terça-feira, 8 de agosto de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Estrago da pandemia na educação exige reação rápida

Valor Econômico

A revisão da reforma do ensino médio está sendo mal-conduzida

No afã de imprimir sua marca e rever as diversas medidas equivocadas do ex-presidente Jair Bolsonaro, o governo Lula tem feito muita coisa, mas parece estar andando em ritmo muito lento quando se trata da Educação, não condizente com a urgência necessária para recuperar os estragos causados pela pandemia.

O estudo “Policy Review: Melhores práticas para recompor aprendizagens”, do Lemann Center da Stanford Graduate School of Education, mostra um quadro bastante preocupante no Brasil, que está negligenciando temas como a alfabetização das crianças mais velhas, a evasão escolar e a recuperação do conhecimento perdido na pandemia (Valor, 3/8). Até mesmo nos lugares mais avançados em infraestrutura tecnológica para o ensino remoto, como o Estado de São Paulo, se constatou perda de aprendizagem de 60% em língua portuguesa e de 80% em matemática nos últimos anos dos ensinos fundamental e médio, mais acentuada do que os 60% registrados na Colômbia e os 55% dos EUA e da China, comparou o estudo de Stanford.

Todos os problemas causados nesses anos, como o aumento da defasagem no aprendizado, redução do vínculo com a escola, maior desigualdade devido às dificuldades das classes de menor renda e de certas regiões de terem acesso ao ensino remoto se somaram às deficiências existentes anteriormente. Antes da pandemia, só cerca de 30% dos alunos concluíam o ensino médio com proficiência mínima em língua portuguesa e cerca de 5% em matemática. A evasão escolar era de cerca de 10% entre o fim do fundamental e o começo do médio, chegando a 17% entre alunos com dois ou mais anos de atraso na idade escolar.

No Estudo Internacional de Progresso em Leitura (PIRLS), que avalia as habilidades de leitura e de compreensão de textos em alunos do 4º ano do Fundamental, divulgado em maio, o Brasil ficou à frente de apenas cinco entre 65 países.

Diante desse quadro desalentador, o novo governo tomou algumas medidas positivas, como o lançamento, em junho, do Compromisso Nacional pela Criança Alfabetizada. Em artigo para o Valor (7/7), Ana Maria Diniz lembra que erradicar o analfabetismo já era um objetivo da Constituição de 1988 e vários esforços foram feitos nessa direção. Mas dados do IBGE mostram que os analfabetos totais representam cerca de 6% da população; os funcionais, 29%; e só 19% dos estudantes ingressam no curso superior.

Outra iniciativa importante foi o lançamento da portaria com as regras para Estados e municípios aderirem ao ensino integral na educação básica, da creche ao ensino médio, com a definição das regras para o cálculo dos valores a que terão direito ao Fundeb de acordo com o número de alunos matriculados.

A meta é ampliar a oferta de matrículas em tempo integral nas escolas de educação básica de todo o país em 1 milhão, número ainda extremamente pequeno frente ao total de 47,3 milhões de estudantes matriculados no país. Até o ano de 2026, o objetivo é ampliar a oferta em cerca de 3,2 milhões de matrículas, com um investimento total de R$ 4 bilhões.

Também positivo foi o anúncio do Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD) a partir de 2024, embora tenha ficado mais conhecido pela decisão do governo do Estado de São Paulo de recusar sua participação, sem um argumento convincente. O Estado decidiu usar apenas material digital entre o 6º e 9º anos e no ensino médio e combinar material digital com suporte de livros físicos nos anos iniciais do ensino fundamental. São Paulo representa 15% do programa, equivalente a R$ 120 milhões, com 10 milhões de livros para 1,4 milhão de alunos atendidos.

O governo de São Paulo não parece sensibilizado pelas críticas dos professores e dos especialistas. Os professores argumentam que faltam equipamentos eletrônicos para todos os alunos e conexão adequada à internet, inclusive na casa dos alunos mais carentes, como ficou evidente na pandemia. A alternativa de imprimir o material é considerada sem sentido; e a decisão foi avaliada como unilateral e autoritária.

