O Globo
Apesar do histórico de negligência do poder
público, as favelas resistem e sobrevivem, mostrando todo o seu poder
A sociedade se acostumou a enxergar as
favelas como espaços de vulnerabilidade social, de desigualdade e de abandono,
espaços que são sinônimo de “problema”. Por isso um evento como o Favela Power,
realizado no início deste mês, é tão importante.
Favelas são, de fato, territórios com
inúmeras carências, mas também são polos de criatividade, inovação e
empreendedorismo. Apesar do histórico de negligência do poder público, as
favelas resistem e sobrevivem, mostrando todo o seu poder.
A última edição do Favela Power reuniu
cerca de mil lideranças sociais de todo o país, além de empresas e
representantes do poder público, para discutir os grandes desafios da nossa
época pelo ponto de vista das periferias.
Os temas debatidos vão do ESG às mudanças climáticas, sempre buscando incluir a agenda da favela nessas discussões. Afinal, não faz sentido refletir sobre a prevenção de catástrofes ambientais sem levar em conta o contexto de pobreza que empurra tantas famílias brasileiras para regiões de risco.
É preciso escutar o que a periferia tem a
dizer, e o Favela Power serve justamente para amplificar as vozes de lideranças
sociais que estão todos os dias atuando na ponta, em contato direto com a
população mais afetada, para o bem ou para o mal, pelas políticas públicas.
A edição deste ano teve um sabor especial,
pois conseguimos fazer com que essa voz da favela chegasse ainda mais longe. Há
quase três anos, a Gerando Falcões vem desenvolvendo o projeto Favela 3D
(Digna, Digital, Desenvolvida), que busca construir uma metodologia mais
eficiente e definitiva de superação da pobreza. Implantamos o programa em
várias favelas do Brasil, mas a verdadeira vocação do Favela 3D sempre foi ser
um protótipo.
Cada passo do projeto foi construído de
baixo para cima, a partir dos anseios e necessidades da própria favela. Além de
absorvermos essa expertise das lideranças locais, investimos em inovação,
contratamos consultores, criamos softwares e ferramentas de integração de
sistemas, testamos muita coisa, erramos e acertamos.
Todo esse trabalho resultou num conjunto
enorme de dados objetivos, quantificáveis, a partir dos quais pudemos
desenvolver uma metodologia de combate à pobreza que comprovadamente funciona.
Faltava só dar escala ao programa, instrumentalizando os recursos e a
capilaridade do Estado.
Esse passo foi dado no Favela Power. Os
governadores Tarcísio de Freitas, de São Paulo, e Eduardo Leite,
do Rio Grande do Sul, assinaram um termo de cooperação com a Gerando Falcões
para a implementar o Favela 3D como política pública.
Essa parceria está só começando. Vamos nos
reunir com as secretarias dos governos para elaborar um orçamento, estabelecer
a estratégia de implementação do Favela 3D, modular os papéis do Estado, da
iniciativa privada e do terceiro setor. Há muito trabalho pela frente, mas a
assinatura do acordo envia duas mensagens importantes.
Em primeiro lugar, começaremos a tratar a
extrema pobreza como o que ela de fato é: algo intolerável, que há muitas
décadas já deveria existir apenas nos museus de História. Em segundo, a favela
pode e deve ser protagonista na elaboração das políticas que pretendem
viabilizar sua própria emancipação social.
Nenhum comentário:
Postar um comentário