Estrago da pandemia na educação exige reação rápida
Valor Econômico
A revisão da reforma do ensino médio está
sendo mal-conduzida
No afã de imprimir sua marca e rever as
diversas medidas equivocadas do ex-presidente Jair Bolsonaro, o governo Lula
tem feito muita coisa, mas parece estar andando em ritmo muito lento quando se
trata da Educação, não condizente com a urgência necessária para recuperar os
estragos causados pela pandemia.
O estudo “Policy Review: Melhores práticas para recompor aprendizagens”, do Lemann Center da Stanford Graduate School of Education, mostra um quadro bastante preocupante no Brasil, que está negligenciando temas como a alfabetização das crianças mais velhas, a evasão escolar e a recuperação do conhecimento perdido na pandemia (Valor, 3/8). Até mesmo nos lugares mais avançados em infraestrutura tecnológica para o ensino remoto, como o Estado de São Paulo, se constatou perda de aprendizagem de 60% em língua portuguesa e de 80% em matemática nos últimos anos dos ensinos fundamental e médio, mais acentuada do que os 60% registrados na Colômbia e os 55% dos EUA e da China, comparou o estudo de Stanford.
Todos os problemas causados nesses anos,
como o aumento da defasagem no aprendizado, redução do vínculo com a escola,
maior desigualdade devido às dificuldades das classes de menor renda e de
certas regiões de terem acesso ao ensino remoto se somaram às deficiências
existentes anteriormente. Antes da pandemia, só cerca de 30% dos alunos concluíam
o ensino médio com proficiência mínima em língua portuguesa e cerca de 5% em
matemática. A evasão escolar era de cerca de 10% entre o fim do fundamental e o
começo do médio, chegando a 17% entre alunos com dois ou mais anos de atraso na
idade escolar.
No Estudo Internacional de Progresso em
Leitura (PIRLS), que avalia as habilidades de leitura e de compreensão de
textos em alunos do 4º ano do Fundamental, divulgado em maio, o Brasil ficou à
frente de apenas cinco entre 65 países.
Diante desse quadro desalentador, o novo
governo tomou algumas medidas positivas, como o lançamento, em junho, do
Compromisso Nacional pela Criança Alfabetizada. Em artigo para o Valor (7/7),
Ana Maria Diniz lembra que erradicar o analfabetismo já era um objetivo da
Constituição de 1988 e vários esforços foram feitos nessa direção. Mas dados do
IBGE mostram que os analfabetos totais representam cerca de 6% da população; os
funcionais, 29%; e só 19% dos estudantes ingressam no curso superior.
Outra iniciativa importante foi o lançamento
da portaria com as regras para Estados e municípios aderirem ao ensino integral
na educação básica, da creche ao ensino médio, com a definição das regras para
o cálculo dos valores a que terão direito ao Fundeb de acordo com o número de
alunos matriculados.
A meta é ampliar a oferta de matrículas em
tempo integral nas escolas de educação básica de todo o país em 1 milhão,
número ainda extremamente pequeno frente ao total de 47,3 milhões de estudantes
matriculados no país. Até o ano de 2026, o objetivo é ampliar a oferta em cerca
de 3,2 milhões de matrículas, com um investimento total de R$ 4 bilhões.
Também positivo foi o anúncio do Programa
Nacional de Livros Didáticos (PNLD) a partir de 2024, embora tenha ficado mais
conhecido pela decisão do governo do Estado de São Paulo de recusar sua
participação, sem um argumento convincente. O Estado decidiu usar apenas
material digital entre o 6º e 9º anos e no ensino médio e combinar material
digital com suporte de livros físicos nos anos iniciais do ensino fundamental.
São Paulo representa 15% do programa, equivalente a R$ 120 milhões, com 10
milhões de livros para 1,4 milhão de alunos atendidos.
O governo de São Paulo não parece
sensibilizado pelas críticas dos professores e dos especialistas. Os professores
argumentam que faltam equipamentos eletrônicos para todos os alunos e conexão
adequada à internet, inclusive na casa dos alunos mais carentes, como ficou
evidente na pandemia. A alternativa de imprimir o material é considerada sem
sentido; e a decisão foi avaliada como unilateral e autoritária.
