Poupar civis é maior desafio na reação a Hamas
O Globo
Israel tem responsabilidade de reagir sem
cair na armadilha dos terroristas, que usam palestinos como escudos
Em qualquer conflito armado, as principais
vítimas — e as mais dolorosas — sempre são os civis. Aqueles que não usam farda
nem empunham armas, muitas vezes idosos ou crianças, ficam sujeitos à privação
de víveres, energia ou serviços. Seus movimentos são tolhidos, suas famílias
dilaceradas pelos combates, suas vidas estão sempre em risco. E muitos morrem.
Morrem sem nenhum motivo, nenhum sentido de justiça. Por isso todo relato das
guerras costuma vir acompanhado da contabilidade macabra de mortes entre civis.
Só nas principais guerras deste século, foram mais de 300 mil na Síria, mais de 120 mil
no Afeganistão,
mais de 100 mil no Iraque e, até agora, perto de 10 mil na Ucrânia.
Números como esses deveriam provocar indignação, embora nem sempre isso aconteça. Cada morte de civil numa guerra deveria despertar revolta, embora nem sempre isso aconteça. Todas as forças num conflito deveriam fazer o possível para preservar a vida daqueles que não são combatentes, embora nem sempre isso aconteça. O caso do conflito entre israelenses e palestinos costuma ser uma exceção. Há sempre um clamor internacional para que vidas civis sejam preservadas. Isso é extremamente positivo, mas demonstra que tudo na região é mais intenso.
Entre 2008 e 2022, perto de 6.500 civis
palestinos e pouco mais de 300 civis israelenses morreram no conflito, segundo
dados da ONU. Depois dos atentados do grupo terrorista Hamas no
último fim de semana e da reação israelense, esse número já subiu
expressivamente, com pelo menos 1.300 israelenses e 2.200 palestinos mortos.
Devem ser ouvidas, portanto, as vozes que pedem respeito, compaixão e um
tratamento humanitário da população da Faixa de Gaza, onde vivem mais de 2
milhões de palestinos, a maioria em condições insalubres.
Desta vez, o choque na região foi agravado
por fatores inéditos. Um deles foi a barbárie indescritível dos ataques
terroristas do Hamas (cujos alvos, jamais se deve esquecer, eram todos civis).
Outro foi a captura de 150 reféns israelenses, levados para Gaza. É uma
situação com que Israel jamais
lidou — ao menos não nessa dimensão (em 2011, o país chegou a trocar a
libertação de um único refém em poder do Hamas desde 2006, o soldado Gilad
Shalit, pela de mais de mil palestinos que mantinha presos).
No discurso, o governo israelense prometeu
“esmagar” o Hamas. Na prática, trata-se de uma missão complexa. A primeira
medida adotada foi o cerco a Gaza, com corte no fornecimento de água, comida e
energia, nas comunicações e trocas de mercadorias. A segunda medida foram — e
são — os bombardeios contínuos que têm caído sobre áreas habitadas, uma vez que
os estimados 80 mil combatentes do Hamas operam no seio da população em vez de
protegê-la. Com isso, Israel atinge todos os palestinos que lá vivem e ameaça o
funcionamento de hospitais e serviços essenciais para atender os feridos. Além
dos bombardeios, o Exército israelense convocou 360 mil reservistas e, antes de
qualquer invasão terrestre, emitiu um alerta para 1,1 milhão de civis que vivem
no norte de Gaza se dirigirem ao sul.
O desafio é enorme, porque não se trata
apenas de questão militar. Deflagrar uma operação para pôr fim ao Hamas traz
riscos evidentes. Primeiro, para a vida dos reféns, cuja libertação Israel tem
exigido como condição para aliviar o cerco. Em seguida, há um alto risco de
imagem. O Hamas subjuga uma população indefesa, se infiltra nela, se mistura a
ela, a usa como escudo humano em instalações militares ou outros alvos de
ataques israelenses, sem se importar com a vida dos civis expostos. O Hamas tem
perfeita noção disso. Não é exagero supor que aposta na reação israelense
desmesurada para que a opinião pública mundial deixe a barbárie dos atentados
em segundo plano.
Diante de todos esses desafios, há análises
para todos os gostos propondo meios para Israel alcançar seus objetivos
poupando a população civil de Gaza. Passam por cessar-fogo, estabelecimento de
corredores humanitários, negociações entre as partes ou com mediação de
terceiros. Não resta nenhuma dúvida de que isso seria o ideal, até mesmo
imprescindível. No mundo real, porém, não importa o que se escreva, é dos
israelenses a responsabilidade histórica de superar a crise e de se defender, depois
do mais monstruoso atentado terrorista que já sofreram. Tal tarefa cabe apenas
à sociedade, ao governo, ao Exército e ao Estado de Israel. E responderão por
isso internamente e diante do mundo.
