Editoriais / Opiniões
À vista de todos
Folha de S. Paulo
Suspeitas na Codevasf e no FNDE são
vazamento em duto de dinheiro que une Bolsonaro e o centrão
A Polícia Federal fez uma operação para
buscar provas de crimes nos contratos entre a empresa Construservice,
possíveis laranjas e a Codevasf. O valor dos negócios dessa empreiteira com o
governo avançou como nunca no governo de Jair Bolsonaro. O valor da estatal
para os negócios do centrão com o presidente da República também.
A Codevasf faz parte do acordo por meio do
qual Bolsonaro entregou ao centrão parte maior do Orçamento, controle de
estatais e fundos públicos em troca de proteção. Em tese uma estatal, é na
prática uma agência governamental estruturada como uma companhia a fim de
facilitar o repasse de recursos para obras de infraestrutura no interior pobre
do país, pois sujeita a menos procedimentos burocráticos. E como facilita.
A empresa é um escoadouro de verbas para
pequenas obras e compras de máquinas. O dinheiro escorre por meio de emendas
parlamentares obscuras, determinadas sem critérios técnicos de prioridade e
eficiência.
A Codevasf é controlada por União Brasil e o PP, assim como o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE, por PP, PR e PL —o centrão. O FNDE é a agência de repasse da maior parte do dinheiro do Ministério da Educação ao ensino básico, canalizado também por meio de sugestões de pastores indicados por Bolsonaro. Na Saúde, há esquema parecido.
Dadas a penúria federal, que impede
investimento maior em obras, e a falta de oportunidades em estatais como a
Petrobras, algo mais protegida por leis, ou como a Eletrobras,
enfim privatizada, um pacote mais gordo de emendas e
escoadouros adequados para esse dinheiro se tornou o centrão do acordo da
política federal.
Desde 2020, quando começaram as tratativas
de governo e centrão, foram enterradas as perspectivas de processo contra
Bolsonaro. Na falta de governo, a agenda parlamentar do Planalto e decisões
centrais ficaram a cargo de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, com
apoio do colega Ciro Nogueira (PP-PI), ora ministro da Casa Civil.
São os regentes do sistema. Comandam desde
a engorda das emendas e de fundos eleitorais ao desbaratamento das regras
fiscais do país. Administram a aprovação de leis de baixa qualidade normativa
ou recheadas de jabutis de interesse particularista. É um conluio que resulta
em desmonte institucional, uso indevido de verbas e de tratoraços legais que
vão do regimento legislativo à Constituição.
Os escândalos na Codevasf, no FNDE ou com
recursos da Saúde são apenas o resultado da operação desse sistema "na
ponta", o rompimento desse escoadouro de dinheiro que é o grande acordo de
Jair Bolsonaro com o centrão.
Arranjo injusto
Folha de S. Paulo
Mudanças tributárias e a falta de correção
da tabela do IR pesam mais sobre quem ganha menos
Diferentes rankings internacionais situam o
Brasil como um dos países
mais desiguais do mundo, com elevada concentração no topo da
pirâmide de rendimentos.
Outros levantamentos mostram que a carga
tributária brasileira é superior à de outros emergentes. Entre os motivos,
concorre o fato de o Congresso pós-ditadura ter desenhado uma Constituição de
ampla inclusão social baseada no aumento do gasto público —que financia, por
exemplo, os sistemas universais de saúde e educação.
A escolha dos parlamentares na Carta de
1988, contudo, não foi acompanhada de taxas de crescimento econômico
suficientes para elevar, por si só, as receitas do Estado. Assim, o aumento do
gasto foi pago com mais impostos sobre a sociedade, que bancam ainda toda a
sorte de desperdício na má gestão dos recursos públicos.
Nesse percurso, Executivo e Legislativo
optaram quase sempre por tributar mais os pobres, sobretudo com impostos
associados ao consumo —de alimentos, combustíveis e energia, entre outros. Como
as alíquotas geralmente são iguais para todos, acabam pagando mais tributos,
proporcionalmente à renda, os que ganham menos.