Está sendo mal-conduzida, porém, a revisão
da reforma do ensino médio. Há o consenso de que alguns ajustes devem ser
feitos, como o aumento do tempo dedicado a disciplinas obrigatórias, como
parece ser a solução dada pelo Ministério da Educação. Algum direcionamento
deveria ter sido feito para a consulta pública a respeito das alterações, que
termina agora, em agosto. A posição contrária à revogação pura e simples da
reforma deveria ter sido firme de início para evitar especulações.
Esperava-se que ao longo da transição de
governo a reforma do ensino médio já tivesse sido debatida e as consultas,
feitas, para evitar a intranquilidade que esse debate causou já com o ano
letivo em andamento. Afinal, a reforma foi aprovada há seis anos. Não é
novidade que os itinerários formativos carecem de uma orientação nacional para
diminuir a desigualdade entre as redes na parte das disciplinas opcionais, na
linha da proposta do Conselho Nacional de Secretários de Educação. Dada a
urgência dos problemas na Educação causados pela pandemia e pela omissão do
governo Bolsonaro, em muitos casos será necessário trocar a roda com o carro
andando.
Desafio na Cúpula da Amazônia é unificar
discurso
O Globo
Brasil precisa no mínimo firmar acordo com
vizinhos para recuperar a liderança ambiental global
A Cúpula da Amazônia que
ocorre nesta terça e quarta-feira em Belém traz ao Brasil a oportunidade de
unificar o discurso regional nas negociações internacionais que terá de
enfrentar no futuro. Há visões distintas sobre a preservação e o
desenvolvimento econômico da região entre os oito países que integram a
Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) — Brasil, Bolívia,
Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Se quiser fazer valer
suas posições e reassumir a liderança global no combate às mudanças climáticas,
é importante que o Brasil tenha, no mínimo, apoio dos vizinhos.
O país é, de longe, o mais crítico para o
futuro da Amazônia. Concentra 62% da floresta e é responsável por 75% da área
desvastada no bioma amazônico. Em 2022, bateu o quinto recorde anual
consecutivo de desmatamento, com a maior área derrubada em 15 anos — 10.573
quilômetros quadrados. Nos quatro anos do governo Jair Bolsonaro, a destruição
subiu 150% na comparação com o quadriênio anterior e ultrapassou as áreas dos
estados de Sergipe e Alagoas somadas.
A troca de governo e o fortalecimento do
Ministério do Meio Ambiente, entregue pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva
novamente a Marina Silva, mudaram a tendência. De janeiro a julho, o
desmatamento caiu 42,5% na comparação com o mesmo período de 2022. Os alertas
abrangeram 7.952 quilômetros quadrados, a menor área em quatro anos. Em julho a
destruição caiu dois terços em relação ao ano passado. Abriu-se uma perspectiva
positiva para metas ambientais ambiciosas, a cada dia mais necessárias para
combater as mudanças climáticas.
A proposta de Marina é que o encontro da
OTCA em Belém resulte na meta de zerar o desmatamento ilegal até 2030. Entre
2004 e 2012, o Brasil já conseguiu, com o Plano de Ação para Prevenção e
Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), reduzi-lo em 83%. Não há
motivo para não repetir o feito. Se firmar o objetivo de erradicá-lo até 2030,
é certo que os demais presentes também o adotarão. Mas proteger a floresta —
assumindo compromissos mensuráveis — é o mínimo a esperar dos governos. Tão
importante quanto isso é desenvolver na região alternativas de crescimento
sustentável. Práticas ilegais como pesca, caça, garimpo ou extração de madeira
não desaparecerão apenas com a repressão. O desafio é oferecer caminhos viáveis
à população amazônica.
Os obstáculos não são triviais. Para
começar, não há consenso sobre tais alternativas. Alguns querem banir a
exploração de petróleo, enquanto o próprio Brasil estuda a prospecção perto da
foz do Rio Amazonas. Outro empecilho é a aliança entre políticos locais,
desmatadores e garimpeiros. Para não falar na rarefeita presença do poder
público num amplo território que se tornou rota do tráfico internacional de
drogas, madeira e animais exóticos, sob controle do crime organizado com raízes
profundas na região.
