segunda-feira, 17 de abril de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Senado tem de vetar mudanças na Lei da Mata Atlântica

O Globo

Emendas em MP aprovada na Câmara com aval do Planalto afrouxam controle de desmatadores

Restam apenas 24% da cobertura vegetal nativa da Mata Atlântica, mas ainda há quem queira continuar a derrubá-la. A mais nova manobra dos desmatadores ocorreu no Congresso, com a conversão em lei da Medida Provisória (MP) 1.150, emitida ainda no governo Bolsonaro.

A MP foi o veículo usado por parlamentares a serviço dos interesses dos desmatadores para anexar emendas sem relação direta com o teor do texto, os proverbiais “jabutis”. O objetivo era alterar o artigo 14 da Lei da Mata Atlântica, de 2006, para facilitar o desmatamento, sob o pretexto da execução de projetos de turismo, estradas, atividades agropecuárias e toda sorte de obras que põem em risco o meio ambiente.

Relatada pelo deputado Sergio Souza (MDB-PR), a conversão da MP em lei, da forma como foi feita, representa, nas palavras de Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, o “sonho de consumo” da bancada da Câmara a serviço dos interesses de desmatadores.

Numa prova da fragilidade do governo Lula na Câmara, o Planalto aceitou a proposta de manter o texto como está, com o enfraquecimento da Lei da Mata Atlântica. Em troca, deputados do União Brasil firmaram o compromisso de que, se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetar trechos da lei depois de ela passar pelo Senado, os vetos não serão derrubados no Congresso. O melhor teria sido não aceitar tal barganha. Mas o Planalto, sem base parlamentar confiável, preferiu acolher os estranhos termos do acordo, cumprido com o voto do PT. A escolha de Efraim Filho (União-PB) para relatar o projeto no Senado não anima os ambientalistas.

É lamentável que Lula tenha de impor vetos à lei. De acordo com Ribeiro, por ocasião da tramitação do Código Florestal, a presidente Dilma teve de vetar trechos, e a lei virou uma “colcha de retalhos”. “No Congresso parece que a terra ainda é plana”, diz Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da SOS Mata Atlântica.

Ele considera — com razão — um contrassenso revogar a proteção da Mata Atlântica, enquanto a Noruega, um dos financiadores do Fundo Amazônia, avisou que voltará a apoiar projetos ambientais no Brasil por confiar na promessa do governo de combater o desmatamento. Em nota técnica enviada aos parlamentares, a SOS Mata Atlântica lembra que Curitiba enfrentou uma seca de quatro anos por ter permitido o desmatamento nas cabeceiras e proximidades dos rios.

As emendas à MP permitem, entre outros retrocessos, a destruição de vegetação primária e secundária em regeneração avançada sem a necessidade de parecer técnico de órgão ambiental estadual (a função passará aos municípios, mais permeáveis a pressões). Também prorroga pela sexta vez o prazo para produtores rurais se inscreverem no Programa de Regularização Ambiental (PRA), tornando sem efeito esse dispositivo do Código Florestal.

Uma alternativa em estudo pela SOS Mata Atlântica é arguir a inconstitucionalidade na tramitação da lei. Por ser uma legislação especial, qualquer mudança na Lei da Mata Atlântica teria necessidade de passar pelas comissões de Constituição e Justiça e de Meio Ambiente antes de ir a plenário. Não foi o que aconteceu. Está aberta, portanto, a porta para a judicialização. Claro que a melhor alternativa é o Senado, Casa revisora do Congresso, restabelecer o bom senso e manter o texto original da Lei da Mata Atlântica.

Ocidente não deve aceitar arbítrios da China contra uigures até fora do país

O Globo

Depois de relatório devastador da ONU, jornal denuncia espionagem de exilados da minoria étnica

Em agosto do ano passado, em seu último dia no posto de Comissária dos Direitos Humanos das Nações Unidas, Michelle Bachelet, ex-presidente chilena, divulgou relatório devastador, com acusações gravíssimas de crimes contra a humanidade atribuídos à China na repressão à minoria étnica uigur, muçulmanos que habitam o Noroeste do país, sobretudo a província de Xinjiang.

