terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Paul de Grauwe* e Yuemei Ji** - Domar a inflação sem subsidiar bancos

Valor Econômico

Valorização da moeda americana tem efeitos recessivos em toda parte

No esforço para confrontar os impactos da inflação, os principais bancos centrais do mundo têm elevado as taxas de juros com força. No entanto, um subproduto das recentes elevações é o aumento do pagamento de juros aos depósitos dos bancos comerciais pelos bancos centrais - na prática, uma transferência de dinheiro do setor público para os bancos.

O Eurosistema, que inclui os 20 bancos centrais nacionais da região do euro e o Banco Central Europeu (BCE), pagará € 107 bilhões (US$ 111 bilhões) em juros (referentes a depósitos de 4,3 trilhões) a instituições financeiras durante 2023. Essa quantia aumentará para €129 bilhões, se o BCE elevar a taxa de depósito para 3% em março, como se comprometeu a fazer.

Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed), votou recentemente pela elevação para 4,65% dos juros pagos aos depósitos mantidos como reservas. Isso significa que pagará US$ 140 bilhões em juros sobre cerca de US$ 3 trilhões em reservas bancárias neste ano. O Banco da Inglaterra, autoridade monetária do Reino Unido, também fará transferências enormes aos bancos comerciais.

O recente ciclo de aperto monetário implica lucros para os bancos comerciais e perdas financeiras para os bancos centrais, o que volta colocar em questão se os bancos comerciais deveriam ser remunerados por manter reservas no banco central. O pagamento de juros sobre as reservas bancárias é necessário para conduzir a política monetária? Ou os bancos centrais deveriam poder aumentar os juros sem transferir quantias gigantescas aos bancos?

Embora muitos economistas deem como certo que as reservas bancárias rendem juros, a prática é um fenômeno bastante recente. O BCE introduziu pagamentos de juros sobre as reservas excedentes acima do mínimo obrigatório quando iniciou suas operações em 1999, e o Congresso dos EUA autorizou o Fed a fazê-lo em 2008. Antes de 2000, a prática geral era não pagar juros para as reservas bancárias.

De fato, os bancos não pagam juros sobre os depósitos à vista de seus clientes, embora esses depósitos também proporcionem liquidez para a economia real (não financeira). Por que os banqueiros deveriam ser pagos por ter liquidez enquanto todos os outros deveriam aceitar não ser remunerados?

A falta de uma base econômica genuína para o pagamento de juros sobre as reservas bancárias fica ainda mais evidente quando se considera como os bancos centrais obtêm seus lucros: graças ao monopólio do Estado para criar dinheiro. A prática de pagar juros aos bancos comerciais equivale a transferir o lucro desse monopólio para instituições privadas. Esse lucro, porém, é basicamente um dinheiro do contribuinte e deveria ser devolvido ao governo, que concedeu esses direitos de monopólio, e não canalizado para os bancos comerciais.

Ainda assim, muitos economistas acreditam que a remuneração das reservas bancárias é, de fato, necessária para conduzir a política monetária hoje em dia. Afinal, os principais bancos centrais deparam-se com um excesso de oferta de reservas em seus balanços, em razão dos vários anos de compras de títulos com a flexibilização monetária quantitativa. Em consequência desse excesso de oferta, quando não há remuneração das reservas bancárias, a taxa de juros fica presa em 0% e o BC não consegue aumentar a taxa de juros do mercado (o que precisa fazer para combater a inflação).

De acordo com a noção convencional, a única maneira de os bancos centrais pressionarem por uma alta das taxas em tal ambiente é pagando juros sobre o enorme oceano de reservas mantidas pelas instituições de crédito. Como os bancos comerciais não concedem empréstimos no mercado interbancário a juros inferiores aos da taxa de depósito considerada livre de risco, esta última atua como um piso para os juros do mercado. Taxas de depósito mais altas, portanto, são retransmitidas para toda a estrutura das taxas de juros.

Há outras maneiras, contudo, de um banco central elevar as taxas de juros do mercado sem transferir seus lucros para os bancos comerciais. Por exemplo, as autoridades monetárias poderiam vender títulos de dívida do governo, uma forma de aperto quantitativo que os principais bancos centrais já estão adotando.

O problema é que enxugar o balanço patrimonial de um banco central é um processo muito lento. Pode levar mais de dez anos para que o volume volte aos níveis anteriores à crise financeira mundial de 2008. É por isso que as vendas de títulos deveriam ser complementadas por um aumento temporário nas reservas mínimas exigidas.

O BCE optou por não usar esse instrumento até o momento, mantendo a atual exigência de reservas bancárias em 1%, enquanto o Fed aboliu totalmente a exigência. No entanto, as autoridades econômicas deveriam reconsiderar a questão. À medida que os BCs fossem reduzindo gradualmente suas participações em títulos do governo, esse aumento temporário na exigência de reservas mínimas também poderia ser reduzido de forma constante.

Ao transformar as reservas excedentes mantidas pelos bancos comerciais em reservas obrigatórias, pelas quais não se pagam juros, os BCs poderiam recriar o sistema que existia antes da crise financeira. A essa altura, pequenas manipulações na oferta de reservas, agora em escassez, seriam suficientes para alterar a taxa do mercado monetário, sem a necessidade de os bancos centrais pagarem juros sobre os depósitos.

Alguns se opõem ao uso de exigências de reservas mínimas, argumentando que isso equivale a um imposto sobre os bancos e pode resultar em distorções econômicas. Mas todos os impostos introduzem distorções; a verdadeira questão é se os ganhos superam os custos.

A vantagem da exigência de reservas mínimas é dupla. Primeiro, as autoridades podem acabar com a distorção criada ao fornecer enormes subsídios aos bancos. Em segundo lugar, as autoridades obtêm uma ferramenta de política econômica excepcional, projetada para enxugar uma grande parte do balanço de um banco central e, ao mesmo tempo, manter a estabilidade financeira.

Os bancos centrais têm condições de elevar as taxas de juros sem dar enormes subsídios aos bancos. Seus lucros deveriam voltar a ser transferidos para os governos. Os contribuintes, e não os bancos, deveriam se beneficiar do dinheiro do setor público. (Tradução de Sabino Ahumada)

*Paul De Grauwe é professor de Economia Política Europeia do Instituto Europeu da London School of Economics.

**Yuemei Ji é professora associada de Economia na University College London.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Quanto o bolsonarista presidente do Banco Central já transferiu do BC para os bancos comerciais com a elevadíssima taxa de juros que está mantendo? É também sobre isto que Lula falava ao criticar esta taxa excessiva, a MAIS ALTA DO MUNDO! Que a maioria dos colunistas acha tão natural e necessária...