sexta-feira, 22 de julho de 2022

Naercio Menezes Filho* - Dificuldades na área social

Valor Econômico

Agora, além de não resolver problemas crônicos, andamos para trás nas áreas em que havíamos avançado

Tivemos muitos problemas na área social nos últimos anos. Avanços importantes obtidos nas últimas décadas estão em risco pela falta de políticas públicas adequadas para enfrentar os efeitos da pandemia. O que poderemos fazer para reverter esta situação no futuro?

Vários avanços institucionais e políticas públicas foram construídos nos últimos 30 anos no Brasil. Estabilizamos a inflação, construímos uma rede de proteção social, universalizamos o acesso ao ensino fundamental, criamos o Sistema Único de Saúde e os programas de transferência de renda e democratizamos o acesso ao ensino superior. Foram criados institutos e políticas de proteção ao meio ambiente e aos povos indígenas. Isto fez com que a desigualdade e a pobreza declinassem continuamente no período e que a situação das minorias melhorasse.

Além disto, criamos as leis de responsabilidade fiscal e eleitoral para evitar que governantes gastassem demais no seu último ano de mandato com objetivos eleitoreiros, deixando pesadas dívidas para seus sucessores. Ainda não conseguimos resolver nossos problemas crônicos de baixa produtividade e aprendizado, alta criminalidade e manutenção de privilégios para os grupos de pressão. Mas estávamos avançando aos poucos.

Agora, além de não termos resolvido estes problemas crônicos, andamos para trás nas áreas em que mais havíamos avançado. O primeiro golpe veio com a pandemia, que nos deixou com um passivo de longo prazo difícil de lidar. A falta de uma política sanitária coerente para enfrentamento da pandemia causou muitas mortes que poderiam ter sido evitadas. Além disto, vários programas de vacinação foram interrompidos por causa da pandemia, problemas de saúde não foram tratados e problemas de saúde mental se multiplicaram.

A falta de uma política educacional coordenada para funcionamento das escolas durante a pandemia provocou seu fechamento por um período maior do que necessário, deixando grande parte das crianças sem aulas por dois anos. Isto provocou um grande déficit de aprendizado para todos os alunos, ainda mais grave para os que estavam se formando no ensino médio e para os que estavam aprendendo a ler e escrever. Além disto, a troca constante de ministros fez com que várias políticas educacionais fossem paralisadas, inclusive o sistema de avaliação educacional, que nos permitiria avaliar a situação do aprendizado pós-pandemia.

Com a pandemia, a pobreza extrema voltou, pois milhares de pessoas que tinham seu próprio negócio, que as permitiam sobreviver longe da pobreza, foram afetadas pelo isolamento social. Estas pequenas empresas foram fechadas e as pessoas tiveram que vender o capital que tinham construído para poder sobreviver. Como elas estavam fora do radar da nossa política de assistência social, caíram na pobreza. E a volta de inflação provocou uma forte queda adicional no seu poder de compra, trazendo de volta os moradores de rua e a insegurança alimentar em grande escala.

Uma política pública que foi implementada com relativo sucesso durante a pandemia foi o auxílio emergencial. Apesar de ter tido exageros, a agilidade na concessão deste auxílio foi importante para evitar aumentos maiores de pobreza na pandemia. Porém, a transformação do programa Bolsa Família para o Auxílio Brasil trouxe uma série de problemas. O principal deles é que a focalização do programa, que era uma das suas principais características positivas, foi abandonada em troca de um valor único para todos os pobres.

Dois mil e vinte e dois tem se mostrado ainda mais complicado, ressuscitando problemas que achávamos que havíamos deixado para trás. A PEC kamikaze foi um golpe duro no arcabouço de responsabilidade fiscal e eleitoral duramente construídos ao longo das últimas décadas. Descobrimos que basta ter maioria no Congresso para mudar a Constituição alegando uma emergência e alterando toda uma legislação vigente. Assim, governantes que precisam de votos descobriram que podem alterar a legislação para distribuir dinheiro e benesses em troca destes votos, ao invés de implementar políticas públicas baseadas em evidências. E, uma vez que a pasta de dente saiu do tubo, será muito difícil colocá-la de volta.

Assim, a situação social no país piorou muito em várias áreas. A falta de políticas públicas coordenadas nacionalmente em áreas essenciais durante a pandemia agravou uma situação que já estava difícil, deixando uma herança nestas áreas que levará anos para ser superada. Em particular, as pessoas mais vulneráveis, que foram as mais beneficiadas pelas políticas públicas nas últimas décadas, foram as mais afetadas.

O que podemos fazer para melhorar as políticas públicas e colocar o país novamente na rota de melhoria paulatina na vida dos mais vulneráveis que estávamos seguindo? Em primeiro lugar, teremos que reativar as políticas educacionais, de saúde, assistência e meio ambiente com foco nos que mais precisam e capacitar novamente os órgãos públicos que foram enfraquecidos nos últimos anos.

Teremos que coordenar um grande esforço nacional para recuperar as perdas de aprendizado e desenvolvimento infantil ocorrido durante a pandemia. Teremos que montar novamente arcabouços fiscal e eleitoral coerentes, que nos permitam ter previsibilidade financeira crível no setor público e evitar projetos eleitoreiros mal desenhados. Mas, primeiro temos que passar por 2022 sem mais sobressaltos, para depois podermos reconstruir as políticas públicas a partir de 2023.

*Naercio Menezes Filho, professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, professor associado da FEA-USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e diretor do CPAPI.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

O País regrediu muitos anos,e em todas as áreas.