Assédio à reforma
Folha de S. Paulo
Emendas no Senado buscam privilégios
setoriais que esvaziam a mudança tributária
Um objetivo central da reforma
tributária é a uniformização das alíquotas dos impostos sobre o
consumo de bens e serviços. Isto é, que a carga seja igual ou similar para
qualquer ramo de atividade.
Além de propiciar benefícios tais como
transparência, simplicidade na administração pública e privada da tributação e
evitar a nefasta guerra fiscal, a uniformidade é reconhecida como meio de
aumentar a eficiência geral da economia.
No entanto está em curso uma corrida pelo
tratamento diferenciado —isto é, por alíquotas menores e
privilégios setoriais.
Aprovada na Câmara dos
Deputados já com exceções indesejáveis, a reforma tramita
no Senado,
onde recebeu 429 emendas até a quarta-feira (11). De acordo com reportagem publicada
pela Folha, o movimento "Pra Ser Justo" analisou 310 emendas
apresentadas até o dia 4. Dessas, 46% provocariam um aumento da alíquota geral.
Vale dizer: quando há exceções (imposto
menor), há que compensá-las de modo a manter o nível da arrecadação dos
governos, um objetivo sensato da proposta.
A corrida pelo privilégio é evidente desde as
audiências públicas da reforma na Câmara. Aqueles que reclamam tratamento
especial afirmam que apoiam a mudança, mas que sua atividade é por algum motivo
especial o bastante para continuar a recolher impostos com alíquotas reduzidas
ou até ganhar novos benefícios.
Ou seja, todos são a favor da uniformização
—desde que ela só valha para os outros.
Alíquotas diferenciadas em geral distorcem as
decisões de uso de recursos produtivos, ou seja, capital e trabalho. Uma
decisão de investimento baseada em isenção de impostos leva menos em conta o
retorno esperado do empreendimento em si. Assim, reduz-se a eficiência geral da
economia.
De resto, trata-se de um incentivo para que
empresas reivindiquem favores do governo, em prejuízo da busca por
produtividade.
O relatório sobre o texto da reforma a ser
votado no Senado deve ser apresentado no dia 24. Ainda não se sabe, pois, quais
emendas serão acolhidas. Porém o relator, Eduardo Braga (MDB-AM), disse, por
exemplo, que estuda como
prorrogar ou criar incentivos para montadoras de veículos.
O próprio governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) também apoia alguns desses favorecimentos, o que eleva os riscos
para a proposta.
Quanto mais exceções, maior será a alíquota
geral, o que será um obstáculo político ao avanço da reforma. Maiores serão
também a distorção da alocação de capital, a complexidade do sistema e a
possibilidade de guerras fiscais entre as unidades da Federação.
Decerto que uma reforma tão complexa implica
inevitáveis concessões políticas. Uma oportunidade preciosa será perdida,
contudo, se o texto for desfigurado a ponto de serem duvidosas as vantagens em
relação ao sistema atual.
Retrocesso civilizatório
Folha de S. Paulo
Projeto que proíbe casamentos homoafetivos é
afronta aos direitos humanos
Chega a ser difícil acreditar que possa
prosperar no Congresso um retrocesso civilizatório como o projeto de
lei que proíbe o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Entretanto a proposta obscurantista foi aprovada
por 12 votos a 5, na última terça-feira (10), pela Comissão de
Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, da Câmara dos
Deputados, com impulso da direita bolsonarista e da bancada
evangélica.
O texto foi relatado pelo deputado Pastor
Eurico (PL-PE), cujo parecer aponta que a Constituição prevê a proteção do
Estado tão somente para "a união estável entre o homem e a mulher".
Há mais de uma década, em 2011, o Supremo
Tribunal Federal reconheceu a
possibilidade legal de união entre pessoas do mesmo sexo. Os
ministros entenderam que ali se sobrepunha o princípio fundamental da Carta que
rechaça "preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação".
O Congresso deveria, isso sim, levar tal
entendimento à lei.
Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça
determinou que os cartórios celebrassem o casamento civil.
De lá para cá, o número de uniões homoafetivas por ano quase
quadruplicou, passando de cerca de 3.700 para perto de 13 mil no ano
passado, de acordo com levantamento da associação que congrega os cartórios no
país.
Inexiste argumento minimamente razoável para
retirar dessas milhares de famílias e outras futuras a possibilidade de serem
reconhecidas perante a lei. Trata-se de imposição autoritária que não pode ter
lugar em uma democracia plural como a brasileira.