É auspicioso que os países amazônicos — além dos oito da OTCA, também a França, soberana da Guiana Francesa convidada para o encontro em Belém — se reúnam para trocar experiências e formular políticas comuns. Espera-se, apenas, que a reunião de autoridades seja capaz de ir além de documentos redigidos na base de promessas vazias e consiga oferecer ao resto do planeta uma resposta capaz de compatibilizar a preservação e o desenvolvimento.
Lula precisa cumprir compromisso de reduzir
voos no Santos Dumont
O Globo
Não tem cabimento esperar a decisão obter
aval do Congresso, como quer ministro Márcio França
Depois de exaustivas discussões entre
União, governo fluminense e Prefeitura do Rio sobre o destino dos aeroportos
Tom Jobim/Galeão e Santos Dumont, um encontro entre o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva e o prefeito Eduardo Paes (PSD) em junho parecia ter posto um
ponto final no imbróglio. Lula
concordou em limitar os voos no Santos Dumont apenas a rotas para
Brasília e São Paulo (Congonhas) para recuperar o esvaziado Galeão. Quase dois
meses depois da promessa, apesar dos sinais positivos emitidos pelo governo
federal, o plano ainda enfrenta resistências.
Como
informou o colunista Lauro Jardim, do GLOBO, as negociações entre Paes
e o ministro dos Portos e Aeroportos, Márcio França, não avançam como se
esperava — e como fora prometido. Em reunião na semana passada, França disse a
Paes que não seria possível publicar uma portaria para restringir os voos no
Santos Dumont e que a decisão teria de ser tomada por meio de um Projeto de
Lei. Além de descabida, pois não é tarefa do Legislativo, a ideia de França
seria demorada. Paes esperava que a portaria pudesse ser assinada ainda neste
mês durante visita de Lula ao Rio.
É lamentável que o governo federal queira
retardar uma solução que precisa ser tomada quanto antes. Há um problema sério
de desequilíbrio entre Galeão e Santos Dumont. O aeroporto internacional do Rio
foi leiloado em 2013, durante o governo Dilma Rousseff, por R$ 19 bilhões e
ágio de 294%, mas as projeções de expansão não se confirmaram e sofreram um
novo baque com a pandemia. Entre 2019 e 2022, o movimento no terminal caiu a
menos da metade (de 13,6 milhões para 5,7 milhões de passageiros), ficando
distante da capacidade esperada de 37 milhões. Enquanto isso, o Santos Dumont,
cujas limitações de tamanho e localização são óbvias, foi sobrecarregado a
ponto de registrar, no ano passado, 10 milhões de passageiros.
A Changi, empresa de Cingapura que detém
51% da concessionária do Galeão, anunciou em 2022 que entregaria o negócio, mas
voltou atrás neste ano. Nos últimos dias, o Tribunal de Contas da União (TCU)
deu aval para que o governo federal negociasse com a operadora sem necessidade
de fazer novo leilão. Embora a decisão do TCU imponha condicionantes, ela criou
um ambiente favorável para resolver o problema dos aeroportos do Rio. A
expectativa da Changi é que a restrição a voos no Santos Dumont traga mais
passageiros ao Galeão.
A resistência do governo em tomar uma decisão rápida contribui para ficar tudo como está. É péssimo para todos. Um terminal internacional esvaziado prejudica o turismo do Rio e o próprio Brasil, pois a cidade é a principal porta de entrada no país. Não adianta leiloar o Galeão e deixá-lo às moscas, porque o negócio não se sustenta. O Santos Dumont, em contrapartida, não comporta o movimento atual, que se traduz em filas e atrasos. O Ministério dos Portos e Aeroportos precisa agir logo para reduzir os voos no Santos Dumont e recuperar o Galeão. Espera-se que Lula cumpra esse compromisso.
Tensão federativa
Folha de S. Paulo
Fala de Zema expõe conflito entre regiões
que pode prejudicar reforma tributária
Declarações do governador de Minas Gerais,
Romeu Zema (Novo), em favor de maior protagonismo político das regiões Sul e
Sudeste foram
exploradas no embate político nacional, mas por trás delas e de sua
repercussão há também conflitos federativos reais que podem prejudicar a
reforma tributária.
