como “gratificação”, não sujeita, portanto, à regra do abate-teto.

Por fim, a concessão da “gratificação” é muito ruim à luz do interesse público, pois é um convite à ineficiência. Os membros do Ministério Público serão agraciados por “acúmulo de processos”. Cada esfera da instituição definirá qual é o número mágico que desencadeará o pagamento do penduricalho. No Paraná, por exemplo, foi definido que um promotor que tenha sob sua responsabilidade mais de 200 processos tem direito ao aumento de 11% no salário. O Ministério Público paranaense já se movimenta para adequar a gratificação ao novo patamar definido pelo CNMP. Ora, que estímulo terão promotores e procuradores para dar andamento célere aos processos em que atuam se o acúmulo de ações lhes é benéfico do ponto de vista financeiro? Entre o próprio bolso e o interesse geral da sociedade, para onde há de pender a volição do servidor?

Como bem pontuou o professor Sérgio Praça, da Fundação Getulio Vargas (FGV), é uma disfuncionalidade do arranjo institucional do País que o Poder Judiciário e o Ministério Público possam ter à disposição mecanismos para determinar a própria remuneração, praticamente sem controle de outras esferas. “Eles abusam dessa autonomia”, disse o pesquisador.

A solução está no Congresso. Um projeto de lei que busca disciplinar a criação de benesses para servidores públicos foi aprovado na Câmara em julho de 2021. Hoje, repousa nos escaninhos da Comissão de Constituição e Justiça do Senado à espera da boa vontade do senador Davi Alcolumbre (União-AP), que está bem mais ocupado em transformar as embaixadas do Brasil no exterior em sinecuras para seus colegas.

Nova realidade

Folha de S. Paulo

Após decisão da Justiça, ANS acerta ao atualizar procedimentos cobertos por planos de saúde

Transcorrido pouco mais de um mês do julgamento em que o Superior Tribunal de Justiça definiu as obrigações dos planos de saúde com relação a seus clientes, a Agência Nacional de Saúde Suplementar, reguladora do setor, vai, acertadamente, buscando tornar a prestação desse serviço compatível à nova realidade.

Naquela oportunidade, como se sabe, a corte fixou o entendimento de que cumpre às operadoras custear somente os procedimentos e as terapias constantes da lista da ANS, com a exceção dos casos em que não exista um substituto terapêutico nesse rol.

Dessa forma, tornou-se mais difícil conseguir na Justiça que as seguradoras venham a arcar com tratamentos ausentes dessa listagem, o que levou a uma compreensível revolta de familiares e pacientes cujos tratamentos eram amparados por sentenças favoráveis.

Se não resta dúvida de que o rol de procedimentos deve ser taxativo, como determinou o STJ, o clamor social desencadeado pela decisão indicou a necessidade de reexame da lista por parte da ANS, com o fito de incluir nele novos tratamentos e técnicas com comprovação científica —algo a que a agência reguladora parece vir se empenhando desde então.

A primeira modificação da lista ocorreu em fins de junho, quando a ANS tornou mandatória a cobertura de qualquer técnica ou método indicado por médicos para o tratamento de transtornos globais do desenvolvimento, categoria que inclui, por exemplo, o transtorno do espectro autista.

Tais pacientes passaram a dispor de sessões ilimitadas com fonoaudiólogo, psicólogo, terapeuta ocupacional e fisioterapeuta.

Na semana passada, a agência deu novo passo, ao estender essa possibilidade a clientes dos planos com qualquer doença ou condição arrolada pela Organização Mundial da Saúde. A regra, que começa a valer em 1º de agosto, aboliu as limitações de consultas existentes para essas quatro categorias profissionais.

O atendimento passará a considerar a prescrição do médico. No novo cenário criado pela decisão do STJ, afigura-se fundamental que a agência reguladora mantenha uma atualização constante de sua lista, a fim de garantir que os pacientes tenham acesso aos melhores tratamentos disponíveis.

Nessa tarefa, a comissão que decide o que será incorporado ao rol deve pautar-se sempre pelo equilíbrio e critério técnico, evitando, de todas as maneiras, sucumbir aos interesses das operadoras.

Agindo dessa maneira, a ANS conseguirá não apenas assegurar o direito dos usuários, mas também prover os planos de saúde de maior previsibilidade econômica e refrear a judicialização do setor.

Jovens em risco

Folha de S. Paulo

Pesquisa do IBGE revela cenário preocupante sobre o comportamento dos estudantes brasileiros

É no mínimo inquietante o cenário delineado pela nova Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), conduzida pelo IBGE e divulgada na semana passada.