Está sendo mal-conduzida, porém, a revisão da reforma do ensino médio. Há o consenso de que alguns ajustes devem ser feitos, como o aumento do tempo dedicado a disciplinas obrigatórias, como parece ser a solução dada pelo Ministério da Educação. Algum direcionamento deveria ter sido feito para a consulta pública a respeito das alterações, que termina agora, em agosto. A posição contrária à revogação pura e simples da reforma deveria ter sido firme de início para evitar especulações.

Esperava-se que ao longo da transição de governo a reforma do ensino médio já tivesse sido debatida e as consultas, feitas, para evitar a intranquilidade que esse debate causou já com o ano letivo em andamento. Afinal, a reforma foi aprovada há seis anos. Não é novidade que os itinerários formativos carecem de uma orientação nacional para diminuir a desigualdade entre as redes na parte das disciplinas opcionais, na linha da proposta do Conselho Nacional de Secretários de Educação. Dada a urgência dos problemas na Educação causados pela pandemia e pela omissão do governo Bolsonaro, em muitos casos será necessário trocar a roda com o carro andando.

Desafio na Cúpula da Amazônia é unificar discurso

O Globo

Brasil precisa no mínimo firmar acordo com vizinhos para recuperar a liderança ambiental global

A Cúpula da Amazônia que ocorre nesta terça e quarta-feira em Belém traz ao Brasil a oportunidade de unificar o discurso regional nas negociações internacionais que terá de enfrentar no futuro. Há visões distintas sobre a preservação e o desenvolvimento econômico da região entre os oito países que integram a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) — Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Se quiser fazer valer suas posições e reassumir a liderança global no combate às mudanças climáticas, é importante que o Brasil tenha, no mínimo, apoio dos vizinhos.

O país é, de longe, o mais crítico para o futuro da Amazônia. Concentra 62% da floresta e é responsável por 75% da área desvastada no bioma amazônico. Em 2022, bateu o quinto recorde anual consecutivo de desmatamento, com a maior área derrubada em 15 anos — 10.573 quilômetros quadrados. Nos quatro anos do governo Jair Bolsonaro, a destruição subiu 150% na comparação com o quadriênio anterior e ultrapassou as áreas dos estados de Sergipe e Alagoas somadas.

A troca de governo e o fortalecimento do Ministério do Meio Ambiente, entregue pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva novamente a Marina Silva, mudaram a tendência. De janeiro a julho, o desmatamento caiu 42,5% na comparação com o mesmo período de 2022. Os alertas abrangeram 7.952 quilômetros quadrados, a menor área em quatro anos. Em julho a destruição caiu dois terços em relação ao ano passado. Abriu-se uma perspectiva positiva para metas ambientais ambiciosas, a cada dia mais necessárias para combater as mudanças climáticas.

A proposta de Marina é que o encontro da OTCA em Belém resulte na meta de zerar o desmatamento ilegal até 2030. Entre 2004 e 2012, o Brasil já conseguiu, com o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), reduzi-lo em 83%. Não há motivo para não repetir o feito. Se firmar o objetivo de erradicá-lo até 2030, é certo que os demais presentes também o adotarão. Mas proteger a floresta — assumindo compromissos mensuráveis — é o mínimo a esperar dos governos. Tão importante quanto isso é desenvolver na região alternativas de crescimento sustentável. Práticas ilegais como pesca, caça, garimpo ou extração de madeira não desaparecerão apenas com a repressão. O desafio é oferecer caminhos viáveis à população amazônica.

Os obstáculos não são triviais. Para começar, não há consenso sobre tais alternativas. Alguns querem banir a exploração de petróleo, enquanto o próprio Brasil estuda a prospecção perto da foz do Rio Amazonas. Outro empecilho é a aliança entre políticos locais, desmatadores e garimpeiros. Para não falar na rarefeita presença do poder público num amplo território que se tornou rota do tráfico internacional de drogas, madeira e animais exóticos, sob controle do crime organizado com raízes profundas na região.

