Folha de S. Paulo
Imputar crime a críticas sobre discursos de
movimentos sociais revela fraqueza argumentativa e autoritarismo
O anúncio de uma série da HBO Max baseada no universo do
personagem Harry Potter foi
acompanhado de pedidos de boicote por parte da audiência. O motivo? A autora da
saga, J.K. Rowling, seria transfóbica.
Boicotar é recurso válido no livre mercado. Se uma empresa usa trabalho
escravo, consumidores podem escolher outra e aconselhar que os demais façam o
mesmo.
Contudo, no caso em tela, é curioso que a ação se deva a uma opinião que não faz parte do conteúdo da série e tampouco é criminosa.
Desde 2020, Rowling sofre cancelamentos por criticar discursos que
menosprezam o aspecto biológico do sexo, como: "Se sexo não é real, a
realidade vivida por mulheres ao redor do mundo é apagada. Apagar o conceito de
sexo remove a habilidade de muitos discutirem suas vidas de forma
significativa. Não é ódio dizer a verdade".
Em entrevista, o biólogo Richard Dawkins disse que Rowling sofre "bullying" e
que, para a ciência, sexo é binário: "Há apenas dois sexos". Afirmou
ainda que o tema foi capturado por uma minoria que produz discursos sem
sentido.
Jornais, inclusive no Brasil, afirmam que
as falas são de fato transfóbicas. Se a acusação vale para a escritora, pode
valer para qualquer um.
Mas, segundo decisão do STF que
criminalizou a transfobia enquadrando-a na lei de racismo, impedir acesso a
lojas, negar trabalho, ofender ou agredir transexuais, com razão, é crime, mas
criticar teses e conceitos do movimento ativista não.
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A legislação é sensata, já que pessoas são
agredidas, ideias não. Caso contrário, seria impossível criticar o catolicismo,
o fascismo ou qualquer outra linha de pensamento —o que travaria o livre debate
público necessário, nas democracias modernas, para que nos aproximemos da
verdade e encontremos soluções para os problemas que nos cercam.
Não é preciso acusar crime (transfobia)
para demonstrar que uma ideia está errada. Na verdade, isso apenas revela
fraqueza argumentativa e autoritarismo do acusador.
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