Valor Econômico
No governo Lula 3, todos são sócios e
concorrentes entre si
O retorno de Lula, em decorrência da
anulação de suas condenações pelo Supremo Tribunal Federal, detonou uma
reconfiguração no jogo do poder tão significativa que a vitória sobre Jair
Bolsonaro foi apenas o primeiro capítulo de uma história que ainda terá muitas
reviravoltas até o final do seu mandato.
Terremoto que abalou as estruturas da
política brasileira, a Operação Lava-Jato decretou o fim da carreira de figurões
de Brasília e dizimou o patrimônio eleitoral de alguns dos partidos mais fortes
da República. De 2014 a 2018, muitos tentaram se apresentar como o novo e
ocupar o vazio provocado pelas prisões e acordos de delação premiada - até que
surgiu Bolsonaro.
Quando Lula deixou a prisão em Curitiba,
abriu-se a possibilidade concreta não apenas de sua volta à Presidência da
República, mas da restauração da ordem política institucional devastada pela
Lava-Jato e pela gestão de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto.
O terceiro mandato de Lula precisa ser interpretado como a passagem para um futuro que, em muitos sentidos, é também passado. E isso fica muito claro pelos lemas adotados nestes primeiros quatro meses de governo: “União e Reconstrução” e “O Brasil Voltou”.
A reabilitação eleitoral de Lula
representou uma injeção de ânimo no seu Partido dos Trabalhadores, que vinha
definhando desde as primeiras fases da Operação Lava-Jato e o impeachment de
Dilma Rousseff.
A campanha vitoriosa de Lula à Presidência
abriu os horizontes e ampliou as perspectivas para uma nova geração de
políticos petistas que estavam fadados a carreiras nos seus próprios Estados ou
restritas ao Legislativo. Muitos deles estão abrigados no ministério lulista -
Fernando Haddad, Rui Costa, Alexandre Padilha, Wellington Dias, Camilo Santana
- ou exercem papel de liderança no Congresso, como Gleisi Hoffmann.
O fenômeno se espraia por todo o campo da
esquerda, e representantes que se formaram fora dos quadros do PT também
integram o governo, como o ministro da Justiça Flávio Dino (antes do PCdoB e
agora no PSB), ou têm atuação de destaque no Senado e na Câmara, casos de
Randolfe Rodrigues (Rede) e Guilherme Boulos (Psol).
A possibilidade de volta de Lula a Brasília
também foi vista como uma oportunidade por políticos aparentemente condenados
ao ostracismo. O primeiro a perceber a viragem do vento foi Geraldo Alckmin,
cuja improvável aproximação com o petista resultou no convite a integrar a posição
de vice em sua chapa. Marina Silva, que como o ex-tucano teve uma votação
inexpressiva quatro anos atrás, aderiu no segundo turno - mesmo movimento feito
por Simone Tebet, terceira colocada em 2022.
Assim, a ideia de “União e Reconstrução”
perpassa não apenas a reconstrução dos laços de relacionamento com o
Legislativo e o Judiciário e a recuperação de políticas públicas descontinuadas
por Bolsonaro. Ao abrigar em seu ministério ex-candidatos à Presidência da
República e nomes promissores de outras siglas da esquerda, além de integrantes
do PT, Lula pretende fazer do seu terceiro mandato uma transição para um Brasil
de antes da Lava-Jato.
O risco desse movimento é que, ao buscar
demonstrar que esse “Brasil voltou”, Lula montou um governo repleto de candidatos
diretamente interessados na sua própria sucessão. E isso já fica explícito
nestes primeiros meses.
Virtual herdeiro eleitoral de Lula, pois
foi escolhido pelo líder petista para substituí-lo no pleito de 2018, quando
estava preso, Fernando Haddad já percebeu que, para ser bem-sucedido, precisa
tomar medidas no Ministério da Fazenda que vão além da agenda econômica
preferencial do PT.
Sua viabilidade política depende, de um
lado, da entrega de crescimento e queda do desemprego, mas também está vinculada
ao controle de inflação e à responsabilidade fiscal. Haddad sabe que, sem
construir uma imagem de credibilidade junto ao mercado e a setores mais
conservadores do eleitorado, seu teto são os 44,87% de votos obtidos no segundo
turno de 2018, uma marca insuficiente para ocupar a cadeira que hoje é de Lula.
Não é por outra razão que o atual ministro
da Fazenda aposta numa aliança com Simone Tebet, Geraldo Alckmin e Roberto
Campos Neto para emular a estratégia de seu antecessor Antonio Palocci, que
teria dado certo não fosse abatido pelo escândalo com o caseiro da mansão dos
lobistas.
Os maiores obstáculos em seu caminho, além
das adversidades do cenário econômico doméstico e internacional, vêm da ala
política do governo e do PT. De Gleisi a Rui, passando por Camilo, Wellington e
talvez até mesmo Padilha, há uma torcida para que o governo Lula entregue o que
prometeu a seu eleitorado em termos de políticas sociais, ganhos salariais e
transferências de renda, sem fazer concessões ao mercado ou ao eleitorado de
centro. Numa espécie de vestibular da esquerda, todos trabalham para ser
ungidos por Lula, caso Haddad fracasse.
Fora do PT, embora ainda à esquerda, Flávio
Dino é quem larga na frente ao assumir protagonismo na resposta ao 8 de Janeiro
e não se furtar ao embate direto com os bolsonaristas na mídia, nas redes e no
Congresso. Marina Silva tem agenda própria, apostando que o tema da
sustentabilidade ganhará importância e projeção crescentes nos próximos anos.
Estranhos no ninho, Geraldo Alckmin e
Simone Tebet correm por fora. Em troca do lastro de frente ampla que
emprestaram à candidatura e ao ministério de Lula, esperam ao fim dos próximos
quatro anos tornar seus nomes mais palatáveis aos eleitores de esquerda,
enquanto mantêm viva a lembrança de seus nomes junto aos “liberais na economia
e conservadores nos costumes”. Com pastas de orçamento e importância reduzidos,
suas margens de manobra são igualmente limitadas, contudo.
As chances de sucesso de cada uma dessas
alternativas dependem, é claro, de o governo dar certo. E, nesse sentido, todos
são sócios na mesma empreitada. Se cooperarem entre si, aumentam a
probabilidade de a escolha de Lula chegar forte em 2026. Mas os incentivos para
tentarem se destacar e puxar o tapete dos colegas são imensos. Esse é o dilema
do ministério de presidenciáveis de Lula.
*Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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