É auspicioso que os países amazônicos — além dos oito da OTCA, também a França, soberana da Guiana Francesa convidada para o encontro em Belém — se reúnam para trocar experiências e formular políticas comuns. Espera-se, apenas, que a reunião de autoridades seja capaz de ir além de documentos redigidos na base de promessas vazias e consiga oferecer ao resto do planeta uma resposta capaz de compatibilizar a preservação e o desenvolvimento.

Lula precisa cumprir compromisso de reduzir voos no Santos Dumont

O Globo

Não tem cabimento esperar a decisão obter aval do Congresso, como quer ministro Márcio França

Depois de exaustivas discussões entre União, governo fluminense e Prefeitura do Rio sobre o destino dos aeroportos Tom Jobim/Galeão e Santos Dumont, um encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o prefeito Eduardo Paes (PSD) em junho parecia ter posto um ponto final no imbróglio. Lula concordou em limitar os voos no Santos Dumont apenas a rotas para Brasília e São Paulo (Congonhas) para recuperar o esvaziado Galeão. Quase dois meses depois da promessa, apesar dos sinais positivos emitidos pelo governo federal, o plano ainda enfrenta resistências.

Como informou o colunista Lauro Jardim, do GLOBO, as negociações entre Paes e o ministro dos Portos e Aeroportos, Márcio França, não avançam como se esperava — e como fora prometido. Em reunião na semana passada, França disse a Paes que não seria possível publicar uma portaria para restringir os voos no Santos Dumont e que a decisão teria de ser tomada por meio de um Projeto de Lei. Além de descabida, pois não é tarefa do Legislativo, a ideia de França seria demorada. Paes esperava que a portaria pudesse ser assinada ainda neste mês durante visita de Lula ao Rio.

É lamentável que o governo federal queira retardar uma solução que precisa ser tomada quanto antes. Há um problema sério de desequilíbrio entre Galeão e Santos Dumont. O aeroporto internacional do Rio foi leiloado em 2013, durante o governo Dilma Rousseff, por R$ 19 bilhões e ágio de 294%, mas as projeções de expansão não se confirmaram e sofreram um novo baque com a pandemia. Entre 2019 e 2022, o movimento no terminal caiu a menos da metade (de 13,6 milhões para 5,7 milhões de passageiros), ficando distante da capacidade esperada de 37 milhões. Enquanto isso, o Santos Dumont, cujas limitações de tamanho e localização são óbvias, foi sobrecarregado a ponto de registrar, no ano passado, 10 milhões de passageiros.

A Changi, empresa de Cingapura que detém 51% da concessionária do Galeão, anunciou em 2022 que entregaria o negócio, mas voltou atrás neste ano. Nos últimos dias, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu aval para que o governo federal negociasse com a operadora sem necessidade de fazer novo leilão. Embora a decisão do TCU imponha condicionantes, ela criou um ambiente favorável para resolver o problema dos aeroportos do Rio. A expectativa da Changi é que a restrição a voos no Santos Dumont traga mais passageiros ao Galeão.

A resistência do governo em tomar uma decisão rápida contribui para ficar tudo como está. É péssimo para todos. Um terminal internacional esvaziado prejudica o turismo do Rio e o próprio Brasil, pois a cidade é a principal porta de entrada no país. Não adianta leiloar o Galeão e deixá-lo às moscas, porque o negócio não se sustenta. O Santos Dumont, em contrapartida, não comporta o movimento atual, que se traduz em filas e atrasos. O Ministério dos Portos e Aeroportos precisa agir logo para reduzir os voos no Santos Dumont e recuperar o Galeão. Espera-se que Lula cumpra esse compromisso.