Abrangendo um universo de 159.245 estudantes do 9º ano das redes pública e privada de todas as capitais brasileiras, o levantamento mostra que os jovens de 13 a 17 anos vêm, ao longo da última década, se expondo mais a riscos, com aumento do consumo de álcool e drogas, além de redução acentuada no uso de preservativos durante as relações sexuais.

De 2009 a 2019, mostra a pesquisa, caiu de 72,5% para 59% a porcentagem de adolescentes que haviam utilizado camisinha na última relação. Nesse período, a queda foi maior entre as meninas (de 69,1% para 53,5%) do que entre os meninos (redução de 74,1% para 62,8%).

Embora seja difícil precisar as razões do fenômeno, suas consequências são bem conhecidas: aumento da probabilidade de contrair doenças sexualmente transmissíveis e de engravidar precocemente, esta uma das principais causas de evasão escolar no país.

A mesma tendência preocupante sobressai dos dados sobre consumo de álcool. De 2012 a 2019, o percentual de estudantes do 9º ano que já haviam experimentado bebidas alcoólicas saltou de 52,9% para 63,2%.

Mais alarmante ainda, pelas possíveis repercussões negativas na vida adulta, é o crescimento dos que fazem uso abusivo da substância. Entre eles, o percentual subiu de 19% em 2009 para 26,2% em 2019; entre elas, pulou de 20,6% para 25,5% no período.

Nesses dez anos também aumentou a exposição ao uso de drogas ilícitas, que passou de 8,2% para 12,1% entre esses estudantes, bem como a exposição precoce, isto é, antes de 14 anos, cujo crescimento foi de 3,4% para 5,8%.

A pesquisa do IBGE buscou medir ainda o impacto da falta de segurança na frequência escolar. Dobrou, ao longo da década, o percentual de estudantes que deixaram ao menos uma vez de ir às aulas por não se sentirem seguros no trajeto ou na escola (de 8,6% para 17,3%). Além disso, 27,5% dos alunos relataram ter sofrido alguma agressão física por parte do pai, da mãe ou do responsável.

A maior exposição à violência somada ao aumento de comportamentos de risco indicam uma vulnerabilidade crescente entre os jovens brasileiros —algo que dificilmente deixará de cobrar um preço alto no futuro deles e do país.

Relatório sobre demografia é alerta para Brasil

O Globo

País outrora jovem entra na meia idade e tem de se preocupar mais com reformas e ganho de produtividade

Todo governante preocupado com o futuro precisa prestar atenção ao mais recente relatório das Nações Unidas a respeito da população global. Trata-se de um alerta sobre tendências demográficas que exigem decisões antecipadas em vários campos, como educação, saúde pública, arquitetura, urbanismo ou previdência.

A pandemia provocou queda na expectativa de vida entre 2019 e 2021, algo que não acontecia havia mais de meio século. No mundo, a esperança de vida ao nascer caiu 1,8 ano, de 72,8 para 71 anos. No Brasil, onde o impacto do coronavírus foi mais brutal, diminuiu 2,5, de 75,3 para 72,8 anos. Trata-se, é verdade, de um movimento passageiro, assim como aconteceu na pandemia da Gripe Espanhola. A ONU estima que a perda estará recuperada até 2025, em razão da vacinação e da queda de letalidade da Covid-19.

A questão mais preocupante por aqui é outra. Pelo relatório da ONU, o Brasil, hoje com pouco mais de 210 milhões de habitantes, chegará ao auge demográfico em 2046, quando terá 231,1 milhões. A partir daí, a população começará a diminuir, como já vem acontecendo em vários países europeus. A ONU estima que, na virada do século, terá caído a 184,5 milhões, e o país estará fora da lista dos dez mais populosos. Ficará em 11°, atrás de Congo, Etiópia, Indonésia, Tanzânia e Egito.

A tendência já se faz sentir. Em breve, o Brasil perderá a sexta posição para a Nigéria, cujo crescimento demográfico é avassalador. Há 50 anos, os nigerianos eram 60% dos brasileiros. Em 2100, o país africano terá a terceira maior população do planeta, superado apenas por China e Índia (esta ultrapassará a China já em 2023).

O movimento brasileiro resulta da queda na taxa de fecundidade. Nos anos 1950, cada mulher tinha em média cinco filhos. A taxa caiu para os atuais 2,3 e projeta-se 1,8 em 2100 (patamar que reduz a população). Contribuíram para isso a urbanização veloz, mudanças de costumes e o novo papel da mulher na sociedade. País outrora considerado “jovem”, o Brasil começa a entrar na “meia idade”. A expectativa de vida, hoje em 72,8 anos, subirá a 81,3 em 2050 — em 1950, era de 48.