Segundo pesquisa do
Centro de Estudos da Metrópole, da USP, entre 1989 e 2020, os
parlamentares propuseram ou analisaram 4.841 projetos, medidas provisórias ou
propostas constitucionais na área tributária. Apenas 5% das proposições foram
progressivas, no sentido de tributar mais os ricos e aliviar os pobres
(isentando, por exemplo, produtos da cesta básica).
Nesta semana, estudo do Sindifisco
Nacional, de auditores da Receita Federal, mostrou que a falta de correção da
tabela do Imposto de Renda (IR) combinada ao aumento da inflação também têm gerado
elevação histórica da tributação sobre os mais pobres.
Em uma simulação, quem recebe R$ 5.000,
após deduções, paga atualmente R$ 505,64 de IR. Se toda a defasagem da tabela
fosse corrigida, o valor cairia para R$ 24,73. Em caso de reajuste, só pessoas
que ganham acima de R$ 4.670,23 ficariam obrigadas a pagar IR, isentando 12,7
milhões de brasileiros.
Em um cenário de emergência fiscal, é
inimaginável que o governo atual ou o próximo venham a corrigir toda essa
defasagem, que levaria a brutal perda na arrecadação. Parece inescapável,
porém, a prioridade de perseguir uma reforma tributária que torne o sistema
mais justo e descomplicado.
A culpa não é do teto de gastos
O Estado de S. Paulo
Governo Bolsonaro omitiu-se ao não realizar reformas estruturais para reduzir despesas obrigatórias e, agora, culpa limite constitucional de despesas pelos cortes no Orçamento
O drama se repete de dois em dois
meses. A cada atualização do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas
Primárias, o governo precisa eleger os Ministérios que terão de pagar o preço
pela bagunça que se tornou o Orçamento-Geral da União (OGU). No fim do mês de
julho, o mesmo Executivo que acabou de destruir o arcabouço fiscal, legal,
eleitoral e constitucional para abrir um rombo no teto de gastos e garantir
competitividade à candidatura do presidente Jair Bolsonaro precisará, agora,
encontrar espaço para cortar R$ 5 bilhões e corrigir desvios que impliquem o
descumprimento do mesmo teto de gastos, além da meta do resultado primário –
por sinal, deficitária. Pode parecer brincadeira de mau gosto, mas é assim que
funciona a execução orçamentária no governo Jair Bolsonaro.
São dias de disputa ferrenha na Esplanada
dos Ministérios, quando cada pasta usa as armas que tem à disposição para se
defender da tesourada. Cultura e Ciência, dois dos alvos favoritos do
presidente, desta vez estarão parcialmente livres do bloqueio em razão da
derrubada de vetos que resgataram a Lei Paulo Gustavo e a proibição ao
contingenciamento de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (FNDTC). A mira, portanto, se volta para as despesas
discricionárias, cuja execução, ao menos em tese, não é obrigatória e está
sujeita à avaliação de oportunidade dos gestores. Representam, basicamente, o
custeio da máquina pública e os investimentos.
Há ao menos dois problemas envolvendo as
despesas discricionárias. O primeiro é que elas não passam de 5% do Orçamento,
e o segundo é que grande parte delas não tem natureza opcional. Elas incluem,
por exemplo, o pagamento de contas de energia, telecomunicações e água de
edifícios públicos, sujeitas a corte em caso de inadimplência, além de serviços
terceirizados de limpeza e segurança. Manutenção de universidades, conservação
de rodovias federais e ações da Defesa Civil para prevenção de desastres também
se inserem nessa rubrica. São funções inerentes ao Estado e que não podem ser
consideradas dispensáveis, ainda mais quando há bilhões reservados para o
fundão eleitoral e para as emendas de relator, base do “orçamento secreto”.