Tensão federativa

Folha de S. Paulo

Fala de Zema expõe conflito entre regiões que pode prejudicar reforma tributária

Declarações do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), em favor de maior protagonismo político das regiões Sul e Sudeste foram exploradas no embate político nacional, mas por trás delas e de sua repercussão há também conflitos federativos reais que podem prejudicar a reforma tributária.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Zema disse que os sete governadores das duas regiões devem atuar em conjunto para viabilizar projetos de seu interesse no Congresso, em particular no redesenho do sistema de impostos —que envolverá mudanças na repartição da arrecadação e em políticas locais de desenvolvimento.

A afirmação expõe disputas que tendem a se acirrar a partir de agora com a tramitação da reforma no Senado, onde Norte, Nordeste e Centro-Oeste contam com maioria folgada de 60 dos 81 votos. Na Câmara, onde prevalece, ainda que de modo falho, a representação populacional, são não mais que 257 dos 513 deputados (50,1%).

As divergências federativas em torno da reforma em geral não dizem respeito ao interesse direto dos contribuintes —para famílias e empresas, o que importa mais é a simplificação dos tributos incidentes sobre o consumo, de modo a trazer mais transparência, eficiência econômica e estímulo à expansão dos investimentos.

Tais benefícios podem ficar comprometidos, porém, se estados, municípios e União não se entenderem quanto a seus novos papéis, deveres e prerrogativas.

Um exemplo é a gestão do futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que caberá a um conselho com representantes estaduais e municipais. Pelo texto aprovado na Câmara, locais mais populosos terão maior poder de decisão no colegiado; no Senado, os demais poderão reverter a norma.

As regiões tendem a discordar também em relação aos critérios de distribuição dos recursos do fundo federal a ser criado para compensar perdas, reais ou imaginárias, decorrentes da reforma, que altera o destino da arrecadação e restringe a possibilidade de concessão de benefícios fiscais.

Os governadores, que terão papel crucial no debate da proposta, devem entender que a redução de desigualdades regionais é de interesse de todos —e, ao mesmo tempo, que o melhor modo de fazê-lo não é com distribuição irracional de benesses como as da Zona Franca de Manaus e da guerra fiscal.

Neste momento, a reforma precisa ser neutra em termos de receitas para que se mantenha virtuosa e viável politicamente. Se cada ente federativo encarar a mudança como oportunidade para barganhar vantagens, o texto e sua regulamentação correm o risco de se atolar em impasses infindáveis.

A guerra se expande

Folha de S. Paulo

Ataques no mar Negro e ameaça à Polônia ampliam escopo do conflito na Ucrânia

Prestes a completar um ano e meio, a invasão da Ucrânia promovida por Vladimir Putin segue emitindo novas e perigosas ondas de choque.

A mais recente fase da guerra, em que a claudicante contraofensiva de Kiev sofre para apresentar resultados tangíveis, consolida-se com duas frentes que caracterizam uma expansão de seu escopo.

No mar Negro, a saída de Putin do acordo de grãos, que permitia a exportação da vital produção ucraniana desde julho de 2022, levou a uma escalada de manobras.

Moscou bombardeou a infraestrutura portuária de Kiev e, de forma alarmante, aventurou-se a alvejar instalações no estuário do rio Danúbio —a poucas centenas de metros da fronteira da Otan e da União Europeia na Romênia.

A aliança militar liderada pelos Estados Unidos reforçou seus voos de vigilância na área, mas isso não foi suficiente para tornar a região mais segura. Ao contrário, como mostrou a interceptação de um drone americano pelos russos, o risco de incidentes só aumentou.

Sem dispor de uma Marinha operante, Kiev colocou em uso uma frota de drones aquáticos para ameaçar assimetricamente não só as forças de Putin mas também navios civis que aportem na Rússia. Indicou suas intenções ao avariar seriamente um navio de guerra e um petroleiro de Moscou.

Se o bloqueio dos grãos pode asfixiar a Ucrânia, a eventual disrupção do fluxo de petróleo russo para países como a Índia, que passa pelo mar Negro e azeita a máquina de guerra russa, é uma ameaça que deverá ensejar mais violência.

A essa nova variável somou-se a tensão em Belarus, país vassalo da Rússia. A ditadura de Aleksandr Lukachenko, questionada por protestos em 2020, tornou-se uma ferramenta de Putin.

