Revista Será? (PE)
Difícil compreender qual o papel que um país tem no jogo
internacional. Como melhor se posicionar num mundo competitivo em que, queiram
ou não, as relações comerciais se fazem presentes e são determinantes das
condições de vida e riqueza de uma nação. Muitos são os aspectos a considerar,
sejam econômicos, sociais, políticos, ambientais e mesmo ideológicos. A
política externa é determinante para o modelo de desenvolvimento adotado e as
tendências de uma economia capitalista.
As críticas à maneira como um país se insere são várias e,
atualmente, chegam a ser ostensivas. Conversar com Venezuela, Cuba e Nicarágua
é um crime de lesa a Pátria, dizem os analistas e a mídia especializada.
Parte-se da ideia de que o Brasil é o guardião de conceitos pouco
claros como Democracia Liberal e, portanto, deve condenar e se afastar de
qualquer país que não siga esse ideário. Também, deve ser o arauto dos Direitos
Humanos e como tal condenar veementemente qualquer país que os
transgrida.
Somos defensores intransigentes desses direitos, mas, não conheço nenhum país que colocou essa questão de princípios acima de seus interesses econômicos, vejam, por exemplo, as relações dos Estados Unidos com a Arábia Saudita, ou da Rússia com a Síria. Deve-se discordar e expressar as discordâncias, mas, deixar de relacionar-se civilizadamente em nada contribui para alterar a situação, cria barreiras que dificultam em muito o comércio e a estratégia de integração, além de colocar-nos como apêndices da política externa dos países centrais e seus interesses.
Em 1989, com a queda do Muro de Berlim, acreditou-se que o mundo
entrava numa nova era em que a Hegemonia Americana era determinante das relações
internacionais. Um Mundo Unipolar em que as diretrizes da política externa dos países
passariam necessariamente pelas orientações que de lá viessem. As relações
econômicas teriam que se adequar a esse modelo. E nele, a globalização
atingiria seu ápice, as vantagens competitivas dos países seriam os únicos
parâmetros a nortear o comércio internacional.
No entanto, com o surgimento da China como potência, este cenário
se reverte e novos fatores passam a ser fundamentais. A geopolítica
internacional agrega aspectos de liderança e poder em diferentes espaços, as
novas tecnologias são armas importantes de dominação e influência. Escalas
jamais vistas de produção, novas cadeias de suprimento modificam o panorama
internacional e fazem repensar o papel a desempenhar neste novo mundo.
A revolução tecnológica em andamento aponta para novos processos,
entre eles a Manufatura 4.0 e uma nova matriz tecnológica. Novos campos
tecnológicos se apresentam: novos materiais surgem, a nanotecnologia se
aprofunda, a biotecnologia passa a ser a base da agricultura moderna, novas
fontes de energia vão ganhando espaço, entre outros. E, neste mundo que vai se
configurando, tecnologia passa a ser fator chave. Automação,
controles e interconectividade são sua lógica, seu modelo dinâmico de produção.
Os investimentos em setores dinâmicos da nova matriz, necessariamente, terão
neles a base produtiva e a inclusão das nações em situação privilegiada tem no
seu domínio fator decisivo.
Como dificilmente um país individualmente consegue acompanhar essa
dinâmica autonomamente, faz-se necessário que se articule e, dentro de suas
possibilidades reais, estruture espaço para uma efetiva participação. Surge,
então, importância fundamental de Alianças Estratégicas e Formação de
Blocos.
Numa análise do mundo atual pode-se notar que pelo menos três
grandes grupos de países têm lideranças de grandes potenciais. Sua integração
passa por fatores econômicos, mas não só, alianças políticas, segurança de
suprimento, identidade de povos e nações, entre outros, são relevantes.
O Estados Unidos continua sendo o grande líder do Ocidente, seja
pela potência econômica que é, seja pelo poderio militar, tecnológico e
diplomático que apresenta. Mas, vê sua liderança fortemente ameaçada pela China
que, nos anos recentes, teve forte penetração em diferentes mercados
periféricos como os das Américas e da África. Disputa extremamente aguerrida
que tem gerado conflitos e posições extremadas, além de restrições
empresariais, dos então ditos únicos hegemônicos.