Longe de sinalizar algum compromisso com a
austeridade fiscal, cada corte no Orçamento é a tradução da incapacidade do
governo de fazer o mínimo que dele se espera. O erro começa na própria
elaboração do documento, marcada por uma antiga tradição de superestimar
receitas e subestimar despesas. A administração de Jair Bolsonaro, no entanto,
promoveu o Orçamento a uma verdadeira obra de ficção quando decidiu mudar o
período de apuração da inflação para o cálculo do teto de gastos. A manobra
oportunista permitiu ao governo aumentar artificialmente o espaço para despesas
em R$ 115 bilhões e dar um calote nos precatórios devidos pela União. Mas nem
isso foi suficiente. Bastaram seis meses para que houvesse a fabricação do
estado de emergência da PEC Kamikaze, que resultou na aprovação de R$ 41,2
bilhões a serem executados fora do teto.
Ficou fácil, para o governo, culpar o teto por
essa balbúrdia orçamentária. Criado em 2016, ele foi fruto de uma emenda
constitucional que instituiu um novo regime fiscal e simbolizou o resgate da
responsabilidade em uma economia devastada por anos de gastança desenfreada
durante o governo Dilma Rousseff. O dispositivo, no entanto, nunca foi um fim
em si mesmo. Seu funcionamento sempre demandou ajustes adicionais, entre os
quais a realização de reformas para reestruturar as despesas obrigatórias, como
aposentadorias, salários do funcionalismo público e benefícios sociais. Sem
reformas, era óbvio – e inclusive foi previsto à época de sua aprovação – que o
teto passaria a estrangular o Orçamento. Ao trabalhar contra as reformas
tributária e administrativa, o governo Bolsonaro fez uma escolha pela omissão.
Desmoralizar o teto e rasgar o arcabouço fiscal, as leis e a Constituição são
consequência dela. A guerra dos cortes no Orçamento é a ponta do iceberg.
A necessária valorização da segunda
instância
O Estado de S. Paulo
O novo filtro para os recursos ao STJ é oportunidade de valorização da segunda instância, que passará a ser, para a imensa maioria dos casos, a última instância
Na reforma do Judiciário de 2004, criou-se
um filtro para o recurso extraordinário. Para questionar perante o Supremo
Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade de uma decisão judicial, o autor
do recurso passou a ter de demonstrar, a partir da Emenda Constitucional (EC)
45/2004, “a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso”.
Já não bastava dizer, por exemplo, que o acórdão do tribunal tinha
desrespeitado a Constituição. Para que o STF analisasse o caso, passou a ser
preciso mostrar a existência de “questões relevantes do ponto de vista
econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses
subjetivos do processo”, conforme dispõe o atual Código de Processo Civil.
O requisito trazido pela EC 45/2004 era uma
medida essencial para o bom funcionamento do Judiciário. Sem o filtro da
repercussão geral, atribuía-se a um único tribunal o papel de revisor da
constitucionalidade de todas as ações judiciais do País. É simplesmente
impossível que o STF atenda a tal demanda.
No entanto, a reforma do Judiciário de 2004
não criou um filtro similar para o recurso especial, instrumento que serve para
questionar, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), decisão judicial que
desrespeita lei federal ou que lhe dá uma interpretação divergente daquela
atribuída por outro tribunal. Essa lacuna foi suprida agora, com a aprovação
pelo Congresso da EC 125/2022: “No recurso especial, o recorrente deve
demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional
discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja
examinada pelo tribunal”.
Segundo a EC 125/2022, há relevância nas
ações (i) penais, (ii) de improbidade administrativa, (iii) cujo valor da causa
ultrapasse 500 salários mínimos e (iv) que possam gerar inelegibilidade, bem
como nas “hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência
dominante do STJ”. A definição da relevância no próprio texto constitucional
foi fruto da participação da sociedade civil nos debates legislativos.
A EC 125/2002 “é uma saída contundente para
a crise de congestionamento e para a avalanche de casos que chegam ao STJ”,
avaliou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, lembrando que o tribunal
recebe anualmente mais de 10 mil novos processos por ministro. De fato, era
imprescindível limitar a quantidade de recursos. Tribunais afogados em
processos não funcionam bem: dificulta-se a apreciação cuidadosa de cada caso e
multiplica-se a prestação jurisdicional atrasada, fora de um prazo razoável.
Mas o filtro da repercussão geral (STF) e
da relevância (STJ) tem uma função que vai muito além da questão quantitativa.