Depois de unificar comandos militares e instalar armas nucleares no vizinho, o Kremlin despachou para lá mercenários do Grupo Wagner, desautorizados a operar em solo russo após motim em junho.

A Polônia, um belicoso membro da Otan, reforçou suas fronteiras alegando ameaça de infiltração e denunciou uma violação de seu espaço aéreo por helicópteros.

Putin veio em defesa do aliado e acusou Varsóvia de querer intervir na guerra, uma bravata que revela os riscos de um embate descabido com a Otan. Com focos de atrito adicionais no Níger, na Síria e mesmo no Alasca, a Rússia dobra a aposta, contando com a inapetência ocidental por mais conflito.

O País é um só

O Estado de S. Paulo

Zema acerta quando aponta a sub-representação política do Sudeste, mas isso não é motivo para fomentar rixas. Grande bem para todos, a Federação deve ser preservada e fortalecida

A entrevista do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), ao Estadão, anunciando um consórcio dos governos estaduais das Regiões Sul e Sudeste para atuação política coordenada, suscitou reações fortes. O governador da Paraíba e presidente do Consórcio Nordeste, João Azevêdo (PSB), classificou de infeliz a declaração de Zema. “Estamos em um processo de reconstrução e aí vem alguém e faz uma declaração dessa”, disse Azevêdo. Nas redes sociais, o ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que a extrema direita estaria “fomentando divisões regionais”.

Segundo o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), o Consórcio Sul-Sudeste está inspirado no que foi feito no Nordeste. “Nunca achamos que os Estados do Norte e Nordeste haviam se unido contra os demais Estados. Ao contrário: a união deles em torno de pautas de seus interesses serviu de inspiração para que, finalmente, possamos fazer o mesmo, nos unirmos em torno do que é pauta comum e importante aos Estados do Sul e Sudeste”, disse Leite.

À parte das polêmicas políticas, das quais cada lado tenta tirar proveito, o fato é que a entrevista de Romeu Zema joga luzes sobre um problema que não é de hoje: a sub-representação política dos Estados mais populosos na Câmara dos Deputados. De um total de 513 cadeiras, o Estado de São Paulo tem 70, numa evidente desproporção em relação ao tamanho de sua população.

Essa sub-representação tem origem na própria Constituição. Apesar de definir que a distribuição de cadeiras na Câmara dos Deputados deva ser proporcional à população, o texto constitucional estabelece que nenhuma unidade da Federação terá “menos de oito ou mais de setenta deputados”. As diferenças no tamanho da população de cada Estado são mais amplas do que o intervalo entre oito e setenta.

Ao criticar essa sub-representação, o governador de Minas Gerais também responsabilizou os próprios Estados do Sul e do Sudeste pela ausência de um peso político adequado. “Outras Regiões do Brasil, com Estados muito menores em termos de economia e população, se unem e conseguem votar e aprovar uma série de projetos em Brasília. E nós, que representamos 56% dos brasileiros, mas que sempre ficamos cada um por si, olhando só o seu quintal, perdemos”, avaliou.

A articulação política é elemento essencial de toda democracia. E não cabe recriminar, como se fosse algo negativo ou mesmo antidemocrático, essa nova organização dos Estados das Regiões Sul e Sudeste na defesa de seus interesses políticos. O que não pode haver, pois afrontaria os valores e os fins da Constituição, é uma articulação para nutrir conflitos ou fomentar divisões regionais. Ou que difundisse a ideia de que cada Estado deve atuar exclusivamente na defesa de seus interesses imediatos, indiferente à situação das outras unidades federativas. O País é um só.

A Constituição é expressa em seu art. 3.º. Um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é “reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Ou seja, uma das razões que fundamentam a existência e o funcionamento do Estado brasileiro é a diminuição das desigualdades entre as diferentes unidades da Federação. Ora, esse processo só é possível se os Estados com melhores condições contribuírem de forma efetiva com aqueles em piores condições, sem nenhum tipo de preconceito, sem nenhuma reclamação. De fato, se existe uma Federação, um problema do Nordeste é também um problema do Sudeste, e vice-versa. Há esferas de competência, mas isso não significa indiferença, desprezo ou alheamento.

