segunda-feira, 17 de abril de 2023

Edu Lyra - De baixo para cima

O Globo

Apesar do histórico de negligência do poder público, as favelas resistem e sobrevivem, mostrando todo o seu poder

A sociedade se acostumou a enxergar as favelas como espaços de vulnerabilidade social, de desigualdade e de abandono, espaços que são sinônimo de “problema”. Por isso um evento como o Favela Power, realizado no início deste mês, é tão importante.

Favelas são, de fato, territórios com inúmeras carências, mas também são polos de criatividade, inovação e empreendedorismo. Apesar do histórico de negligência do poder público, as favelas resistem e sobrevivem, mostrando todo o seu poder.

A última edição do Favela Power reuniu cerca de mil lideranças sociais de todo o país, além de empresas e representantes do poder público, para discutir os grandes desafios da nossa época pelo ponto de vista das periferias.

Os temas debatidos vão do ESG às mudanças climáticas, sempre buscando incluir a agenda da favela nessas discussões. Afinal, não faz sentido refletir sobre a prevenção de catástrofes ambientais sem levar em conta o contexto de pobreza que empurra tantas famílias brasileiras para regiões de risco.

É preciso escutar o que a periferia tem a dizer, e o Favela Power serve justamente para amplificar as vozes de lideranças sociais que estão todos os dias atuando na ponta, em contato direto com a população mais afetada, para o bem ou para o mal, pelas políticas públicas.

A edição deste ano teve um sabor especial, pois conseguimos fazer com que essa voz da favela chegasse ainda mais longe. Há quase três anos, a Gerando Falcões vem desenvolvendo o projeto Favela 3D (Digna, Digital, Desenvolvida), que busca construir uma metodologia mais eficiente e definitiva de superação da pobreza. Implantamos o programa em várias favelas do Brasil, mas a verdadeira vocação do Favela 3D sempre foi ser um protótipo.

Cada passo do projeto foi construído de baixo para cima, a partir dos anseios e necessidades da própria favela. Além de absorvermos essa expertise das lideranças locais, investimos em inovação, contratamos consultores, criamos softwares e ferramentas de integração de sistemas, testamos muita coisa, erramos e acertamos.

Todo esse trabalho resultou num conjunto enorme de dados objetivos, quantificáveis, a partir dos quais pudemos desenvolver uma metodologia de combate à pobreza que comprovadamente funciona. Faltava só dar escala ao programa, instrumentalizando os recursos e a capilaridade do Estado.

Esse passo foi dado no Favela Power. Os governadores Tarcísio de Freitas, de São Paulo, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, assinaram um termo de cooperação com a Gerando Falcões para a implementar o Favela 3D como política pública.

Essa parceria está só começando. Vamos nos reunir com as secretarias dos governos para elaborar um orçamento, estabelecer a estratégia de implementação do Favela 3D, modular os papéis do Estado, da iniciativa privada e do terceiro setor. Há muito trabalho pela frente, mas a assinatura do acordo envia duas mensagens importantes.

Em primeiro lugar, começaremos a tratar a extrema pobreza como o que ela de fato é: algo intolerável, que há muitas décadas já deveria existir apenas nos museus de História. Em segundo, a favela pode e deve ser protagonista na elaboração das políticas que pretendem viabilizar sua própria emancipação social.

 

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