Ele preserva a natureza institucional dos tribunais superiores, que não são
meras instâncias revisoras. O papel do STF e do STJ não é produzir sucessivas
análises de ações cujo objeto se restringe aos interesses das partes. As cortes
superiores têm a chamada função nomofilácica: assegurar a estabilidade e a
previsibilidade da jurisprudência.
A EC 125/2022 pode e deve, portanto, ser
ocasião de fortalecimento da segunda instância – (i) maior qualidade da análise
das questões de fato e direito e (ii) maior sintonia de suas decisões com a
jurisprudência dos tribunais superiores –, uma vez que ela a partir de agora
será, para a imensa maioria dos casos, a última instância. Essa dinâmica é
benéfica para o funcionamento de todo o sistema. O Judiciário não cumpre sua
finalidade de resolver, com justiça e dentro de um prazo razoável, os conflitos
sociais se uma decisão, para produzir efeitos, precisa passar antes por três ou
quatro instâncias judiciais. Vale lembrar que, num Estado Democrático de
Direito, existe a garantia do duplo grau de jurisdição: o direito de uma
instância rever a decisão originária. Mas não faz sentido ter uma série
infindável de controle. Assim, o novo filtro para os recursos do STJ conduz a
este outro movimento, igualmente necessário: qualificar e valorizar a primeira
e a segunda instâncias.
Arrecadação vai bem; o Brasil, nem tanto
O Estado de S. Paulo
Ajudada por inflação, câmbio e juros, receita tem grande aumento, enquanto produção e consumo avançam lentamente
O governo continua lucrando com a inflação
e aumentando sua receita, facilmente, enquanto a economia brasileira se move
devagar e a pobreza aumenta. Em junho a União arrecadou R$ 181,04 bilhões. No primeiro
semestre o Tesouro recolheu US$ 1,09 trilhão, com acréscimo “real” de 11% em
relação ao valor de um ano antes. A variação “real”, nesse caso, é calculada
com base na inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA). Mas como pode o volume de impostos e contribuições ter crescido tanto,
se a atividade econômica, segundo os indicadores conhecidos, avançou
moderadamente? No semestre, a produção industrial foi 3,11% menor que a de
janeiro a junho do ano passado. As vendas de bens pelo comércio varejista foram
apenas 0,10% maiores que as de 2021 no mesmo período. Seria possível explicar o
aumento da receita principalmente pela expansão do setor de serviços – um
crescimento de 9,59% no mesmo tipo de comparação?
O quadro geral inclui alguns fatos positivos,
como a expansão de 23,83% da massa de salários, entre o primeiro semestre do
ano passado e o primeiro deste ano. Mas parte dos R$ 90,43 bilhões cobrados
sobre os rendimentos do trabalho só foi possível porque a tabela do Imposto de
Renda continuou desatualizada. O limite de isenção foi corrigido pela última
vez em abril de 2015.
Além disso, medir a variação “real” da
receita fiscal com base no IPCA pode ocultar fatos importantes. Esse indicador
é um número médio. A análise da arrecadação com base nas “divisões econômicas”
mostra, por exemplo, aumento de 192,54% no valor recolhido no setor de
combustíveis (de R$ 18,01 bilhões para R$ 52,88 bilhões a preços de junho deste
ano). No setor de “atividades auxiliares do setor financeiro” o aumento foi de
27,20% – de R$ 23,89 bilhões para R$ 30,39 bilhões.
O Tesouro claramente ganhou com a inflação,
com o dólar sobrevalorizado e com a alta dos juros, enquanto consumidores
sofreram com a alta de preços e dos juros. Ao mesmo tempo, a economia ficou
travada pelo encarecimento do crédito e pela contenção do consumo das famílias,
empobrecidas pela inflação, endividadas e sobrecarregadas pelos financiamentos
cada vez mais caros.
Segundo o relatório da Receita Federal, os
números deste ano mostram “o melhor desempenho arrecadatório desde 2000, tanto
para o mês de junho quanto para o semestre”. Seria uma excelente novidade se
esse balanço indicasse uma economia com bom desempenho, isto é, com razoável
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e com inflação contida. Mas os dados
conhecidos da economia real mostram um cenário muito menos positivo.