Como reconheceu o governador de Minas Gerais, há também pobreza no Sul e no Sudeste. “Nós também precisamos de ações sociais”, disse. É simplista e muito equivocada a ideia de que o problema do País estaria lá no Nordeste, enquanto aqui estariam as soluções. O pertencimento à Federação, mesmo com todos os ônus e limitações correspondentes, é um grande bem para todos os Estados. No fim, todos saem ganhando. Articulação política sim; divisão, rixa ou sentimento de superioridade não.

Amazônia não é apenas o Brasil

O Estado de S. Paulo

Com a cúpula desta semana, governo Lula acerta o foco de sua diplomacia ao propor a formação de um bloco amazônico para enfrentar a pressão mundial em favor da proteção do bioma

O Brasil acordou para o fato de que não pode falar sozinho quando se trata da Amazônia. Demorou para entender o óbvio. Mas, ainda a tempo, o governo de Lula da Silva pôs a sua diplomacia a mover-se entre os países vizinhos cobertos pela mesma floresta tropical com a missão de alinhavar posições comuns sobre o combate ao desmatamento e a promoção do desenvolvimento sustentável. A tarefa, a bem da realidade, desdobra-se também na coleta de necessário respaldo para Lula apresentar-se, nas discussões internacionais sobre meio ambiente e mudança climática, como o líder da região.

Espera-se, no Palácio do Planalto, que esse esforço seja consolidado durante a Cúpula da Amazônia, encontro dos líderes de oito países que começa hoje em Belém, no Pará. Trata-se de um movimento diplomático acertado, pragmático em seu objetivo e coerente com o interesse e as possibilidades do Brasil. Nada lembra as despropositadas pretensões de Lula da Silva de intermediar a paz entre Rússia e Ucrânia, ainda viva neste mandato, e de envolver-se em negociação nuclear com o Irã e a Turquia, em sua segunda gestão.

A iniciativa de forjar um bloco amazônico responde à situação de enorme pressão mundial em favor da proteção da Amazônia, em especial quando se discute a evolução do desmatamento vis-à-vis o aquecimento global, enquanto os países da região defrontamse com minguados recursos para tocar a agenda ambiental. Da mesma forma, dá margem a uma confrontação mais encorpada das medidas internacionais que atentam contra o desenvolvimento sustentável da floresta. A mais visível foi posta em prática recentemente pela União Europeia ao penalizar, sob pretexto ambiental, o ingresso de bens produzidos em áreas de florestas tropicais.

Há expectativa do Itamaraty de que o bloco amazônico amadureça suas posições ao longo do tempo e possa apresentar-se, sob a liderança brasileira, como voz única nas futuras negociações da Conferência das Nações Unidas para a Mudança do Clima (COP). Não se vislumbra, porém, o teste desse formato ainda neste ano, durante a COP-28 de Dubai. O presidente Lula certamente estará imbuído, nos Emirados Árabes, da missão preliminar de restaurar o protagonismo do Brasil nas discussões sobre mudança climática – atributo destruído junto com parcelas da Amazônia Legal pelo nefasto desmonte da proteção ambiental na gestão de seu antecessor, Jair Bolsonaro.

Daqui a dois anos, na COP-30 de Belém, o bloco amazônico poderá encarnar o papel do anfitrião se vier a exibir uma prestação de contas positiva dos dois anos de cooperação. Há dúvidas, porém. O documento final da reunião de cúpula desta semana estará centrado no combate ao desmatamento, a começar pelo provocado pelo crime organizado que circula livremente na região. Não trará, no entanto, um compromisso único sobre quando zerar a destruição da floresta. Essa aparente falta de ambição é justificável, e o bloco já se conformou com ela. Ao contrário do Brasil, que voluntariamente se comprometeu no Acordo de Paris a alcançar esse objetivo em 2030, outros países amazônicos jamais se arriscaram a pôr uma data por falta de fontes de recursos para programas ambientais.

