segunda-feira, 17 de abril de 2023

Gustavo Loyola* - Nunca é diferente

Valor Econômico

Os problemas trazidos pelo SVB mostram que lições das crises passadas acabam sendo esquecidas

Em seu livro “Oito séculos de delírios financeiros - desta vez é diferente”, os economistas Kenneth Rogoff e Carmen Reinhardt, a partir de minucioso e amplo estudo de oito séculos de crises financeiras, concluem que há um padrão repetitivo nesses episódios e que governos e agentes de mercado têm memória curta, o que facilita a repetição cíclica de períodos de euforia financeira que terminam em desastres que afetam de maneira sistêmica a economia.

Os mercados financeiros são propensos a ciclos extremos. Esse tipo de comportamento cíclico foi extensamente estudado pelo economista pós-keynesiano Hyman Minsky, cuja obra, infelizmente, não mereceu a devida atenção na academia e, principalmente, entre os formuladores de políticas públicas. A partir de seu trabalho foi cunhada a expressão “momento Minsky” que justamente descreve a situação do fim de um período de otimismo excessivo, em que os investidores foram incentivados a tomarem riscos excessivos, e cuja ocorrência leva ao colapso do mercado, com graves repercussões macroeconômicas. Repentinamente, o período da “mania” se transforma em pânico.

Esperava-se que a crise financeira de 2008/2009 - a pior desde a Grande Depressão de 1929 - tivesse ensinado lições aos agentes de mercado e trazido mudanças regulatórias suficientes para evitar o risco de ocorrência de episódios semelhantes no futuro. Contudo, tais expectativas se frustraram, pelo menos em parte, com a quebra do SVB e surgimento de problemas em outros bancos norte-americanos e europeus, ainda que um “momento Minsk” não tenha até agora se configurado.

Cabe relembrar que as causas da grande crise financeira de 2008/2009 foram tanto macroeconômicas como também microeconômicas. Segundo o diagnóstico do BIS, as primeiras se dividiriam em dois grupos: problemas associados ao acúmulo de desequilíbrios nos ativos “cross-border” e dificuldades criadas pela longo período de baixas taxas de juros reais. Por sua vez, as causas microeconômicas se enquadrariam em três grandes áreas: incentivos equivocados, problemas na medição de risco dos ativos financeiros e regulamentação inadequada. Cabe realçar que o BIS entendia que essas duas dimensões estavam estreitamente relacionadas, principalmente pelo canal de inovações tecnológicas e financeiras que geravam “booms” de crédito que terminavam em recessões.

A quebra do SVB e os problemas recentes de alguns bancos norte-americanos e europeus também têm causas macroeconômicas e microeconômicas, algumas bem semelhantes àquelas presentes na origem da crise de quinze anos atrás. Na esfera macroeconômica, a reversão da política monetária norte-americana após um longo período expansionista e o aumento da inflação impactaram a percepção de riscos dos investidores, principalmente em setores inovadores como o das “start-ups”.

Além disso, a subida dos juros provocou a queda do preços dos títulos longos, afetando o valor da carteira dos bancos que tinham esses papéis entre seus ativos e que não os marcavam a preços de mercado. A combinação desses eventos provou-se fatal para o SVB, cuja captação se concentrava no mercado de “start-ups” e que carregava expressiva carteira de títulos longos classificados como “mantidos até o vencimento” (“held to maturity”), embora servissem como reserva de liquidez.

À medida que os depositantes do banco sacavam seus recursos para enfrentar a nova situação macroeconômica, a instituição teve que se desfazer dos títulos, registrando perdas contábeis significativas, o que acabou gerando uma corrida contra o banco que somente não se alastrou mais porque o FDIC interveio e assegurou o pagamento de todos os passivos do banco em dificuldades, independentemente de seu valor.

Além das questões macroeconômicas acima apontadas, estão flagrantemente presentes no caso equívocos regulatórios e falhas de supervisão que permitiriam que a gestão de risco no SVB cometesse erros grosseiros, sem que qualquer tipo de ação corretiva ou sancionadora tivesse sido adotada por parte dos supervisores bancários. Uma das evidências mais gritantes da pobre gestão de risco do banco e a da frouxa supervisão está no fato de que o SVB, desde abril de 2022, estava sem um CRO efetivo.

Por outro lado, há indícios de que o foco nos bancos sistemicamente importantes (SIBs) - que nos EUA são apenas instituições com mais de US$ 250 bilhões em ativos - fez com que os supervisores minimizassem o risco sistêmico associado a bancos situados abaixo desse patamar, como foi o caso do SVB, que tinha “apenas” cerca de US$ 212 bilhões em ativos. Cabe notar que esse elevado limiar de US$ 250 bilhões veio na gestão Trump para “corrigir” um dos supostos exageros da Lei Dodd-Frank que o havia fixado em US$ 50 bilhões.

Em suma, crises financeiras são substantivamente iguais, independentemente de época ou local. Os problemas trazidos pelo SVB mostram que lições das crises passadas acabam sendo esquecidas e que, na hora “H”, as autoridades financeiras se mantêm presas no dilema de ter de optar entre duas escolhas ruins: o risco de uma crise sistêmica ou a criação de “moral hazard” no mercado financeiro.

*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.

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