Depois de quatro meses consecutivos de
expansão, a indústria ainda produziu, no período de janeiro a maio, 2,6% menos
que um ano antes. As vendas no varejo em 12 meses foram 0,4% menores que as do
período anterior. Mas a receita nominal cresceu 13,6%, em relação à mesma base,
e também isso evidencia o desarranjo dos preços. Talvez o Tesouro tenha algum
motivo para comemoração. Não é o caso da maioria dos brasileiros.
Ameaça ao teto de gastos é irresponsável
O Globo
Único mecanismo que ainda garante controle
da dívida pública está sob ataque dos principais candidatos
É preocupante a ameaça irresponsável que
paira sobre o teto de gastos no próximo governo. A aprovação da PEC Eleitoral,
que criou novas despesas de R$ 41,3 bilhões no Orçamento, demonstrou que nem
Legislativo nem Executivo têm dado a devida atenção à saúde fiscal do Estado
brasileiro. A perda de confiança nos mecanismos de controle dos gastos públicos
é hoje a maior fonte de tensão entre os agentes econômicos.
Se o próprio governo Jair Bolsonaro não
está nem aí para o teto, que no discurso afirma defender, a revogação é parte
da plataforma de Luiz Inácio Lula da Silva e Ciro Gomes. Atribui-se ao teto o
papel de camisa de força sobre as ações do governo, quando na realidade ele não
passa de um mecanismo de controle fiscal que dá transparência às disputas pelas
verbas públicas — e que se revelou extremamente eficaz.
A tendência natural da classe política é
criar novas despesas para atender à demanda de grupos de interesse específicos.
As trazidas pela PEC Eleitoral são apenas as últimas numa extensa lista que, só
neste ano, vai muito além dos caminhoneiros e taxistas. Inclui o setor
cultural, enfermeiros, transporte público, instituições beneficentes e tantos
outros beneficiados com a ilusão criada pela alta circunstancial da
arrecadação.
Diversas prebendas são temporárias, mas
outras são duradouras. Pelas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), a
despesa primária recorrente já cresceu 6% em termos reais em relação ao ano
passado. Isso sem contar o aumento de R$ 200 concedido aos beneficiários do
Auxílio Brasil, que ninguém acredita temporário. Se mantido, os R$ 26 bilhões
de gasto adicional neste ano se tornarão mais R$ 60 bilhões no Orçamento de
2023.
Leis e regras fiscais não existem para
impedir o governo de gastar naquilo que é necessário — como combate à pobreza,
saúde ou educação. Existem para evitar o descontrole. Quando não há confiança
em que o governo honrará seus pagamentos, a explosão da dívida pública é
inevitável, com impacto na taxa de juros, no emprego e na inflação. A História
brasileira está cheia de exemplos dos malefícios trazidos pela incúria fiscal.
Os demais mecanismos para disciplinar os
gastos públicos — Lei de Responsabilidade Fiscal e Regra de Ouro (que impede
endividamento para pagar despesas correntes) — foram sendo minados um a um nos
últimos anos. Restou o teto, que, de acordo com os dados da IFI, contribuiu
para reduzir a despesa recorrente do governo de 23,4% do PIB em 2019 para 18,8%
no fim deste ano.
Pela última projeção do Tesouro Nacional, a
manutenção do teto traria as contas públicas para o azul em 2024 e reduziria o
patamar de gastos públicos a 15,3% do PIB em 2031. Nesse cenário, a dívida
cairia dos atuais 78,3% do PIB para abaixo de 70% em 2031, e o setor público
teria um superávit de 2,5%, suficiente para mantê-la num nível sustentável. A
IFI é um pouco mais pessimista em sua projeção da dívida para 2031: 84,7%. Ao
mesmo tempo, considera que um superávit de 1,4% seria suficiente para
controlá-la. O teto é o único mecanismo de controle capaz de garantir projeções
otimistas para o endividamento. Quem deseja acabar com ele precisa ser
explícito também sobre o que quer pôr no lugar. Do contrário, a tragédia será
inevitável.
