Valor Econômico
Esposa de Lula entrou em campo para
defender o espaço das mulheres e os territórios caros ao PT no governo
Foi com amargura que a ex-primeira-dama
Maria Thereza Goulart revelou a um repórter do “Jornal do Brasil” qual conselho
daria à nova primeira-dama Rosane Collor. “Fique sempre linda e de boca
fechada”, sibilou.
Anos depois, a viúva de João Goulart
confidenciou como a angustiava o “estigma da mulher bonita, jovem e burra”.
Reflexo do senso comum de que as esposas dos presidentes devem ser
coadjuvantes, combinando beleza, elegância, discrição e dedicação às ações
sociais.
Em 2016, esse estigma foi reavivado quando
a revista “Veja” publicou um perfil da então primeira-dama Marcela Temer com um
título polêmico. A hashtag “bela, recatada e do lar” viralizou nas redes
sociais.
Coube à biografia lançada em 2019, pelo
jornalista Wagner William, revelar outra faceta de Maria Thereza, que a revista
“Time” incluiu entre as primeiras-damas mais bonitas do mundo, ao lado de
Jacqueline Kennedy e Grace Kelly.
Ela foi capaz de gestos de coragem que só
agora vieram à luz. Em março de 1964, em um clima de radicalização pelas
reformas de base de Jango, ela decidiu que subiria no palanque com o marido no
comício da Central do Brasil, estopim para o golpe militar.
Havia rumores de que o presidente levaria um tiro, ou lançariam uma bomba no palco. Simultaneamente, a primeira-dama duelou com seus fantasmas porque sofria ataques de pânico, e tinha fobia de multidão. Mas não recuou.
A propósito das primeiras-damas, vem à tona
o papel de Rosângela Lula da Silva (Janja) na reforma ministerial que ampliará
os espaços do Centrão no governo. A atual primeira-dama entrou em campo para
defender, em contrapartida, os espaços de poder das mulheres, bem como os
territórios que considera caros ao governo Lula e ao PT.
Foi diante da ofensiva do PP sobre o
Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), responsável pelo Bolsa Família, e
sob o comando do ministro Wellington Dias - ex-governador do Piauí e quadro
histórico do PT - que Janja visitou a sede da pasta no começo de julho. No
local, ela gravou um vídeo ao lado de Dias ressaltando que o ministério “é onde
o coração do governo pulsa”.
Face à cobiça de PP e Republicanos por
ministérios e outros cargos ocupados por mulheres, Janja também se posicionou.
Ao discursar em 25 de julho, no 1o. Encontro de Integração de Mulheres
Latino-americanas, ao saudar as ministras das Mulheres, Cida Gonçalves, e da
Gestão, Esther Dweck, registrou que estão na “trincheira pela defesa das
mulheres nos espaços de poder”.
A declaração ressoou como recado velado ao
Centrão, que também reivindicou ministérios controlados por mulheres, como a
pasta da Saúde, sob Nísia Trindade, e do Esporte, sob a campeã olímpica Ana
Moser.
“Não é possível mais as mulheres aceitarem
a violência política, seja no parlamento seja nas redes sociais”, exortou Janja
em sua fala. “Lula sabe da importância do papel que as mulheres têm na
sociedade brasileira, por isso, hoje a gente tem o maior número de mulheres nos
ministérios e nos espaços de decisões de poder”, enfatizou.
A atuação de Janja influenciou o ritmo da
reforma, revirou o tabuleiro e pressionou o Centrão, que indicou mulheres para
o governo. A ex-vice-governadora do Piauí e diretora do Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) Margarete Coelho, aliada do
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é cotada para a presidência da Caixa
Econômica Federal no lugar de Rita Serrano.
Alas do PT, do PP e Republicanos
incomodaram-se com a atuação da primeira-dama por acreditar que a reforma
ministerial não lhe diz respeito. Mas a história mostra que Janja não é a única
primeira-dama a influir nos rumos da política.
Em 1946, Carmela Dutra, a “dona Santinha”,
uma católica fervorosa, persuadiu o marido, o presidente Eurico Gaspar Dutra,
general do Exército, a fechar os cassinos no país em nome da moral e da
decência.
Fernando Henrique Cardoso revelou nos
“Diários da Presidência” que uma intervenção da primeira-dama Ruth Cardoso foi
determinante para convencer o então ministro do Planejamento, José Serra, a
concorrer à Prefeitura de São Paulo em 1996.
“Ruth, com a franqueza e a capacidade de
convencimento que ela tem, disse ao Serra uma porção de coisas verdadeiras; que
se ele não aceitasse a candidatura haveria uma desilusão com ele em São Paulo,
que ele tem chances de ganhar e que seria bom ele ser candidato, embora para o
governo seja ruim”, escreveu FHC.
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro levou
o então presidente Jair Bolsonaro a romper acordo com o PL para apoiar Flávia
Arruda na disputa ao Senado pelo Distrito Federal. Michelle advertiu que
ninguém a impediria de fazer campanha para a ministra Damares Alves
(Republicanos), que venceu o pleito e elegeu-se senadora.
Atualmente, ministros, ministras e
titulares de cargos na mira do Centrão, ou alvo de intrigas buscam a blindagem
de Janja. Em rota de colisão com o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, o
ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), convidou-a para ser
madrinha do Programa de Energias da Amazônia, lembrando a atuação dela em
Itaipu.
“Pela sua sensibilidade social e
conhecimento do setor elétrico brasileiro”, exaltou. Em Parintins (AM), abriu
alas para a entrega de mimos para a primeira-dama: um cocar e um buquê de
girassóis.
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