O Globo
Oposição
é um remendo de rebotalho
Benito
Mussolini, no cargo de primeiro-ministro da Itália e depois no papel de
ditador, escapou de quatro atentados. Alguns mais sérios (chegou a ser ferido
no ombro, por tiro), outros menos eficazes. Até que sua esperteza não o cobriu
mais — ou a sorte deixou de lhe sorrir —, e ele acabou preso pela resistência
italiana, já no fim da Segunda Guerra Mundial.
Como
se sabe, terminou abatido a tiros, perto do lindo Lago de Como, e pendurado de
ponta-cabeça, ao lado de uma de suas amantes, Clara Petacci, na Praça Loreto,
junto a um posto de gasolina, em Milão, com ligeira barriga à mostra.
Seu
cérebro, autopsiado nos Estados Unidos, não indicou ser portador de sífilis,
como muitos procuravam justificar sua loucura. Em resumo, era apenas um cara
muito mau.
Uma das figuras centrais do século passado, Mussolini, com sua ideologia fascista de violência física contra os adversários, inspirou fortemente o nacional-socialismo de Hitler e Goebbels, a quem de início esnobara. Sua execução sumária e a exposição pública de seu cadáver, se muito chocaram à época, compreendem-se pelo retorno em dobro do ódio que disseminou entre os italianos, com o assassinato de adversários, a destruição de sedes de partidos de esquerda, mais os sistemáticos espancamentos pelas milícias fascistas de seus inimigos políticos.
No
YouTube se encontra gratuito “O delito Mateotti”, de Florestano Vancini, sobre
o assassinato do líder socialista Giacomo Mateotti (vivido por Franco Nero)
pelas milícias de Mussolini. Vários outros adversários, socialistas e
comunistas, sucumbiriam sob intensa violência fascista. Como ainda alguns de
seus ex-aliados de primeira hora, abandonados no campo de batalha.
Os
dois livros de Antonio Scurati — será uma trilogia — “M, o filho do século” e
“M, o filho da providência” recontam a trajetória do líder fascista dentro do
espírito de um romance “documental”. Os acontecimentos são todos verídicos, mas
em narrativa com técnicas ficcionais.
Mussolini
é filho de uma crise econômica brutal, resultado também dos escombros da
Primeira Guerra Mundial, mas ainda de uma oposição ingênua, incrédula e
honesta, pia enfim. Ler Scurati e reencontrar o fantasma de Mussolini — após
noites de votação da “PEC Kamikaze” e discursos covardes como o da senadora
Simone Tebet, seguido de seu voto favorável — mostram em poucos quadros por que
Bolsonaro e Lira violam tranquilamente as leis. A oposição é um remendo de
rebotalho.
Foi
assim que Mussolini implantou a ditadura na Itália, é assim que os
bolsonaristas avançam a tiros no Brasil — não há oposição. Um único senador —
José Serra — e apenas 18 deputados se colocaram contra a sanha eleitoreira de
Bolsonaro. A passividade do Legislativo agora contamina também o Supremo, até
então um Poder resistente aos arreganhos das milícias. Tá tudo dominado.
Mais
uma vez permitem vender o futuro do país, e das próximas gerações, portanto,
por receio de confrontar Bolsonaro e suas milícias. Suas medidas de agora
implementarão o caos social e político logo mais. São os pobres que amanhã
darão seus miseráveis dízimos na espera de uma vida talvez melhor no além.
Valeria
lembrar Rimbaud? Por delicadeza, perdi a vida, lamentou o poeta. Não estamos em
tempos de sutileza, porque estão soltos os cães. A realidade de bíblia rasa dos
pastores (alguém ouviu algum deles protestar contra o assassinato em Foz do
Iguaçu, praticado por um cristão e conservador?) merece a lembrança de outros
heróis.
A
ditadura militar brasileira ruiu por dentro (é a turma do voto impresso) e por
fora (pela notória inteligência de alguns líderes). O regime de exceção teve de
enfrentar Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, entre outros liberais.
No
pior momento dos anos duros, Ulysses rodou o Brasil como anticandidato. Sem
eleições diretas, com o Congresso votando sob fuzil no nome indicado pelos
militares (no caso, o general Ernesto Geisel), ele denunciou a falta de
liberdade, a censura, as torturas e a carestia.
Em
Salvador, impedido de circular pela polícia com armas e cães, avançou e gritou:
—
Baioneta não é voto, e cachorro não é urna.
Sua
movimentação, seu encontro em plateias reduzidas, com declarações fortes, sem
medo nem passividade, resultou na chegada de um ditador que assumiu com a
promessa de iniciar o fim do ciclo militar. Nas eleições parlamentares de 1974,
a oposição ganhou em 16 dos 22 estados. Era o começo do fim.
Não
se pode esquecer o apoio do presidente Jimmy Carter contra a ditadura militar.
Mesma posição democrática de Biden diante dos suspiros autoritários de
Bolsonaro.
Infelizmente, falta um Ulysses Guimarães em 2022.
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