O Globo
O sucesso ou o fracasso das reformas
francesas determinará a estabilidade da Zona do Euro
Exatos 20 anos atrás, em 16 de abril de
2003, a União Europeia (UE) firmava o tratado de acesso de dez países do antigo
bloco soviético. Nas duas décadas seguintes, a UE enfrentou crises profundas,
de natureza econômica e política. Mas a promessa original do projeto europeu —
a paz pela integração, no lugar da integração pela guerra — não perdeu seu
poder de atração.
A crise do euro, entre 2010 e 2012, abalou os pilares financeiros do bloco e acabou provocando novas iniciativas de integração fiscal, concluídas sob o impacto da pandemia de Covid-19. A ruptura britânica, deflagrada pelo plebiscito do Brexit, em 2016, que parecia anunciar a desagregação da UE, terminou comprovando a coesão do bloco.
A força da UE revela-se de formas
paradoxais. O voto dos britânicos decidiu o Brexit; hoje, clara maioria deles
expressa o desejo de reverter a cisão. Partidos da extrema direita cresceram
na França e
na Itália erguendo a bandeira da saída do bloco; hoje, moderaram seus discursos
e já não contestam a participação na UE. Mais de 70 anos depois do Tratado de
Paris, de 1951, que estabeleceu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço
(Ceca), com seis nações, a “Europa unida” tem 27 integrantes — e contam-se oito
países, inclusive a Ucrânia, na
fila de candidatos oficiais ao acesso.
O projeto de integração surgiu, em parte,
como reflexo da redução de poder geopolítico da Europa, acelerada pelas duas
guerras mundiais e pela decomposição dos impérios coloniais. Do Pós-Guerra para
cá, prosseguiu o declínio histórico de uma Europa espremida pela rivalidade global
entre os EUA e a China.
A demografia e a economia conspiram contra
os europeus. Entretanto, pelo menos no terreno crucial da transição energética,
a UE ocupa lugar de liderança mundial. O “Green Deal” europeu fixou a meta de
zero emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2050 e de redução em 55%
das emissões até 2030. O plano de recuperação econômico pós-Covid alocou € 600
bilhões para a transição a fontes energéticas limpas. A substituição de
combustíveis fósseis prossegue, mesmo sob o impacto do choque de oferta imposto
pela guerra na Ucrânia.
A Ceca nasceu sob o impulso da parceria
entre Alemanha e
França. Os dois países constituíram o motor do projeto europeu e de seu passo
mais ambicioso, a união monetária. Mas, para funcionar, ele depende da
manutenção de uma relativa paridade econômica entre os dois parceiros. Desse
imperativo surgiram as reformas econômicas de Emmanuel Macron. No regime de
moeda única, sem a alternativa de desvalorizar seu câmbio, a França precisa
elevar sua taxa de produtividade geral para manter a competitividade econômica.
O sucesso ou o fracasso das reformas
francesas determinará a estabilidade da Zona do Euro — e, por extensão, da
própria UE. A crise política detonada pela elevação da idade de aposentadoria
na França ameaça conduzir a Reunião Nacional, partido da direita nacionalista
de Marine Le Pen, à vitória nas eleições de 2024. Nessa hipótese, o motor
franco-alemão ficaria travado.
O Tratado de Maastricht, de 1992, inaugurou
a política externa e de segurança da UE. Contudo a ideia de uma estrutura de
defesa comum permaneceu na esfera dos sonhos franceses. A Alemanha priorizou a
proteção conferida pela Otan (na prática, pelos Estados
Unidos) e, desde o fim da Guerra Fria, aprofundou a cooperação
econômica com a Rússia,
especialmente no campo energético. A guerra na Ucrânia embaralhou todas as
cartas.
Três dias depois da invasão russa, o
chanceler Olaf Scholz anunciou um Zeitenwende, “ponto de reversão”, da política
externa alemã. O país comprometia-se com o piso de 2% de gastos militares
previsto pela Otan e engajava-se, ainda que com oscilações, no auxílio bélico à
Ucrânia. A guerra imperial russa escancarou o despreparo militar europeu. A
hipótese de retorno de um presidente isolacionista à Casa Branca evidenciou os
perigos gerados pela dependência do bloco em relação à segurança propiciada
pelos Estados Unidos. Os europeus almejavam a paz por meio da economia. Putin
ensinou-lhes que não terão a paz sem as armas.
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