O bloco amazônico certamente terá de conviver com os tostões escassos para as políticas comuns a serem definidas nesta semana. As reiteradas cobranças de Lula pelos US$ 100 bilhões prometidos pelas economias avançadas aos projetos de transição energética e de preservação florestal de países em desenvolvimento continuam no ar, sem desembolsos efetivos. Não há razão, até o momento, para crer na boa vontade dos países ricos em curto prazo. O bloco terá de fazer sua própria engenharia financeira.

A convocação de uma Cúpula da Amazônia, em si, não chega a ser admirável. A definição de uma pauta comum centrada no combate ao desmatamento ilegal e no desenvolvimento sustentável na Amazônia é o que torna esse evento diplomático apropriado quando a região se vê mundialmente cobrada a manter a floresta em pé. É seu papel no combate ao aquecimento global.

A dimensão do golpe no Níger

O Estado de S. Paulo

Além de abortar a democracia do país, ele amplia riscos de guerras e insurgências jihadistas

A interpenetração de forças políticas e religiosas é sempre uma mistura volátil. Tanto pior se o aspecto mais nefasto da política (o autoritarismo) se combina ao aspecto mais nefasto da religião (o fanatismo), como está acontecendo em um dos países mais pobres do mundo. No dia 26, uma junta militar depôs o presidente do Níger, Mohamed Bazoum, suspendeu a Constituição e dissolveu as instituições republicanas. Os militares dizem querer salvar o país, especialmente das milícias jihadistas. Mas, como ocorreu em outros países do Sahel, o resultado será provavelmente o oposto.

A região, uma faixa árida ao sul do Saara com mais de 70 milhões de pessoas, tem sido há tempos fustigada por instabilidade política e terrorismo promovido pela Al-Qaeda e o Estado Islâmico. O Sahel, que em 2007 respondia por 1% das mortes por terrorismo, respondeu no ano passado por 43%.

O golpe, o sexto na região em três anos, segue o roteiro do Mali e de Burkina Faso – uma junta militar apoiada por mercenários russos do Grupo Wagner –, mas é excepcionalmente preocupante: o Níger era o último aliado sólido do Ocidente contra o jihadismo no Sahel. O governo de Bazoum, que inaugurou em 2021 a primeira transferência de poder democrática, estava longe de ser perfeito, mas vinha buscando melhorar serviços públicos, negociar com militâncias jihadistas e empregar ajuda militar do Ocidente. A estratégia estava se provando bem-sucedida. Nos últimos seis meses, as mortes por conflitos no Níger atingiram o seu nível mais baixo desde 2018, enquanto o morticínio no Mali e em Burkina Faso aumentou desde a queda de seus governos civis.

Um bloco de Estados africanos (o Ecowas) exige que o governo seja restabelecido, ameaçando empregar sanções e força militar. Se for um blefe, pode desmoralizar uma importante instituição regional, incentivando os jihadistas a promover mais instabilidade em países mais ricos e populosos. Se o grupo partir para as vias de fato, pode detonar um conflito regional. As juntas do Níger, do Mali e de Burkina Faso afirmam que qualquer intervenção será considerada uma declaração de guerra. Para o Ocidente, é insustentável cooperar com o regime golpista. Mas isso não só aumentará a vulnerabilidade a mais ataques jihadistas, como abrirá as portas à influência de Vladimir Putin.

Na melhor das hipóteses, se Bazoum for restabelecido, estará em uma posição debilitada para retomar suas políticas. Sendo isso improvável, o Ocidente precisará redirecionar seu apoio aos países costeiros para conter o transbordamento do jihadismo. Mas a violência nos Estados centrais do Sahel deve espiralar, ameaçando precipitar uma crise migratória e mais insurgências e ataques jihadistas, não só na África, mas no mundo.

