Valor Econômico
Mercado
vê estouro do teto da meta por três anos seguidos
O
Banco Central está bem mais otimista que o mercado financeiro sobre a inflação.
Sua projeção mais recente, feita em junho, indicava uma variação do IPCA de 4%
em 2023, enquanto que as estimativas mais recentes dos analistas econômicos
apontam 5,09%. Por que a estimativa oficial é tão menor?
Dependendo
de quem estiver com a razão, poderá fazer uma grande diferença. O ano de 2023
segue como o principal alvo da política monetária. Se a inflação ficar em 4%,
como prevê o Banco Central, estará acima da meta, definida em 3,25%. Mas a
autoridade monetária finalmente poderá dizer que deixou a inflação “ao redor da
meta”, depois de provavelmente estourar o teto por dois anos.
Se o mercado estiver certo, e a inflação ficar em 5,09%, teremos mais um rompimento do intervalo de tolerância da meta, de 1,5 ponto percentual. Significa que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, terá que escrever a terceira carta aberta se explicando, algo inédito na história do regime de metas de inflação. Chama a atenção que, nas projeções para 2023, apenas algo como 20% dos analistas acham que a inflação ficará até 4,58%.
Quem
está certo, o BC ou o mercado? O histórico de projeções de inflação mostra que
ambos costumam errar com frequência. Entre os analistas privados, há um viés de
extrapolar mecanicamente o cenário corrente para o futuro. Contra o Banco
Central, pesam desconfianças de que esteja adotando um cenário mais otimista
apenas para evitar altas mais fortes de juros. Desde o começo de 2021, o Comitê
de Política Monetária (Copom) do BC subiu a meta da taxa Selic de 2% para
13,25% ao ano, e parece encomendada uma alta para 13,75% ao ano na reunião do
começo de agosto.
O
que chama a atenção, na situação atual, é que nunca o Copom foi tão
transparente sobre como projeta a inflação. Em tese, isso deveria aproximar as
visões. Desde fins de 2020 passou a divulgar os seus modelos matemáticos e
estatísticos de previsão de inflação, incluindo o peso de cada parâmetro - ou
seja, números que mostram, por exemplo, quanto a variação do dólar ou
fechamento da capacidade ociosa provoca de alta na inflação projetada.
Numa
live recente, a economista-chefe para o Brasil do Credit Suisse, Solange Srour,
perguntou exatamente porque as projeções do mercado são tão diferentes, para o
diretor de política econômica do Banco Central, Diogo Guillen.
Guillen
explicou que a divergência se explica pela diferença de cenários econômicos
adotados pelo BC e o mercado. Depois de dois grandes choques na economia
mundial - pandemia e guerra - o ambiente ficou muito mais incerto. De fato, nas
circunstâncias atuais, quem elege um cenário como mais provável deve ter a
humildade de reconhecer que, ao lado dele, há outros cenários com probabilidade
também alta.
O
diretor do BC citou, em especial, a hipótese sobre a cotação do petróleo. Em
março passado, quando o produto foi à casa dos US$ 120 o barril, o Copom mudou
o seu procedimento usual. Em vez da cotação nos cinco dias antes da reunião,
preferiu os US$ 100 dos contratos futuros do produto de seis meses.
Esse
procedimento baixou a projeção de inflação do BC em 0,3 ponto percentual em
março e em junho. Muita gente no mercado torceu o nariz, porque viu um
expediente do Copom para parar de subir os juros. De lá para cá, a cotação do
petróleo passeou um bocado. Na sexta, o brent para setembro fechou a US$ 101,16
o barril.
Outro
aspecto que ajuda a explicar as diferenças entre as visões do BC e do mercado,
segundo Guillen, é o tratamento dos preços industriais. Devido à ruptura nas
cadeias globais de valor e pressões persistentes de demanda, os preços de bens
industriais subiram. “Será que esse choque que não consigo explicar por conta
das cadeias globais vai se perpetuar ao longo do tempo?”, questionou o diretor
do Banco Central.
No
seu cenário central de projeção de inflação, o Banco Central considera preços
de bens industriais devem se “arrefecer moderadamente, mas ainda continuarão
exercendo pressão significativa sobre a inflação”. Mas, nas suas reuniões, o
Copom andou discutindo o risco baixista para a inflação de bens industriais,
além de commodities, ligada desaceleração econômica da China e a reversão de
estímulos monetários nos EUA.
De
fato, preços de commodities andaram recuando recentemente. Um problema é que,
ao mesmo tempo, as altas de juros pelo Federal Reserve (Fed) também estão provocando
pressão na cotação do dólar, que fechou em R$ 5,40 na sexta. Questionado sobre
qual efeito deve resultar na inflação, Guillen disse que a desacelaração global
deve prevalecer, embora tenha reconhecido os riscos de o Fed causar alguma
desordem no mercado de câmbio.
Guillen
também disse que a adoção, pelo Copom, de uma taxa neutra de juros mais alta,
de 4% reais em vez de 3,5%, ajuda a explicar a diferença de projeção entre o
Banco Central e o mercado. Além disso, destacou, as premissas adotadas estão mais
correlacionadas - se algo vai mal, várias coisas vão mal ao mesmo tempo. O BC,
por outro lado, ainda não havia incorporado o pacote do governo para baixar os
preços de combustíveis, que terá efeito altista na inflação em 2023.
As
diferenças nas visões do BC e no mercado não têm muito a ver com os parâmetros
dos modelos. Um ponto sempre citado é a inércia, ou seja, quanto a inflação
passada contamina a inflação futura. Guillen disse que nada mudou no
entendimento do BC sobre o assunto. A inflação de 2023 poderá ter mais inércia
porque os bens de serviços avançaram mais que o previsto, e os serviços são
mais inerciais. Mas o coeficiente de inércia dos serviços em si segue o mesmo.
Um
ponto que o diretor do Banco Central passou rapidamente é se os modelos vão
continuar a funcionar bem para projetar a inflação. O racional desse aparato
matemático e estatístico é que o futuro vai se comportar de forma semelhante ao
passado. Mas a pandemia, a guerra e a inflação global muito alta podem ter
causado modificações profundas no jeito da economia operar, e o futuro poderá
se comportar de maneira diferente do passado.
Um comentário:
Lendo e aprendendo.
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