Em entrevista ao jornal O Estado de S.
Paulo, Zema disse que os sete governadores das duas regiões devem atuar em
conjunto para viabilizar projetos de seu interesse no Congresso, em particular
no redesenho do sistema de impostos —que envolverá mudanças na repartição da
arrecadação e em políticas locais de desenvolvimento.
A afirmação expõe disputas que tendem a se
acirrar a partir de agora com a tramitação da reforma no Senado, onde Norte,
Nordeste e Centro-Oeste contam com maioria folgada de 60 dos 81 votos. Na
Câmara, onde prevalece, ainda que de modo falho, a representação populacional,
são não mais que 257 dos 513 deputados (50,1%).
As divergências federativas em torno da
reforma em geral não dizem respeito ao interesse direto dos contribuintes —para
famílias e empresas, o que importa mais é a simplificação dos tributos
incidentes sobre o consumo, de modo a trazer mais transparência, eficiência
econômica e estímulo à expansão dos investimentos.
Tais benefícios podem ficar comprometidos,
porém, se estados, municípios e União não se entenderem quanto a seus novos
papéis, deveres e prerrogativas.
Um exemplo é a gestão do futuro Imposto
sobre Bens e Serviços (IBS), que caberá a um conselho com representantes
estaduais e municipais. Pelo texto aprovado na Câmara, locais mais populosos
terão maior poder de decisão no colegiado; no Senado, os demais poderão
reverter a norma.
As regiões tendem a discordar também em
relação aos critérios de distribuição dos recursos do fundo federal a ser
criado para compensar perdas, reais ou imaginárias, decorrentes da reforma, que
altera o destino da arrecadação e restringe a possibilidade de concessão de
benefícios fiscais.
Os governadores, que terão papel crucial no
debate da proposta, devem entender que a redução de desigualdades regionais é
de interesse de todos —e, ao mesmo tempo, que o melhor modo de fazê-lo não é com
distribuição irracional de benesses como as da Zona Franca de Manaus e da
guerra fiscal.
Neste momento, a reforma precisa ser neutra em termos de receitas para que se mantenha virtuosa e viável politicamente. Se cada ente federativo encarar a mudança como oportunidade para barganhar vantagens, o texto e sua regulamentação correm o risco de se atolar em impasses infindáveis.
A guerra se expande
Folha de S. Paulo
Ataques no mar Negro e ameaça à Polônia ampliam
escopo do conflito na Ucrânia
Prestes a completar um ano e meio, a
invasão da Ucrânia promovida por Vladimir Putin segue emitindo novas e
perigosas ondas de choque.
A mais recente fase da guerra, em que a
claudicante contraofensiva de Kiev sofre para apresentar resultados tangíveis,
consolida-se com duas frentes que caracterizam uma expansão de seu escopo.
No mar Negro, a saída de Putin do acordo de
grãos, que permitia a exportação da vital produção ucraniana desde julho de
2022, levou a uma escalada de manobras.
Moscou bombardeou a infraestrutura
portuária de Kiev e, de forma alarmante, aventurou-se
a alvejar instalações no estuário do rio Danúbio —a poucas
centenas de metros da fronteira da Otan e da União Europeia na Romênia.
A aliança militar liderada pelos Estados
Unidos reforçou seus voos de vigilância na área, mas isso não foi suficiente
para tornar a região mais segura. Ao contrário, como mostrou a interceptação de
um drone americano pelos russos, o risco de incidentes só aumentou.
Sem dispor de uma Marinha operante, Kiev
colocou em uso uma frota de drones aquáticos para ameaçar assimetricamente não
só as forças de Putin mas também navios civis que aportem na Rússia. Indicou
suas intenções ao avariar
seriamente um navio de guerra e um petroleiro de Moscou.
Se o bloqueio dos grãos pode asfixiar a
Ucrânia, a eventual disrupção do fluxo de petróleo russo para países como a
Índia, que passa pelo mar Negro e azeita a máquina de guerra russa, é uma
ameaça que deverá ensejar mais violência.