A comunidade internacional precisa se debruçar sobre uma estratégia sistêmica de combate ao jihadismo na África, o que inclui apoio econômico, político e militar a países comprometidos com o Estado de Direito e serviços equânimes às suas populações. Mas, por ora, a crise tende a piorar antes de melhorar.

Amazônia é prioridade, mas o cerrado não deve ser esquecido

Correio Braziliense

Começa hoje a Cúpula da Amazônia. O desmatamento na região caiu 66%. Em contrapartida, cresceu no cerrado, o berço das águas, onde está o Aquífero Guarani, o grande reservatório do Sul do continente

Começa hoje, em Belém do Pará, a Cúpula da Amazônia, que reunirá oito presidentes e representantes dos países da região e outros convidados, entre os quais da Alemanha, da Indonésia, da Noruega e da França (que faz parte da região por causa da Guiana Francesa). O desafio do encontro é estabelecer uma política comum de proteção da floresta e uma nova estratégia compartilhada de desenvolvimento sustentável para a região.

Segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e suas colegas da Colômbia, Suzana Muhamad, e do Peru, Nancy Chauca Vasquez, durante o encontro Diálogos Amazônicos, no domingo, é preciso evitar o "ponto de não-retorno" da devastação da maior floresta tropical do mundo. "Ponto de não-retorno" é o termo usado por especialistas para se referir ao momento em que a floresta perde sua capacidade de se autorregenerar, em função do desmatamento, da degradação e do aquecimento global, iniciando-se, assim, um processo de desertificação.

Sem dúvida, urge fortalecer a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), do qual participam Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O Brasil está empenhado na convergência entre os países da região, para que possam ir à COP28, nos Emirados Árabes Unidos, em dezembro, com uma proposta capaz de sensibilizar os países desenvolvidos a investirem mais na Amazônia. Hoje, os países da região disputam esses recursos entre si, em vez de buscarem formas eficazes de cooperação e pressão para obter mais recursos para todos.

Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Luís Arce (Bolívia), Gustavo Petro (Colômbia), Irfaan Ali (Guiana), Dina Boluarte (Per) e Nicolás Maduro (Venezuela) têm as maiores responsabilidades quanto ao êxito do encontro. Hoje, 75% das atividades econômicas da América do Sul dependem do clima, principalmente das chuvas produzidas pela Amazônia.

Além do desafio político, há o da coordenação do trabalho técnico entre os países. Além das contradições geopolíticas, são enormes as dificuldades financeiras e logísticas para combater o desmatamento, o contrabando de madeira, a grilagem de terras, a pecuária predatória, o garimpo ilegal e o tráfico de drogas, que formam um complexo econômico ilegal e influente nas políticas locais.

Apesar de tudo, é possível conter o desmatamento. Os alertas de desmatamento na Região Amazônica do Brasil registraram uma queda de 66% em julho deste ano quando comparado com o mesmo mês do ano passado. Na Amazônia brasileira, com a retomada das políticas ambientas, os alertas de desmatamento atingiram a menor área em quatro anos. O número oficial do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) para medir a taxa anual de desmatamento na Amazônia Legal brasileira é fornecido, desde 1988, pelo projeto Prodes. Com esse sistema, é possível ver se há tendências de queda, manutenção ou alta de destruição.

Entretanto, a devastação deslocou-se para o cerrado, o segundo maior bioma brasileiro, que bateu recorde de desmatamento. Conforme os dados do Inpe, a região teve 6.359km² com avisos de devastação entre agosto do ano passado e julho deste ano, maior número já registrado desde quando os dados começaram a ser compilados, em 2017. O recorde anterior fora entre os anos de 2018 e 2019. O aumento foi de 16% se comparado ao ano base anterior. A área derrubada é maior do que todo o Distrito Federal, que tem 5.760km². Portanto, o combate ao desmatamento na Amazonia não deve desconsiderar a gravidade da situação no cerrado, inclusive por causa do Aquífero Guarani, o grande reservatório subterrâneo de águas do Sul do continente.


 

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