O relatório confirmou denúncias feitas há anos por organizações de direitos humanos sobre pressão psicológica, tortura, violência sexual e internação em “campos de reeducação”, similares aos criados na União Soviética para doutrinar quem fosse considerado ameaça ao comunismo. Embora tivesse chamado a atenção mundial para os arbítrios chineses contra os uigures, o documento teve pouca consequência, já que a China é membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, com poder de veto sobre qualquer resolução.

No início da semana, uma nova denúncia pôs em evidência o drama dos uigures. De acordo com relatos publicados pelo jornal britânico Financial Times (FT), os serviços de inteligência chineses exercem pressão até sobre uigures que já saíram da China. É o caso de Yasin Üztürk, que vive desde 2016 em Istambul, Turquia, onde ganha a vida com uma barbearia. De acordo com o FT, ele evitava protestos políticos e nada falava sobre os abusos em Xinjiang.

Apesar do cuidado, surpreendeu um dos clientes tirando fotos suas escondido. No celular, encontrou imagens da barbearia e mensagens de um espião chinês pedindo mais informações sobre o barbeiro e ordenando que “terminasse o trabalho”, um termo dúbio, ameaçador. “Todo mundo suspeita do outro”, diz Üztürk. Natice, mulher dele, acredita que as conversas na barbearia interessam aos espiões.

A experiência de Üztürk é compartilhada por centenas de milhares de uigures que saíram da China em busca de paz e segurança, revela uma pesquisa da Universidade de Sheffield com 120 uigures residentes na Turquia e no Reino Unido. A repressão é ampla. Os residentes no exterior não apenas são pressionados a nada falar sobre abusos em Xinjiang, mas também convocados de várias formas a ser informantes. Se recusam, diz a pesquisa, a família sofre ameaças na China. Se colaboram, facilita-se o contato com os parentes em Xinjiang. A reportagem do FT informa que 80% dos 50 mil uigures na Turquia já foram ameaçados para ficar calados ou entrar para a rede de informantes.

As acusações contra a China revelam a faceta mais nefasta da potência em ascensão e maior parceiro comercial do Brasil, sob o regime autoritário de Xi Jinping. Não há dúvida de que o Ocidente terá de aprender a conviver com esta China. Mas não pode transigir na denúncia e no combate a atos hediondos como a perseguição aos uigures.

Melhor, com riscos

Folha de S. Paulo

Economia global resiste, mas juros são ameaça; Brasil tem perspectiva modesta

A mais recente revisão do cenário mundial feita pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) sugere resiliência do crescimento econômico e queda gradual da inflação, mas com riscos importantes para o restante deste ano e para 2024.

Em relação à projeção de outubro do ano passado, a expectativa para o avanço do Produto Interno Bruto global subiu de 2,7% para 2,8%. Embora se observe uma desaceleração em relação ao ritmo do ano passado, de 3,4%, a análise indica permanência da demanda nas maiores economias.

Nas três principais regiões, a situação é melhor que a esperada há alguns meses. Nos Estados Unidos ainda se vê sustentação em razão da poupança acumulada pelas famílias durante a pandemia; na Europa não ocorreu uma crise de energia em razão do inverno ameno; na China observa-se uma retomada importante depois do relaxamento das restrições sanitárias.

O gigante asiático deve crescer 5,2% neste ano, depois de amargar apenas 3% em 2022. O impacto positivo chinês se estende para o conjunto dos países emergentes, que também devem ter bom desempenho, com alta de 3,9% em 2023.

A instituição projeta em seu cenário-base uma continuidade dessa trajetória de retomada no ano que vem, quando a economia mundial aceleraria para 3%. Tal resultado seria muito positivo, mas há alertas importantes.