Está perto do fim o bônus demográfico gerado quando a parcela em idade de trabalho, de 15 a 64 anos, cresce mais que a população. É uma situação que permite obter crescimento econômico com menor necessidade de capital. Mas, para aproveitá-la, é preciso qualificar a mão de obra por meio da educação, de modo a aumentar sua produtividade. Não há país desenvolvido que não tenha aproveitado seu bônus demográfico para se tornar rico.

No Brasil, ele começou a ser acumulado em 1970. Chegou ao ápice em 2020. Desde então, a parcela em idade ativa cresce menos que a população. Infelizmente, perdemos a maior oportunidade oferecida pela demografia, sobretudo em razão da dificuldade das lideranças em enxergá-la. Mas isso não significa que estejamos condenados ao fracasso econômico. Mais que nunca, serão necessárias reformas e políticas que aumentem a produtividade.

A própria demografia forçará em breve uma outra reforma da Previdência, porque haverá novamente um grande contingente de aposentados a pressionar o caixa do INSS. E, apesar de a maior parte do bônus demográfico estar perdida, é essencial não deixar escapar o que resta. O ciclo de crescimento da população ativa se esgotará por volta de 2040. Há muito a fazer até lá.

Descaso do funcionalismo revela urgência de reforma administrativa

O Globo

Categorias como peritos do INSS e auditores da Receita dão exemplos da negligência no serviço público

O poder das corporações do funcionalismo tem sido demonstrado nas atitudes de várias categorias. A começar pela displicência dos médicos peritos da Previdência. Eles continuam a descumprir o acordo feito entre o INSS e a Procuradoria-Geral da República, referendado pelo Supremo Tribunal Federal em dezembro de 2020, para definir prazos máximos para atender os segurados.

Ficou acertado que, até junho de 2021, seriam estabelecidos fluxos operacionais para cumprir os prazos do acordo. Para a primeira consulta, em que são reconhecidos os direitos do segurado, fixou-se o período de 45 dias, até o limite de 90 dias para locais que exijam deslocamento de servidores de outras unidades do INSS. O tempo passou, e os problemas continuam. Segurados que procuram agendar consulta de perícia médica por telefone têm sido informados de que só há vaga para o ano que vem. Como atenuante, o INSS anuncia que começará a pagar benefícios previdenciários e assistenciais com a simples entrega de documentos, como durante a pandemia. Apesar disso, há evidências de que pouco se evoluiu para reduzir a fila de espera que, em maio, estava em 1 milhão, resultado da greve de 52 dias dos médicos e da suspensão dos serviços na pandemia.

Enquanto isso, auditores da Receita Federal reclamam um bônus de produtividade pelo cumprimento de metas aprovado em 2017. Ameaçam com greve quando, pela legislação eleitoral, não é mais possível dar aumentos ao funcionalismo neste ano, ainda que por meio de pagamento de bônus.

Os dois casos ilustram o mundo singular do serviço público. Há estabilidade no emprego para todos e uma série de benesses de que ninguém jamais ouviu falar em empresas privadas, mas não há o principal: mérito nas promoções e aumentos salariais, de modo a garantir a qualidade do serviço prestado. Quem paga a conta é a população. Não só nos impostos, mas no atendimento precário.

Falta pôr em marcha a reforma administrativa que Bolsonaro prometeu, mas boicotou. O texto aguado enviado ao Congresso — que poupa os funcionários na ativa das mudanças — parou, em meio a pressões das várias categorias, em especial da elite do funcionalismo (leia-se juízes, procuradores e militares.). Outra carência é a regulamentação específica da greve no setor público. O Supremo tentou preencher esse vácuo legal em 2007, estabelecendo que os movimentos sindicais dos servidores passariam a seguir a Lei da Greve de 1989. Nela estão relacionadas atividades consideradas essenciais, em que não pode haver paralisação total, como telecomunicações, transporte coletivo, assistência médica e hospitalar.

Em 2019, foi incluída no grupo a atividade de médico perito da Previdência. A medida não surtiu efeito, como se vê. Continuam as reclamações de quem precisa do serviço. Em breve, faltarão medicamentos se os auditores da Receita criarem obstáculos burocráticos à importação de insumos farmacêuticos. O poder das corporações do funcionalismo exige urgência na legislação em defesa da sociedade.