É inaceitável que facções estendam seus
domínios às atividades formais
O Globo
Para lavar dinheiro, quadrilhas investem em
empresas de transporte, incorporadoras e clínicas médicas
É alarmante a forma como as organizações
criminosas têm se expandido para o mercado formal. Não só para lavar dinheiro e
despistar as autoridades, mas também como fonte de renda para financiar o
próprio crime. Investigações da Polícia Civil de São Paulo revelam que a maior
facção do estado, que atua também fora do país, investe em empresas de
transporte, no mercado imobiliário e até em clínicas médicas e odontológicas
aparentemente insuspeitas.
Segundo a polícia, seus integrantes
controlam pelo menos 250 loteamentos clandestinos na capital. Desde 2017, as
quadrilhas mantêm um esquema com empresas de fachada em nome de “laranjas” para
invadir áreas de preservação ambiental e vender lotes clandestinos. Lesaram
milhares de cidadãos que pensavam comprar imóveis legais.
A estratégia criminosa tem sido usada
também por milicianos no Rio. Venda e aluguel de imóveis ilegais são uma das
principais fontes de arrecadação das milícias. Tudo facilitado pela falta de
fiscalização do poder público e pela debilidade das políticas habitacionais nos
três níveis de governo, que transformam em presas fáceis as famílias em busca
da casa própria. Às vezes o enredo tem desfecho trágico. Em 2019, dois prédios
construídos por milicianos desabaram na comunidade da Muzema, Zona Oeste do
Rio, matando 24 moradores.
A investida no setor de transportes também
tem chamado a atenção. Pelo menos duas empresas que mantêm contratos formais
com a Prefeitura de São Paulo, Transunião e UPBUS, são investigadas por
envolvimento com o crime organizado. A polícia diz que acionistas da UPBUS pertencem
ao alto escalão da organização criminosa. Na Transunião, funcionários sem
alinhamento com o bando foram expulsos e substituídos por integrantes da
facção.
O envolvimento do crime no transporte
urbano em São Paulo não é novo, só que antes costumava mirar peruas e vans.
Elas foram legalizadas nas gestões petistas de Marta Suplicy e Fernando Haddad,
mas continuaram sob controle de criminosos. Hoje o domínio pode ser maior do
que se imagina. Um delegado disse ao GLOBO que a maior facção do estado domina
quase todo o setor de ônibus de São Paulo.
Não menos assustadora é a captura de
unidades de saúde pelo crime. Segundo a polícia, um único integrante da facção
paulista chegou a ter 60 clínicas médicas e odontológicas em São Paulo. Por
concentrar atendimentos, a atividade permite aos criminosos inflar os números
para lavar dinheiro do tráfico sem despertar atenção. Ao mesmo tempo, ampara os
integrantes da quadrilha feridos em confrontos.
Está claro que o combate às organizações criminosas que dominam comunidades em todo o país demanda mais inteligência. As quadrilhas se sofisticaram e se imiscuíram em atividades aparentemente legais, mas o dinheiro sempre deixa rastro. Não se pode permitir que tais negócios prosperem. É estarrecedor que criminosos estejam à frente de incorporadoras, empresas de transporte e clínicas.
Sem “bondades”, previsões para o PIB de
2023 recuam
Valor Econômico
Pesquisa Focus sinaliza aumento de 0,5% do
PIB. Os grandes bancos não estão tão otimistas
A aprovação da “PEC das Bondades” pelo
Congresso e sua promulgação pelo governo, na semana passada, desencadearam uma
onda de revisão para cima do Produto Interno Bruto (PIB) projetado para este
ano. Aposta-se que o aumento do Auxílio Brasil e a liberação dos bônus para
caminhoneiros e taxistas e a redução do preço dos combustíveis, energia
elétrica e gás animem a economia, que já estava fraquejando, como mostram dados
do segundo trimestre. Mas o fôlego será curto. As “bondades” dispensadas sob
medida para melhorar o desempenho de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais
de outubro têm prazo de validade até janeiro de 2023, quando a economia deve
desacelerar e pode até encolher.