A essa nova variável somou-se a tensão em
Belarus, país vassalo da Rússia. A ditadura de Aleksandr Lukachenko,
questionada por protestos em 2020, tornou-se uma ferramenta de Putin.
Depois de unificar comandos militares e
instalar armas nucleares no vizinho, o Kremlin despachou para lá mercenários do
Grupo Wagner, desautorizados a operar em solo russo após motim em junho.
A Polônia, um belicoso membro da Otan,
reforçou suas fronteiras alegando ameaça de infiltração e denunciou uma
violação de seu espaço aéreo por helicópteros.
Putin veio em defesa do aliado e acusou
Varsóvia de querer intervir na guerra, uma bravata que revela os riscos de um
embate descabido com a Otan. Com focos de atrito adicionais no Níger, na Síria
e mesmo no Alasca, a Rússia dobra a aposta, contando com a inapetência
ocidental por mais conflito.
O País é um só
O Estado de S. Paulo
Zema acerta quando aponta a
sub-representação política do Sudeste, mas isso não é motivo para fomentar
rixas. Grande bem para todos, a Federação deve ser preservada e fortalecida
A entrevista do governador de Minas Gerais,
Romeu Zema (Novo), ao Estadão, anunciando um consórcio dos governos estaduais
das Regiões Sul e Sudeste para atuação política coordenada, suscitou reações
fortes. O governador da Paraíba e presidente do Consórcio Nordeste, João
Azevêdo (PSB), classificou de infeliz a declaração de Zema. “Estamos em um
processo de reconstrução e aí vem alguém e faz uma declaração dessa”, disse
Azevêdo. Nas redes sociais, o ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que a
extrema direita estaria “fomentando divisões regionais”.
Segundo o governador do Rio Grande do Sul,
Eduardo Leite (PSDB), o Consórcio Sul-Sudeste está inspirado no que foi feito
no Nordeste. “Nunca achamos que os Estados do Norte e Nordeste haviam se unido
contra os demais Estados. Ao contrário: a união deles em torno de pautas de
seus interesses serviu de inspiração para que, finalmente, possamos fazer o
mesmo, nos unirmos em torno do que é pauta comum e importante aos Estados do
Sul e Sudeste”, disse Leite.
À parte das polêmicas políticas, das quais
cada lado tenta tirar proveito, o fato é que a entrevista de Romeu Zema joga
luzes sobre um problema que não é de hoje: a sub-representação política dos
Estados mais populosos na Câmara dos Deputados. De um total de 513 cadeiras, o
Estado de São Paulo tem 70, numa evidente desproporção em relação ao tamanho de
sua população.
Essa sub-representação tem origem na
própria Constituição. Apesar de definir que a distribuição de cadeiras na
Câmara dos Deputados deva ser proporcional à população, o texto constitucional
estabelece que nenhuma unidade da Federação terá “menos de oito ou mais de
setenta deputados”. As diferenças no tamanho da população de cada Estado são
mais amplas do que o intervalo entre oito e setenta.
Ao criticar essa sub-representação, o
governador de Minas Gerais também responsabilizou os próprios Estados do Sul e
do Sudeste pela ausência de um peso político adequado. “Outras Regiões do
Brasil, com Estados muito menores em termos de economia e população, se unem e
conseguem votar e aprovar uma série de projetos em Brasília. E nós, que
representamos 56% dos brasileiros, mas que sempre ficamos cada um por si,
olhando só o seu quintal, perdemos”, avaliou.
A articulação política é elemento essencial
de toda democracia. E não cabe recriminar, como se fosse algo negativo ou mesmo
antidemocrático, essa nova organização dos Estados das Regiões Sul e Sudeste na
defesa de seus interesses políticos. O que não pode haver, pois afrontaria os
valores e os fins da Constituição, é uma articulação para nutrir conflitos ou
fomentar divisões regionais. Ou que difundisse a ideia de que cada Estado deve
atuar exclusivamente na defesa de seus interesses imediatos, indiferente à
situação das outras unidades federativas. O País é um só.
A Constituição é expressa em seu art. 3.º.