Atropelos na Câmara prejudicam imagem do país

Valor Econômico

Previsibilidade é condição essencial para que o setor produtivo e o mercado financeiro olhem o Brasil como um lugar seguro para seus investimentos

A semana que passou fica marcada como um momento de destaque do processo de depreciação do ambiente institucional brasileiro.

Diante de uma oposição pouco combativa tanto no Senado Federal quanto na Câmara dos Deputados, o governo concluiu a votação da proposta de emenda constitucional que passará para a história com os nada honrosos apelidos de “PEC das Bondades”, “PEC Kamikaze” e “PEC Eleitoral”. E não foi à toa que a proposição recebeu tais alcunhas: ela reconheceu um estado de emergência provocado pela elevação “extraordinária e imprevisível” dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais por ela causada, estabelecendo, com isso, o que a Instituição Fiscal Independente (IFI) chamou de um “amplo regime fiscal de exceção”. Isso porque a PEC não sujeitou os novos gastos às principais regras fiscais vigentes, como a regra de ouro, o teto de gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

O drible foi considerável. A PEC das Bondades elevou o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 até dezembro. Não se questiona, aqui, a necessidade das famílias mais pobres. Basta circular pelas ruas de qualquer município para constatar que, infelizmente, a fome é uma realidade de Norte a Sul. O que se pergunta é por que não foi feito antes e, mais do que isso, o motivo de só sair do papel a poucos meses da eleição.

Mas, além do aumento do principal programa social do país, ela autorizou o governo a criar um benefício para caminhoneiros autônomos de R$ 1 mil por mês e outro para taxistas, com custo de até R$ 2 bilhões e valor individual indefinido. O vale-gás será dobrado e serão repassados R$ 2,5 bilhões para custeio da gratuidade do transporte público para idosos nos ônibus e mais R$ 500 milhões para agricultura familiar. Tudo a um custo de R$ 41,25 bilhões para os cofres públicos, montante que ficará fora do teto de gastos e terá, também, um efeito danoso em relação à legislação eleitoral: optou-se por incluir estes benefícios numa proposta de emenda à Constituição justamente para evitar que uma eventual contestação ao desrespeito à Lei das Eleições possa prosperar no Judiciário.

Mas, não bastasse isso, a Câmara dos Deputados promoveu uma verdadeira aula de como se atropelar as regras do jogo para alcançar os objetivos políticos de um determinado grupo. No caso, aquele formado pelo presidente Jair Bolsonaro e seus aliados.

Para começar, a PEC, de autoria do Senado, quando chegou à Câmara foi anexada a outra proposta já em tramitação, o que abriu um atalho regimental para acelerar sua votação. Na sequência, depois de ser feito um pedido de vista na comissão especial que analisava a matéria, realizou-se uma sessão de um minuto no plenário para encurtar o prazo que o colegiado teria para analisar o texto.

Mas o ponto alto se deu no capítulo seguinte. Enquanto a base governista demonstrava ampla dificuldade em arregimentar os votos necessários, a cúpula da Casa evidenciava a mesma disposição para assegurar que a aprovação da PEC fosse concluída o mais rápido possível. Em outras palavras, garantir o pagamento dos novos benefícios já em agosto.

Para tanto, mudou-se as regras para permitir que os parlamentares registrassem presença remotamente. O sistema eletrônico de votação, contudo, apresentou falhas e o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), suspendeu a sessão.

Em um movimento para evitar contestações da oposição, mas ao mesmo tempo permitir a participação de aliados na continuação da votação, Lira decidiu no dia seguinte encerrar a sessão, que estava aberta desde a véspera, e reabrir uma nova, com presença virtual, para votar os destaques pendentes. Muitos parlamentares já se encontravam em seus redutos eleitorais, em plena campanha.

Ainda assim, a cúpula da Câmara e aliados do presidente da República levantaram a suspeita de que o sistema eletrônico pode ter sido alvo de uma suposta tentativa de sabotagem, e a Polícia Federal foi chamada para investigar o caso. Porém, independentemente do resultado da apuração da PF, já é possível dizer que a imagem do país sai maculada deste episódio.

Mais uma vez o Executivo e seus aliados unem forças para desrespeitar as regras fiscais. Ademais, o caso evidencia que o regimento da Câmara pode passar por modificações casuísticas, se assim interessar à maioria.

Previsibilidade é uma condição essencial para que o setor produtivo e o mercado financeiro olhem o Brasil como um lugar seguro para seus investimentos. A última semana demonstrou que o país precisa ser mais cauteloso com a mensagem que passa.

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