Depois de ter surpreendido no primeiro
trimestre, com o aumento de 1% do PIB e a redução da taxa de desemprego para
9,8%, marcando um dígito pela primeira vez em seis anos, a economia começou a
dar sinais de recuo, que ficaram mais preocupantes em maio. A produção
industrial aumentou apenas 0,3% na comparação com abril, sob o impacto
principalmente da queda de 1,3% de bens intermediários. As vendas do varejo no
conceito ampliado variaram 0,2%, com o mau desempenho de material de
construção, bens de consumo duráveis, veículos e autopeças, móveis e
eletrodomésticos, produtos que geralmente dependem de financiamento.
O balanço de maio só não ficou totalmente
desanimador por causa do desempenho do setor de serviços, cujo faturamento real
teve aumento de 0,9% sobre abril e de 9,2% na comparação com maio de 2021.
Todos os seus cinco segmentos acompanhados pelo IBGE ficaram no azul, notadamente
serviços prestados às famílias (1,9%) e outros serviços, como financeiros,
urbanos e imobiliários (3,1%). A expansão foi atribuída à reabertura dos
negócios após a vacinação. A recuperação dos serviços animou o mercado de
trabalho.
Indicadores que buscam antecipar o PIB não
espelharam esses resultados. O IBC-Br, calculado pelo Banco Central, teve queda
de 0,11% em maio depois de ter recuado 0,64% em abril. O Monitor do PIB,
estimado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), recuou 0,8% na comparação entre
maio e abril. A FGV destacou a redução de 2,1% do consumo das famílias,
atribuído ao aumento da inflação, dos juros e redução da renda real.
Nesse quadro, se inserem as medidas tomadas
pelo governo para ativar a economia e tentar melhorar a votação a favor de Jair
Bolsonaro. Nada mais negativo para um candidato à reeleição do que resultados
ruins na economia. As iniciativas vão na contramão da atuação do Banco Central
que, desde março do ano passado, vem elevando os juros para conter a inflação,
com reflexos restritivos na atividade. Entre as iniciativas estão o aumento do
Auxílio Brasil, e a redução de impostos sobre combustíveis, a bolsa
caminhoneiro e a ajuda para a compra de gás.
Anteriormente, o governo já havia liberado
FGTS e antecipado o pagamento do 13º salário para aposentados e pensionistas,
sem reflexos significativos a não ser na área de serviços, como mostram os
números de maio. Bancos e consultorias apostam que agora a reação será mais
palpável e desencadearam uma onda de revisão do PIB e da inflação deste ano. O
Boletim Focus do Banco Central, que reúne mais de uma centena de previsões,
projetava aumento do PIB de 1% no fim de maio e agora prevê alta de 1,6%. As
estimativas já chegam a 2% e o otimismo não é apenas do Ministério da Economia,
que antes falava em aumento de 1,5% do PIB. Também trabalham com 2% os bancos
Itaú, Credit Suisse e C6. Santander e Bradesco estão quase lá, com 1,9% e 1,8%,
respectivamente.
A melhora na percepção foi referendada pela
agência de classificação de risco Fitch, que revisou de negativa para estável a
perspectiva para o rating do Brasil, apontando a dinâmica de crescimento de
curto prazo, acima das expectativas, entre as justificativas para o movimento.
As previsões mais negativas foram jogadas
para o próximo ano, até porque a maior parte das medidas tomadas pelo governo
terminam em janeiro, como o aumento do Auxílio Brasil e a bolsa caminhoneiro e
auxílio para a compra de gás. Sem apoio do governo a economia não sustenta o
ritmo. Sem falar no quadro fiscal incerto sob o impacto de outras medidas, da
intensificação dos efeitos defasados da política monetária do Banco Central e
da expectativa de recessão global. Pesquisa Focus sinaliza aumento de 0,5% do
PIB. Os grandes bancos não estão tão otimistas. O Itaú espera que o PIB varie
0,2%, o Bradesco fala em estagnação e o Santander já espera queda de 0,6%
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