Um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é “reduzir as
desigualdades sociais e regionais”. Ou seja, uma das razões que fundamentam a
existência e o funcionamento do Estado brasileiro é a diminuição das
desigualdades entre as diferentes unidades da Federação. Ora, esse processo só
é possível se os Estados com melhores condições contribuírem de forma efetiva
com aqueles em piores condições, sem nenhum tipo de preconceito, sem nenhuma
reclamação. De fato, se existe uma Federação, um problema do Nordeste é também
um problema do Sudeste, e vice-versa. Há esferas de competência, mas isso não
significa indiferença, desprezo ou alheamento.
Como reconheceu o governador de Minas
Gerais, há também pobreza no Sul e no Sudeste. “Nós também precisamos de ações
sociais”, disse. É simplista e muito equivocada a ideia de que o problema do
País estaria lá no Nordeste, enquanto aqui estariam as soluções. O
pertencimento à Federação, mesmo com todos os ônus e limitações
correspondentes, é um grande bem para todos os Estados. No fim, todos saem
ganhando. Articulação política sim; divisão, rixa ou sentimento de
superioridade não.
Amazônia não é apenas o Brasil
O Estado de S. Paulo
Com a cúpula desta semana, governo Lula
acerta o foco de sua diplomacia ao propor a formação de um bloco amazônico para
enfrentar a pressão mundial em favor da proteção do bioma
O Brasil acordou para o fato de que não
pode falar sozinho quando se trata da Amazônia. Demorou para entender o óbvio.
Mas, ainda a tempo, o governo de Lula da Silva pôs a sua diplomacia a mover-se
entre os países vizinhos cobertos pela mesma floresta tropical com a missão de
alinhavar posições comuns sobre o combate ao desmatamento e a promoção do
desenvolvimento sustentável. A tarefa, a bem da realidade, desdobra-se também
na coleta de necessário respaldo para Lula apresentar-se, nas discussões
internacionais sobre meio ambiente e mudança climática, como o líder da região.
Espera-se, no Palácio do Planalto, que esse
esforço seja consolidado durante a Cúpula da Amazônia, encontro dos líderes de
oito países que começa hoje em Belém, no Pará. Trata-se de um movimento
diplomático acertado, pragmático em seu objetivo e coerente com o interesse e
as possibilidades do Brasil. Nada lembra as despropositadas pretensões de Lula
da Silva de intermediar a paz entre Rússia e Ucrânia, ainda viva neste mandato,
e de envolver-se em negociação nuclear com o Irã e a Turquia, em sua segunda
gestão.
A iniciativa de forjar um bloco amazônico
responde à situação de enorme pressão mundial em favor da proteção da Amazônia,
em especial quando se discute a evolução do desmatamento vis-à-vis o
aquecimento global, enquanto os países da região defrontamse com minguados
recursos para tocar a agenda ambiental. Da mesma forma, dá margem a uma
confrontação mais encorpada das medidas internacionais que atentam contra o
desenvolvimento sustentável da floresta. A mais visível foi posta em prática
recentemente pela União Europeia ao penalizar, sob pretexto ambiental, o
ingresso de bens produzidos em áreas de florestas tropicais.
Há expectativa do Itamaraty de que o bloco
amazônico amadureça suas posições ao longo do tempo e possa apresentar-se, sob
a liderança brasileira, como voz única nas futuras negociações da Conferência
das Nações Unidas para a Mudança do Clima (COP). Não se vislumbra, porém, o
teste desse formato ainda neste ano, durante a COP-28 de Dubai. O presidente
Lula certamente estará imbuído, nos Emirados Árabes, da missão preliminar de
restaurar o protagonismo do Brasil nas discussões sobre mudança climática –
atributo destruído junto com parcelas da Amazônia Legal pelo nefasto desmonte
da proteção ambiental na gestão de seu antecessor, Jair Bolsonaro.
Daqui a dois anos, na COP-30 de Belém, o
bloco amazônico poderá encarnar o papel do anfitrião se vier a exibir uma
prestação de contas positiva dos dois anos de cooperação. Há dúvidas, porém. O
documento final da reunião de cúpula desta semana estará centrado no combate ao
desmatamento, a começar pelo provocado pelo crime organizado que circula
livremente na região. Não trará, no entanto, um compromisso único sobre quando
zerar a destruição da floresta. Essa aparente falta de ambição é justificável,
e o bloco já se conformou com ela. Ao contrário do Brasil, que voluntariamente
se comprometeu no Acordo de Paris a alcançar esse objetivo em 2030, outros
países amazônicos jamais se arriscaram a pôr uma data por falta de fontes de
recursos para programas ambientais.