Os principais riscos para uma recaída recessiva derivam da lenta queda da inflação e dos impactos defasados do aperto monetário, sobretudo nos EUA, onde os juros subiram de zero para 5% ao ano em pouco mais de 12 meses —o que já provoca estresse financeiro, evidenciado pelos problemas em bancos regionais mais frágeis.

A inflação mundial deve cair de 8,77% em 2022 para 7% agora e 4,9% em 2024, patamar ainda desconfortável diante das metas dos principais bancos centrais. A força do emprego e dos salários pressiona os preços dos serviços.

Por isso, as taxas de juros devem permanecer altas nos principais centros financeiros, com consequências difíceis de prever. Depois de uma década de juros muito baixos (2008-2019), não se sabe como a contração monetária ainda em curso impactará a saúde de bancos e das empresas.

O ambiente ainda é perigoso, portanto. Para o Brasil, o cenário do FMI é de crescimento baixo neste ano, de apenas 0,9%, mas haveria uma melhora em 2024, para 1,5%.

Construir tal caminho, e idealmente superar o prognóstico, dependerá de boa condução local da política econômica. Eliminar quaisquer dúvidas sobre o equilíbrio fiscal e conduzir reformas, sobretudo a tributária, são os objetivos essenciais neste momento.

Viagem infernal

Folha de S. Paulo

Prevenção e agilidade do Judiciário podem conter alto índice de tráfico humano

"Fiquei no porão 9 meses e 28 dias". Esse é o relato da brasileira Luana Maciel, 39, vítima de tráfico internacional de pessoas na Flórida, nos EUA. "Ficávamos no porão e só podíamos subir com a permissão dele. Não podíamos sair sozinhas, falar com vizinhos. Ele guardava os nossos passaportes e o cartão de crédito", conta a sobrevivente.

Apesar de chocante, o caso de Maciel não é isolado. Entre 2011 e 2019, de acordo com boletim do Ministério de Saúde, 1.302 episódios de tráfico de pessoas foram registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação.

Segundo a lei brasileira, o crime se caracteriza por "agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso" para finalidades que vão de exploração sexual a remoção de órgãos e trabalho análogo à escravidão.

Observar as circunstâncias subjacentes ao tráfico e punir seus perpetradores são medidas essenciais.

Um dos principais gargalos é a duração média dos processos judiciais no Brasil, de cerca de 11 anos. Foi o que concluiu um estudo feito em parceria entre a Organização Internacional para as Migrações, o Conselho Nacional de Justiça e a Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Universidade Federal de Minas Gerais, que analisou a fundo 144 ações penais no país envolvendo tráfico internacional de pessoas.

A morosidade flagrante expõe a falta de preparo técnico das instâncias policiais e de Justiça, tanto aqui quanto nos países onde as vítimas são mantidas em privação de liberdade. Entre os principais destinos, estão Espanha, Portugal, Itália, Suíça, Suriname, Estados Unidos e Israel.

A maioria das vítimas é mulher (688 de 714 pessoas ao todo), e 97,22% dos casos envolviam exploração sexual. Fortalecer canais de cooperação internacional para prevenção e identificação de tráfico humano é fundamental.

Embora importante, a punição não é suficiente. Muitas vezes, os agenciadores são pessoas próximas, como cônjuges, namorados, amigos e até familiares.

Os criminosos ganham a confiança das vítimas aos poucos, com promessas de melhores condições de vida em outro país. Identificar cedo os sinais de alerta e ter acesso a uma rede de apoio pode ajudar a impedir que graves infrações aos direitos humanos, como o caso de Maciel, se repitam.

Razão e sensibilidade

O Estado de S. Paulo

O combate à violência nas escolas requer sensibilidade, inteligência e responsabilidade.

