O Estado de S. Paulo
Ao
contrário do que muitos sustentaram, no Paraná não houve polarização. Não foi o
confronto de petistas e bolsonaristas em igualdade de condições.
O
assassinato de um aniversariante petista, ao lado de sua família, por um
bolsonarista é um passo perigoso no processo de enfraquecimento das
instituições democráticas. A política, entendida como um confronto à morte
entre amigos e inimigos, produz, aí, o seu fruto real, por mais aterrador que
seja. Bolsonaro orienta-se por ela, sempre à caça de inimigos reais e
imaginários: a esquerda, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as vacinas, o
teto de gastos, o Supremo Tribunal Federal, os cidadãos pacíficos, as urnas
eletrônicas e assim por diante, num acirramento crescente. A justificativa de
alguns de que se trata apenas de um excesso de linguagem ou verborragia não se
sustenta, pois é ela o guia de suas ações. Instituições democráticas tornam-se
o alvo, famílias são divididas, amigos se separam, milícias digitais atacam,
milícias reais vão às ruas de moto. Alguns fanáticos mais possuídos por esta
narrativa decidem passar à ação concreta: tomam em armas e matam.
É bem verdade que essa concepção da política já foi seguida por Lula e pelos petistas, ao agirem baseados na distinção do “nós contra eles”, criando um clima de confronto, tendo ganho proporções no campo brasileiro. As hordas do MST invadiam com armas brancas e de fogo propriedades rurais, esquartejando o gado, incendiando, infringindo medo aos trabalhadores, disseminando a mais completa insegurança.
Ademais,
Lula se comprazia na companhia de ditadores americanos e africanos,
justificando a repressão e prisões, como nos casos mais gritantes da Venezuela
e de Cuba. Também eles seguiam e seguem a distinção entre amigos e inimigos.
É,
também, forçoso reconhecer que o atual candidato petista tem sido muito
cauteloso, fazendo movimentos ao centro, escolhendo o ex-governador Alckmin para
a posição de vice-presidente e utilizando uma mensagem de concórdia e
pacificação em suas publicidade e mídias digitais. Procura, nesse sentido, um
desenho democrático, e não autoritário ou totalitário de política.
No
entanto, no caso em questão, não houve polarização, ao contrário do que muitos
sustentaram. Não foi um confronto entre bolsonaristas e petistas em igualdade
de condições, visto que a relação entre o assassino e o assassinado é
assimétrica.
Primeiro,
não se conheciam. Logo, não se pode tratar desta violência como um crime
qualquer, produto de rixa com objeto específico, como desavenças entre
vizinhos, traição, dinheiro ou outro motivo qualquer.
Segundo,
ao não se conhecerem, a relação torna-se impessoal, remetendo diretamente ao
motivo ideológico. O assassino entra à força numa festa, atirando e
proclamando: “Aqui é Bolsonaro”. Sim, o presidente estava lá em seu discurso e
em sua concepção do inimigo a ser abatido. O objeto de discurso tornou-se um
alvo real.
Terceiro,
a vítima estava numa festa privada, num salão de festas, comemorando com os
seus o seu aniversário. Que homenageie Lula é uma opção privada exclusivamente
sua, ninguém tendo nada que ver com isso. É o seu domínio próprio, que não
deveria ser invadido por ninguém, por razão nenhuma, muito menos ideológica.
Note-se,
ainda, que, no que diz respeito ao porte de armas, ocorre aqui uma inversão de
posições. Os bolsonaristas têm defendido o livre porte de armas, inclusive de
maior potência, e sem nenhuma forma de fiscalização, baseados no princípio –
aliás, legítimo – da autodefesa. Contudo, o assassino não exerceu nenhum
direito à autodefesa, mas o arbítrio de matar alguém por discordar de suas
posições políticas. Exerceu o “direito” ao ataque, ao uso indiscriminado da
violência. Por sua vez, a vítima, ela sim, exerceu o direito à autodefesa,
conseguindo ferir o atacante e evitando uma tragédia ainda maior. Curiosa
situação: o petista exerce o direito à autodefesa; o bolsonarista, ao ataque e
à violência.
Portanto,
não se pode falar de uma polarização política, salvo no quadro geral do cenário
brasileiro, com a ressalva de que um candidato, preso à sua bolha, continua na
perseguição aos seus “inimigos”, enquanto o outro procura sair de sua bolha
própria, aproximando-se do centro político. Um guarda a sua matriz ideológica
de cunho autoritário/totalitário; o outro procura dela sair, passando a afirmar
convicções democráticas. Um patina nas pesquisas de opinião, o outro avança.
Agora,
na cena específica do assassinato, há, reitere-se, uma relação assimétrica: o
assassino se contrapõe ao assassinado; o culpado, bolsonarista, à vítima,
petista; o atacante ao atacado; o agressor ao agredido. Não é possível fazer
uma contorção ideológica equalizando dois lados não equalizáveis.
Quando
a democracia começa a presenciar tais tipos de eventos, derrapando para
soluções autoritárias, abre-se a porta para a violência indiscriminada. Outros
fanáticos poderão seguir o mesmo exemplo. A condenação deve ser absoluta e
irrestrita, não contemplando nenhuma espécie de relativização. Muito menos
colocando o assassino e a vítima na mesma posição. A liberdade agradece!
*Professor
de filosofia na UFRGS.
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