O bloco amazônico certamente terá de
conviver com os tostões escassos para as políticas comuns a serem definidas
nesta semana. As reiteradas cobranças de Lula pelos US$ 100 bilhões prometidos
pelas economias avançadas aos projetos de transição energética e de preservação
florestal de países em desenvolvimento continuam no ar, sem desembolsos
efetivos. Não há razão, até o momento, para crer na boa vontade dos países
ricos em curto prazo. O bloco terá de fazer sua própria engenharia financeira.
A convocação de uma Cúpula da Amazônia, em
si, não chega a ser admirável. A definição de uma pauta comum centrada no
combate ao desmatamento ilegal e no desenvolvimento sustentável na Amazônia é o
que torna esse evento diplomático apropriado quando a região se vê mundialmente
cobrada a manter a floresta em pé. É seu papel no combate ao aquecimento
global.
A dimensão do golpe no Níger
O Estado de S. Paulo
Além de abortar a democracia do país, ele
amplia riscos de guerras e insurgências jihadistas
A interpenetração de forças políticas e
religiosas é sempre uma mistura volátil. Tanto pior se o aspecto mais nefasto
da política (o autoritarismo) se combina ao aspecto mais nefasto da religião (o
fanatismo), como está acontecendo em um dos países mais pobres do mundo. No dia
26, uma junta militar depôs o presidente do Níger, Mohamed Bazoum, suspendeu a Constituição
e dissolveu as instituições republicanas. Os militares dizem querer salvar o
país, especialmente das milícias jihadistas. Mas, como ocorreu em outros países
do Sahel, o resultado será provavelmente o oposto.
A região, uma faixa árida ao sul do Saara
com mais de 70 milhões de pessoas, tem sido há tempos fustigada por
instabilidade política e terrorismo promovido pela Al-Qaeda e o Estado
Islâmico. O Sahel, que em 2007 respondia por 1% das mortes por terrorismo, respondeu
no ano passado por 43%.
O golpe, o sexto na região em três anos,
segue o roteiro do Mali e de Burkina Faso – uma junta militar apoiada por
mercenários russos do Grupo Wagner –, mas é excepcionalmente preocupante: o
Níger era o último aliado sólido do Ocidente contra o jihadismo no Sahel. O
governo de Bazoum, que inaugurou em 2021 a primeira transferência de poder
democrática, estava longe de ser perfeito, mas vinha buscando melhorar serviços
públicos, negociar com militâncias jihadistas e empregar ajuda militar do
Ocidente. A estratégia estava se provando bem-sucedida. Nos últimos seis meses,
as mortes por conflitos no Níger atingiram o seu nível mais baixo desde 2018,
enquanto o morticínio no Mali e em Burkina Faso aumentou desde a queda de seus
governos civis.
Um bloco de Estados africanos (o Ecowas)
exige que o governo seja restabelecido, ameaçando empregar sanções e força
militar. Se for um blefe, pode desmoralizar uma importante instituição
regional, incentivando os jihadistas a promover mais instabilidade em países
mais ricos e populosos. Se o grupo partir para as vias de fato, pode detonar um
conflito regional. As juntas do Níger, do Mali e de Burkina Faso afirmam que
qualquer intervenção será considerada uma declaração de guerra. Para o Ocidente,
é insustentável cooperar com o regime golpista. Mas isso não só aumentará a
vulnerabilidade a mais ataques jihadistas, como abrirá as portas à influência
de Vladimir Putin.
Na melhor das hipóteses, se Bazoum for
restabelecido, estará em uma posição debilitada para retomar suas políticas.
Sendo isso improvável, o Ocidente precisará redirecionar seu apoio aos países
costeiros para conter o transbordamento do jihadismo. Mas a violência nos
Estados centrais do Sahel deve espiralar, ameaçando precipitar uma crise
migratória e mais insurgências e ataques jihadistas, não só na África, mas no
mundo.