Também, não se pode menosprezar a Comunidade Europeia e o papel
que Alemanha e França representam. E, nesse aspecto, a guerra atual da Rússia
com a Ucrânia mostrou a forte dependência desses países de suprimento externo.
Está se ressaltando que se inserir neste cenário não é fácil e passa
por uma estratégia bem definida. É este o ponto a discutir para o Brasil.
Nos últimos anos, abrimos mão dela, não definimos qual nossa
posição, por considerar apenas aspectos ideológicos e ver um fantasma dos
países que eram governados pela esquerda ou centro esquerda. Atrelamos nosso
papel no mundo às orientações vindas da América do Norte de Trump. Dificultamos
nossas relações com a China, com a América do Sul e com a África. Com isso,
nosso mercado externo se encolheu quase que apenas para commodities, esquecemos
importantes mercados em que tínhamos vantagens competitivas, inclusive para
manufaturados, como o Mercosul e países do continente africano. Pior, ignoramos
o papel que podemos desempenhar como ligação entre os grandes blocos, papel que
pode alavancar nosso comércio exterior.
O Brasil, estando no grupo de países fortemente influenciado pelos
Estados Unidos, tem, também, relações bastante intensas com a China, nosso
principal parceiro comercial hoje. Sendo isso verdade, tem-se a condição de ser,
efetivamente, uma ponte entre os dois Blocos, ser uma ligação dos mesmos. As
conexões serão sempre indispensáveis e trazem vantagens aos países que as
desempenham. Vejam, por exemplo, o papel que a Finlândia desempenhou na ligação
Ocidente/Oriente, Estados Unidos/Rússia.
Para exercer este papel alguns pré-requisitos são necessários. Em
primeiro lugar, fundamental exercer um papel de liderança com os periféricos.
Se legitimar como líder na América do Sul e Central, participar efetivamente
das articulações na África, região em que a China teve uma penetração
extraordinária, nos últimos anos.
Outro aspecto, muito relevante, é o das escalas de produção.
Blocos como o Mercosul Ampliado são fundamentais para tal. Não só porque nele
temos a vantagem de sermos a mais eficiente e sofisticada matriz produtiva
industrial, o que significa potenciais consumidores, mas, também por termos
complementaridades relevantes. Atingir escalas relevantes nas cadeias globais e
aproveitar nichos de mercado que a nova matriz produtiva vem criando passa por
uma consolidação dessas relações.
Ser um elo de ligação entre as dinâmicas dos dois grandes centros
da economia mundial, sem dúvida, é meta para ser alcançada e nos coloca em
posição vantajosa para a melhoria das condições econômicas do país.
Nesse cenário, uma mudança de postura já observada neste início de
Governo passa a ser básica. A questão ambiental e as questões de gênero, uma
visão ética que tenha no centro a valorização da sustentabilidade, são pontos
que fazem parte da agenda para a participação no novo contexto da globalização.
E, nesse aspecto, o terceiro centro, a Comunidade Europeia, é referência para
as principais cobranças que temos tido. A simples mudança de postura já vem
trazendo recursos e sua observação na prática pode ser importante eixo de
transformações e atrações de investimentos para o nosso país.
Por fim, mais um entrave a ser discutido. Evidentemente que o
direcionamento atual da política externa vai nessa direção. Mas, é fundamental
um planejamento de médio e longo prazo. Planejamento que tenha em sua raiz o
convencimento dos capitais que aqui atuam, ou venham a se interessar, de que
terão vantagens significativas se for exitoso esse rumo.
Nessa direção, importante mostrar o quão inconsequente são críticas
que não compreendem que o Brasil precisa resgatar a liderança na América do Sul
e Central, que nada se tem a ganhar com um isolamento em relação a países dos
quais discordamos de suas políticas internas, que interferências em outros
países podem ser indevidas e fragmentam alianças que são tão necessárias para
nossa inserção mundial.
As novas posturas apontam para uma posição que melhora em muito nossa inserção internacional, com fortes impactos na nossa economia e na sociedade.
*Graduado em Engenharia de Produção desde 1976, pela Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo, Mestre em Economia desde 1980, pela
Universidade Federal de Pernambuco e Doutor em Economia desde 1985, pela
Universidade Estadual de Campinas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário