segunda-feira, 18 de julho de 2022

Marcus André Melo* - A PEC Kamikaze e o populismo fiscal

Folha de S. Paulo

Há com a PEC ganhos políticos potenciais para o executivo também no cenário de derrota no pleito

A PEC Kamikaze tem sido examinada por seus efeitos eleitorais de curto prazo, mas seu desenho é politicamente eficiente para o Executivo. Sim, ela poderá garantir competitividade na disputa presidencial; há ganhos políticos potenciais também no cenário de derrota no pleito. Explico.

O primeiro e talvez o mais imediato é que a rejeição da PEC também traria ganhos: ela implicaria em custos eleitorais concentrados e de grande magnitude em ano eleitoral. A votação de PEC é nominal, o que explica a virtual unanimidade na aprovação da medida.

O segundo é que a validade da PEC coincide com o fim do mandato presidencial. Sua descontinuidade criará um imbróglio para o próximo governo: haverá custos consideráveis em resistir às pressões para que os benefícios se tornem permanentes ou que algumas clientelas sejam favorecidas. Segundo a conhecida assimetria na percepção de riscos, as perdas serão mais valoradas que os ganhos. A conjetura valeria também para o atual governo em caso de eventual vitória? Não na mesma escala, porque a iniciativa terá sido do atual governo.

O terceiro efeito é de natureza fiscal: assumiria as formas bastante conhecidas da literatura sobre ciclos políticos de negócios: é o deslocamento "intertemporal" da responsabilização política para o próximo governo: ganhos concentrados no curto prazo versus perdas difusas —inflação, baixo crescimento— no longo.

A caixa de ferramentas de desenho institucional contém instrumentos voltados para mitigá-las (leis de responsabilidade fiscal; independência de bancos centrais; constitucionalização de regras orçamentárias).

Esses instrumentos foram adotados entre nós, mas ao fim e ao cabo são vulneráveis, nas democracias, ao oportunismo de maiorias legislativas. A vulnerabilidade será tanto maior quanto mais débeis as instâncias agregadoras de interesses (principalmente partidos políticos) e a governança fiscal da coalizão de governo na qual o Executivo é ator central; e por fim, mas não menos importante, quanto menos informado o eleitorado.

Eficiência política é diferente de eficiência econômica: os incentivos de curto prazo de governos, partidos e parlamentares individuais conflitam com os interesses coletivos de longo prazo. Mas coalizões estáveis com horizonte temporal de cálculo político mais longo têm incentivos para atar as próprias mãos.

A PEC terá um impacto no debate que nas últimas décadas esteve associado à noção equivocada de que "gasto é vida" seja monopólio do populismo fiscal de esquerda. Como mostra a experiência internacional, é clara: observa-se expansão do gasto também na direita radical (ex.: Polônia; Hungria).

*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

O problema é que a extrema-direita só gasta com os pobres na hora da reeleição,antes e depois abandonam a Deus Dará.