A comunidade internacional precisa se debruçar sobre uma estratégia sistêmica de combate ao jihadismo na África, o que inclui apoio econômico, político e militar a países comprometidos com o Estado de Direito e serviços equânimes às suas populações. Mas, por ora, a crise tende a piorar antes de melhorar.
Amazônia é prioridade, mas o cerrado não
deve ser esquecido
Correio Braziliense
Começa hoje a Cúpula da Amazônia. O
desmatamento na região caiu 66%. Em contrapartida, cresceu no cerrado, o berço
das águas, onde está o Aquífero Guarani, o grande reservatório do Sul do
continente
Começa hoje, em Belém do Pará, a Cúpula da
Amazônia, que reunirá oito presidentes e representantes dos países da região e
outros convidados, entre os quais da Alemanha, da Indonésia, da Noruega e da
França (que faz parte da região por causa da Guiana Francesa). O desafio do
encontro é estabelecer uma política comum de proteção da floresta e uma nova
estratégia compartilhada de desenvolvimento sustentável para a região.
Segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina
Silva, e suas colegas da Colômbia, Suzana Muhamad, e do Peru, Nancy Chauca
Vasquez, durante o encontro Diálogos Amazônicos, no domingo, é preciso evitar o
"ponto de não-retorno" da devastação da maior floresta tropical do
mundo. "Ponto de não-retorno" é o termo usado por especialistas para
se referir ao momento em que a floresta perde sua capacidade de se autorregenerar,
em função do desmatamento, da degradação e do aquecimento global, iniciando-se,
assim, um processo de desertificação.
Sem dúvida, urge fortalecer a Organização
do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), do qual participam Brasil, Bolívia,
Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O Brasil está empenhado
na convergência entre os países da região, para que possam ir à COP28, nos
Emirados Árabes Unidos, em dezembro, com uma proposta capaz de sensibilizar os
países desenvolvidos a investirem mais na Amazônia. Hoje, os países da região
disputam esses recursos entre si, em vez de buscarem formas eficazes de
cooperação e pressão para obter mais recursos para todos.
Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva
(Brasil), Luís Arce (Bolívia), Gustavo Petro (Colômbia), Irfaan Ali (Guiana),
Dina Boluarte (Per) e Nicolás Maduro (Venezuela) têm as maiores
responsabilidades quanto ao êxito do encontro. Hoje, 75% das atividades
econômicas da América do Sul dependem do clima, principalmente das chuvas
produzidas pela Amazônia.
Além do desafio político, há o da
coordenação do trabalho técnico entre os países. Além das contradições
geopolíticas, são enormes as dificuldades financeiras e logísticas para
combater o desmatamento, o contrabando de madeira, a grilagem de terras, a pecuária
predatória, o garimpo ilegal e o tráfico de drogas, que formam um complexo
econômico ilegal e influente nas políticas locais.
Apesar de tudo, é possível conter o
desmatamento. Os alertas de desmatamento na Região Amazônica do Brasil
registraram uma queda de 66% em julho deste ano quando comparado com o mesmo
mês do ano passado. Na Amazônia brasileira, com a retomada das políticas
ambientas, os alertas de desmatamento atingiram a menor área em quatro
anos. O número oficial do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) para medir a
taxa anual de desmatamento na Amazônia Legal brasileira é fornecido, desde
1988, pelo projeto Prodes. Com esse sistema, é possível ver se há tendências de
queda, manutenção ou alta de destruição.
Entretanto, a devastação deslocou-se para o cerrado, o segundo maior bioma brasileiro, que bateu recorde de desmatamento. Conforme os dados do Inpe, a região teve 6.359km² com avisos de devastação entre agosto do ano passado e julho deste ano, maior número já registrado desde quando os dados começaram a ser compilados, em 2017. O recorde anterior fora entre os anos de 2018 e 2019. O aumento foi de 16% se comparado ao ano base anterior. A área derrubada é maior do que todo o Distrito Federal, que tem 5.760km². Portanto, o combate ao desmatamento na Amazonia não deve desconsiderar a gravidade da situação no cerrado, inclusive por causa do Aquífero Guarani, o grande reservatório subterrâneo de águas do Sul do continente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário