Folha de S. Paulo
Sem Bolsonaro no páreo e com silêncio de
rivais, mineiro se arrisca a ficar isolado
As novas declarações desastradas de Romeu Zema colocam
o governador de Minas
Gerais sob risco de isolamento, mas antecipam a disputa na direita
brasileira pelo espaço deixado por Jair
Bolsonaro (PL), inelegível até 2030.
Zema tem se mostrado politicamente inábil, como
a sugestão de que Sul e Sudeste precisam se unir para fazer valer seu
peso natural, mas a exposição tem uma motivação clara: a disputa
presidencial de 2026.
O governador
do Novo reelegeu-se com facilidade no segundo maior colégio eleitoral
do país no ano passado, um feito nada desprezível. Ainda jovem com 58 anos,
mostrou competência local. Mas é desconhecido nacionalmente, segundo poucas
pesquisas disponíveis para partidos e na percepção de operadores políticos
experientes.
Desta forma, botar a cabeça para fora mais cedo é uma forma lógica de se posicionar no debate público, ainda dominado pela oposição entre bolsonarismo e lulismo. Também segundo o raciocínio, ele tenta se dizer antipetista e não bolsonarista raiz, apesar de ter apoiado o ex-presidente no segundo turno de 2022.
Em nível nacional, o eleitorado mineiro foi
rachado, com o atual presidente levando 50,2% dos votos na segunda rodada e o
ex, 49,8%. Já Zema navegou em paz e levou a disputa local no primeiro turno,
com 56,2% drenados de ambos os lados da polarização.
O problema do governador é o que ele fala,
ainda que insista em se dizer incompreendido. Já tendo postado citação
ao ditador fascista italiano Benito Mussolini, ele se complicou ao
tocar no sensível
tema da desigualdade regional brasileira.
No começo de junho, em evento do consórcio
de governos do Sul e do Sudeste, sugeriu
que essas regiões puxam o desenvolvimento brasileiro, enquanto outras
vivem de esmola oficial. Neste fim de semana, em entrevista ao jornal O Estado
de S. Paulo, voltou à carga sugerindo uma união entre as duas regiões que,
juntas, somam 56,5% da população do Brasil.
A reação nordestina em ambos os casos foi
previsível. A região é um bastião da esquerda lulista, historicamente
convivendo com dificuldades econômicas. A notícia, contudo, veio do silêncio do
outro lado.
Nem Tarcísio
de Freitas (Republicanos-SP), nem Ratinho Jr. (PSD-PR) se manifestaram
sobre a fala do colega. A distinção ficou para Eduardo Leite (PSDB-RS), que
inicialmente o apoiou e depois foi às redes sociais para colocar panos quentes.
Em comum, Zema e esses personagens estão no
tabuleiro da direita pós-Bolsonaro para 2026. O comportamento no episódio é um
aperitivo que antecipa a disputa surda que já se dá para que os personagens,
nenhum nem perto de ter a dimensão eleitoral do ex-presidente, se posicionem.
Tarcísio tem a seu favor a gravidade do
cargo, mas tem sido aconselhado a deixar qualquer voo nacional para 2030. Jovem
(48 anos) e sem experiência com uma máquina gigantesca como a paulista, ele tem
demonstrado dificuldades quando exposto a crises, recuando
de decisões como no caso dos livros digitais na rede estadual.
Por outro lado, tem feito movimentos para
consolidar credenciais na direita, como no apoio inequívoco à criticada
ação policial em Guarujá. Isso pode render frutos não só com bolsonaristas,
mas com o eleitorado conservador paulista que pareou seu voto em 2022 entre ele
e o ex-presidente, ambos com 55% no segundo turno local.
É aposta, claro, de risco. Uma imagem
comprometedora de ação policial pode colocar a tática a perder, obrigando nova
marcha a ré, além de ser insondável agora o impacto em termos de imagem
nacional.
Ratinho Jr. come pelas bordas. No seu
segundo mandato, consolidou um grande domínio do PSD de Gilberto Kassab, aliás
bússola política como secretário de Governo de Tarcísio, no Paraná.
Aliados apontam que ele é jovem (42 anos) e que deseja experiência brasilense,
o que foi lido como intenção de candidatar-se ao Senado em 2026.
Leite está no mesmo diapasão: segundo
mandato, apenas 38 anos, figura que combina aspectos progressistas com
conservadorismo. Já teve seu momento de destaque nacional ao disputar as
prévias que não deram em nada do PSDB em 2021, e contra si há o fato de que seu
partido é
uma frágil sombra do que já foi.
Seu alinhamento inicial com a fala de Zema
sugeriu um cenário de união com o mineiro em 2026, em oposição ao silêncio
observado em Curitiba e São Paulo. É algo a ver: o eleitorado
de centro-direita estará órfão, mas atores desse espectro político
hoje avaliam que as chances de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
chegar favorito é muito grande, salvo a proverbial tragédia econômica ou
política.
Desta forma, há um abafado comentário sobre
quem toparia ser o boi de piranha da equação neste cenário, um raciocínio que
só ocorre porque
ainda está muito cedo para sabermos a disposição das peças daqui a
dois anos. Há uma miríade de fatores que pode atrapalhar a vida do PT, a
começar pela idade avançada de Lula, hoje com 77 anos.
Assim, no escuro, Zema
resolveu se mover, ainda que de forma atabalhoada. O jogo está só no
início.
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