Brasil afora, incontáveis mães e pais estão em pânico após os episódios de violência extrema em escolas de São Paulo e Santa Catarina. A disseminação de boatos sobre a ameaça de novos ataques, graças à ganância e à irresponsabilidade criminosa de empresas de tecnologia como o Twitter, entre outras, só faz aumentar o desespero de todos os que têm filhos em idade escolar.

O medo e a sensação de impotência desses pais, sentimentos que levaram muitos deles a suspender a ida de seus filhos às escolas, são absolutamente legítimos diante de circunstâncias tão dramáticas. Afinal, não há quem não se apavore apenas por pensar na perspectiva de ter um filho assassinado enquanto brinca com os amigos no pátio da escola ou assiste às aulas em uma manhã qualquer.

O que é inaceitável é a exploração desses sentimentos por quem, ainda que não tenha a intenção, sucumba à lógica do terrorismo, propondo soluções simples – e erradas – para um problema que é sabidamente complexo.

É muito tentadora, por seu forte apelo às emoções parentais, a ideia de subir muros, instalar detectores de metal ou distribuir seguranças armados pelos pátios escolares. Mas essas são medidas que, quando muito, só oferecem um conforto momentâneo para corações aflitos. A sociedade precisa ser engajada em um debate honesto sobre soluções duradouras para o problema, sem reducionismos.

Na contramão da abordagem simplista, o presidente Lula da Silva mobilizou seu governo na direção que este jornal considera ser a correta para o enfrentamento da violência nas escolas. Lula determinou que o ministrochefe da Casa Civil, Rui Costa, organize uma reunião no próximo dia 18 envolvendo ministros, os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, todos os governadores e representantes dos prefeitos. O objetivo do encontro é realizar o que o presidente chamou de “reflexão nacional” sobre os ataques nas escolas e estudar como cada ente pode contribuir para evitar novos ataques e acalmar a população.

A união entre as cúpulas dos Poderes e os entes federativos demonstra o acerto da dimensão dada pelo governo ao problema da violência nas escolas. Também é correto o diagnóstico de que as saídas dependem de uma abordagem responsável e multidisciplinar da questão. Ao Estadão, Rui Costa enfatizou que “não se trata só de uma questão policial, de segurança, mas de algo muito mais complexo”. No Estado de São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas e o prefeito da capital, Ricardo Nunes, demonstraram ter a mesma compreensão de que a solução do problema da violência nas escolas passa pela promoção de uma “cultura de paz” e de ações preventivas, como o reforço do atendimento psicossocial à comunidade escolar, entre outras medidas.

A violência nas escolas, de fato, não é algo que se resolva distribuindo agentes armados intra ou extramuros. Ao contrário: mais armas podem provocar mais mortes. Fortificar instituições de ensino deturpa o papel do ambiente escolar na formação dos pequenos cidadãos. Ademais, as ameaças, na esmagadora maioria dos casos, estão dentro das próprias escolas e não raro escapam do radar de pais, professores e psicólogos.

Crianças e adolescentes escondiam seus medos, raivas, angústias e decepções em diários de papel, ao abrigo de olhos curiosos. Há muito, isso ficou para trás. Hoje, raros são os jovens que não expõem suas intimidades nas redes sociais. Portanto, é possível monitorá-los e avaliar comportamentos que fujam do padrão. Nesse sentido, chamar as empresas de tecnologia à responsabilidade é chave para a solução do problema. De acordo com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, as redes sociais serão cobradas por “proatividade” na identificação e remoção de conteúdos que estimulem a violência. Longe de ser a única, trata-se de medida de suma importância para evitar novos massacres nas escolas, pois a exposição é uma das forças motrizes dos extremistas homicidas.

O pânico nunca é um bom conselheiro. O bom combate à violência nas escolas requer sensibilidade, inteligência e, principalmente, responsabilidade.

À espera do Desenrola

O Estado de S. Paulo

Empobrecida, a classe média ainda aguarda medidas que a ajudem a se recuperar da pandemia, do crescimento pífio e da recessão. Voltar a ter acesso a crédito talvez seja a principal

Com muita razão, o presidente Lula da Silva cobrou mais agilidade do governo para finalizar os detalhes do Desenrola, programa de renegociação de dívidas que visa a reduzir a inadimplência das pessoas físicas e impulsionar a economia. “Vamos desenrolar, pelo amor de Deus”, disse o petista, dirigindo-se ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

O atraso no Desenrola impediu que o plano figurasse entre as promessas de campanha cumpridas na cerimônia de balanço dos 100 primeiros dias da gestão de Lula. A proposta, anunciada para rebater a principal bandeira de Ciro Gomes (PDT) na disputa eleitoral, estava prevista para ser lançada em fevereiro, mas até agora não saiu do papel. O secretário de Política Econômica

da pasta, Guilherme Mello, disse que o programa estaria conceitualmente pronto, pendente apenas de soluções técnicas a serem resolvidas nos próximos meses. Mas tudo indica que esses problemas não parecem ter solução tão simples.

A ideia do governo é criar condições para que a plataforma digital do Desenrola permita a realização de um leilão em bloco das dívidas. De um lado, credores, como concessionárias de serviços públicos e varejistas, ofereceriam desconto sobre as dívidas de pessoas físicas; de outro, bancos e instituições financeiras quitariam esses débitos e passariam a cobrar os devedores inadimplentes por meio de novas operações, mais baratas e com prazos mais longos.

O governo, no entanto, só poderia garantir dívidas para pessoas com renda de até dois salários mínimos e dívidas de até R$ 5 mil. O Tesouro teria condições de oferecer garantias entre R$ 11 bilhões e R$ 15 bilhões. O restante seria lastreado em créditos tributários das instituições financeiras, estimados em cerca de R$ 100 bilhões.

Muito além das dificuldades operacionais para fazer credores e devedores se encontrarem na plataforma digital, uma desculpa no mínimo esdrúxula, as incertezas dos bancos sobre a viabilidade das operações sem garantia do Tesouro estariam por trás do atraso no lançamento do programa. No governo, há quem preveja o Desenrola apenas para o segundo semestre deste ano, algo inaceitável ante os recordes de inadimplência que têm sido registrados nos últimos meses.

Enquanto o governo bate cabeça na operacionalização do Desenrola, dados mais recentes da Serasa indicam que 70,5 milhões de brasileiros estavam com o nome sujo na praça em fevereiro – 430 mil a mais que no mês anterior. O número só cresce ao menos desde janeiro do ano passado e retroalimenta a inadimplência das empresas, que passaram a enfrentar novas restrições desde a fraude bilionária das Lojas Americanas.

Despesas típicas de início do ano, como pagamento de impostos e reajuste de mensalidades escolares, contribuíram para apertar ainda mais o orçamento dos brasileiros. Na média nacional, 43,36% da população adulta está inadimplente, mas Estados como Rio de Janeiro, Amazonas e Amapá já registram índices superiores a 52%.

Com inflação em rota de desaceleração, mas ainda elevada, juros altos e sem perspectiva imediata de redução e renda ainda distante de uma recuperação digna de nome, parece evidente que o cenário requer uma atuação prioritária do governo. Renegociações realizadas por instituições privadas não darão conta de reverter esse cenário.

O comportamento mais benigno do IPCA, que registrou alta de 4,65% nos 12 meses encerrados em março, finalmente dentro do intervalo de tolerância da meta de inflação, aliado à apresentação do novo arcabouço fiscal pelo governo, foi bem recebido pelo mercado financeiro e derrubou a cotação do dólar à vista a menos de R$ 5,00. Na outra ponta, famílias mais vulneráveis têm sido assistidas com a reformulação do Auxílio Brasil e sua reconversão ao Bolsa Família.

Empobrecida e endividada, a classe média ainda aguarda políticas públicas que a ajudem a se recuperar de anos que alternaram crescimento pífio e recessão, agravados pelos efeitos da pandemia de covid-19. Voltar a ter acesso ao crédito talvez seja a principal e a mais efetiva delas.

Ameaça de protecionismo

O Estado de S. Paulo

Relatório suíço mostra que desequilíbrios econômicos e tensões políticas elevam restrições comerciais

A preocupação com a desaceleração econômica neste ano e com a inflação maior está levando governos mundo afora a adotar restrições a exportações de produtos essenciais como alimentos, medicamentos, combustíveis e matérias-primas minerais. Essa tendência já tinha sido constatada durante a pandemia, mas se acelerou com a invasão da Ucrânia pela Rússia, há pouco mais de um ano. Também se constata maior número de barreiras às importações de bens essenciais em uma tentativa de alguns países de incentivar investimentos na produção local desses produtos. É o que demonstra relatório da Global Trade Alert, entidade criada em 2009 para monitorar o protecionismo global, ligada à Universidade de St. Gallen, na Suíça.

O comércio internacional já apresenta um movimento significativo de redução de ritmo de negócios e as perspectivas não são de melhora para os próximos meses. A Organização Mundial do Comércio anunciou há dias que prevê um aumento modesto, de apenas 1,7%, no crescimento do comércio entre países, depois de uma expansão de 2,7% no ano passado.

Para o Brasil, qualquer notícia sobre mais protecionismo não é, obviamente, boa. Entraves às exportações adotados por outros países podem tanto dificultar a compra no exterior de insumos dos quais o País é dependente, como na área da saúde, como o encarecimento das importações, com impacto inflacionário.

O País depende de importações em setores muito sensíveis da economia, a começar pelos derivados de petróleo. Como se sabe, o Brasil é o nono maior produtor de petróleo do mundo, segundo levantamento de 2022 do Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás, e exporta muito o produto. Mas, por causa das suas deficiências de refino, é também grande importador de derivados. Qualquer maior dificuldade à compra de gasolina e outros derivados desorganiza o segmento, já bastante afetado pelo recente anúncio de cortes na produção por países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e pelas informações desencontradas sobre a política de preços da Petrobras. Outra área em que o Brasil é altamente dependente de matérias-primas e equipamentos é o segmento de saúde: o governo calcula que o déficit da balança comercial nessa área chega a US$ 20 bilhões ao ano.

Além disso, obstáculos às exportações brasileiras são sempre fator de preocupação para empresários e governo. As exportações constituíram-se num fator decisivo de crescimento do Brasil nos últimos anos, com destaque para o agronegócio e a mineração. Cresce o número de pequenas e médias empresas que vendem ao exterior, o que ajuda a reduzir desigualdades regionais.

Nas entidades mundiais, mais especificamente na Organização Mundial do Comércio, é preciso que o Brasil mantenha uma posição de combate ao protecionismo nas suas variadas formas. É compreensível que os governos queiram se preservar de impactos inflacionários que venham de fora, mas existem regras estabelecidas nos fóruns internacionais que precisam ser obedecidas. É fundamental uma presença marcante na defesa dos interesses do País.

Lula se afasta do rumo do não alinhamento externo

Valor Econômico

O Brasil, que trilhava caminho próprio independente, está tentado, sob Lula, a escolher o lado do Sul global, que serve objetivamente aos interesses chineses

Com o primeiro conflito armado entre dois países em solo europeu desde a Segunda Guerra - a invasão da Ucrânia pela Rússia -, e o cisma cada vez mais profundo entre as duas maiores economias do mundo - Estados Unidos e China - a ordem política mundial está mudando e colocando enormes desafios para todos os países. O Brasil, uma potência média, sem poder para influir decisivamente nos dois conflitos, construiu posições temerárias em ambos.

O presidente Lula, antes e durante a viagem à China, deu declarações improvisadas que se chocam com a gravidade da situação geopolítica global. Às vésperas de embarcar para o encontro com o presidente Xi Jinping, Lula e depois de propor um “clube da paz” para mediar uma saída pacífica para o confronto entre Rússia e Ucrânia, Lula afirmou que o líder ucraniano Volodymyr Zelenski não poderia ter “tudo o que quer”. Zelenski quer, em primeiro lugar, que parte de seu território, invadido e arrasado pelas forças russas, lhe seja devolvido.

Hoje, Lula recebe Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores de Vladimir Putin, eterno mandatário da Rússia, que teve ordem de prisão expedida pelo Tribunal Penal Internacional. Celso Amorim, assessor especial de Lula, encontrou-se reservadamente com Putin, às voltas agora com a acusação de que envenena na prisão o mais famoso ativista da oposição, Alexei Navalny, detido por acusações forjadas, típicas de um regime governado por um ex-agente da KGB.

A proposta de “clube da paz” de Lula foi recebida com benevolência por Joe Biden e sem qualquer entusiasmo por Xi Jinping que, em comunicado conjunto da visita, incentivou o presidente brasileiro a continuar tentando - e não mais que isso. “A China recebeu positivamente os esforços do Brasil em prol da paz. As partes apelaram a que mais países desempenhem papel construtivo para a promoção da solução política da crise na Ucrânia”, registra o comunicado.

Ainda sobre a Ucrânia, em visita oficial a um país em litígio com os EUA, Lula disse que Washington e os líderes europeus não têm interesse na paz e fez menções positivas à iniciativa chinesa, que pede cessação das hostilidades, mas não a retirada das tropas russas. Utilizou a visita a uma instalação da gigante de tecnologia Huawei para criticar indiretamente o governo americano. “Queremos dizer ao mundo que não temos preconceito com o povo chinês. E que ninguém vai proibir que o Brasil aprimore sua relação com a China”, disse Lula. Os EUA alegam um problema de segurança nas relações com as empresas chinesas, sempre sob alcance da influência tentacular de Pequim, e não de preconceito contra o povo chinês.

Em cerimônia de posse de Dilma Rousseff no comando do Novo Banco de Desenvolvimento dos Brics, Lula entrou sem cerimônia por território alheio a seus conhecimentos. “Toda noite me pergunto por que todos os países precisam fazer seu comércio lastreado no dólar”, afirmou. É possível pregar com bons argumentos o uso de outras moedas para o comércio internacional, até mesmo que Brasil e China façam isso, mas não é possível ignorar que a moeda chinesa não é usada em trocas amplas internacionais porque a China é uma ditadura, com mercado fechado, que controla o câmbio e o leva para aonde ditar seus interesses econômicos. Por tudo isso, não é uma moeda confiável.

O objetivo claro de Lula é o de “ junto com a China (...) equilibrar a geopolítica mundial”. Os Brics são parte dessa tentativa, mas o bloco não é mais o mesmo de 2008 quando foi criado. A China pretende usá-lo de ariete na disputa com os EUA e quer ampliá-lo a mais países. China e Rússia tentam atrair o Brasil para o mesmo caminho, tornando-o um bloco ideológico com dinheiro suficiente para comprar lealdades.

Alinhar ideologicamente o Brasil aos interesses chineses, como faria o PT sem piscar os olhos, traria mais prejuízos que ganhos ao país. Em termos econômicos, seria quase a mesma coisa. O Brasil tem com a China relação semi-colonial: vende bens primários e compra bens industrializados. Europa e EUA são seu segundo e terceiro maiores parceiros comerciais e formam aliança instável contra Pequim. Nessa perigosa nova ordem em construção, a China sabe exatamente o que quer. O Brasil, que trilhava caminho próprio independente, está tentado, sob Lula, a escolher o lado do Sul global, que serve objetivamente aos interesses chineses.

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