Note-se que o projeto quer proibir que casais
do mesmo sexo possam celebrar o matrimônio no âmbito civil, em clara violação
da laicidade do Estado. Não há hoje nenhuma obrigação legal para que templos de
qualquer credo celebrem tais casamentos se não o quiserem —o que é devidamente
protegido pela liberdade religiosa.
Felizmente ainda restam muitas etapas para a tramitação da proposta reacionária, o que dá oportunidade aos deputados de se pouparem de uma vergonha histórica e abandonarem o que seria uma afronta aos direitos humanos.
É preciso revalorizar a globalização
O Estado de S. Paulo
Questionado pela esquerda estatista e pela
direita nacionalista, o sistema multilateral de comércio ainda é o melhor caminho
para um mundo mais seguro, próspero e sustentável
“As ideias que moldaram o mundo globalizado
de hoje foram uma resposta ao desastroso mundo desglobalizado da primeira
metade do século 20. Vendo o quanto uma economia mundial dividida contribuiu
para a depressão econômica, o conflito e, ao fim, para a 2.ª Guerra Mundial, os
arquitetos do pós-guerra resolveram construir ao invés disso uma economia
mundial aberta e integrada.” Assim a Organização Mundial do Comércio (OMC)
resumiu em seu último relatório sobre o comércio global o espírito do sistema
multilateral de comércio que ela supervisiona. “Um comércio mais livre
entregaria crescimento e desenvolvimento compartilhados. A interdependência
econômica daria aos países uma participação no sucesso um do outro. Regras e
instituições internacionais promoveriam estabilidade, confiança e colaboração.
O antídoto ao nacionalismo econômico de soma zero foi uma cooperação econômica
global de soma positiva.”
Assim foi, especialmente após a Cortina de
Ferro ser rasgada. Desde então, a extrema pobreza caiu de quase 40% da
população global para 8,4%; as crianças que morrem antes dos 5 anos, de 9,3%
para 3,7%; o analfabetismo, de 25,7% para 13,5%; a mortalidade materna caiu
55%; e a expectativa de vida cresceu de 64 para 73 anos. Em termos de
bem-estar, foram as melhores décadas da história da humanidade.
O progresso não foi homogêneo. Há países que
retrocederam. Mas a maioria melhorou e os casos de maior sucesso, em todos os
continentes e culturas, têm um denominador comum: mais liberdade para inovar,
criar, trabalhar, comprar e vender. Segundo o índice de Liberdade Econômica do
Fraser Institute, o mais sistemático e abrangente do mundo, o PIB per capita do
quartil de países mais livres do mundo é mais de 7 vezes maior que o do quartil
dos menos livres, onde a miséria é 16 vezes maior. Países com mercados mais
livres crescem mais rápido, têm melhores salários, menos corrupção e mais
investimento, bem-estar subjetivo, democracia e respeito aos direitos humanos.
Mas a última década foi turbulenta: crise
financeira, caos e terrorismo no Oriente Médio, crises migratórias, a pandemia,
extremos climáticos, arrefecimento das democracias e recrudescimento das
autocracias, tensões geopolíticas e uma guerra em larga escala que pode detonar
uma 3.ª Guerra Mundial.
Contra todas as evidências socioeconômicas, a
esquerda estatista requentou seus dogmas – ainda por esses dias o presidente
Lula vociferou na ONU sobre a “massa de deserdados e excluídos” legada pelo
“neoliberalismo” – e ganhou aliados nas direitas nacionalistas. Establishments
assimilaram a retórica do big government, do protecionismo, da repatriação das
cadeias de valor e da fragmentação em blocos geopolíticos, e populistas à
direita e à esquerda, de fronts opostos, bombardeiam um mesmo inimigo: o
livre-comércio. O caminho para um mundo mais seguro, inclusivo e sustentável
seria a “desglobalização”.
Com efeito, a globalização trouxe danos
colaterais: o crescimento dos países pobres intensificou as emissões de
carbono; classes operárias nos países ricos perderam empregos; a capitalização
de autocracias como a China ampliou seu potencial de agressão.
Mas a OMC traz fartas evidências e projeções
demonstrando que mais fragmentação só agravaria esses problemas. O
livre-comércio pode contribuir para mais segurança econômica e menos conflitos,
diversificando riscos e facilitando resolução de disputas multilaterais; para
menos desigualdade, incluindo economias pobres nas cadeias de valor e
promovendo convergência econômica e redução da pobreza; e para mais
sustentabilidade, ampliando a disponibilidade de bens e serviços ambientais e
viabilizando uma governança coordenada.
A boa notícia é que a globalização continua a
crescer. A má é que ela está se desacelerando. A retórica nacionalista ganha
terreno e pode virar o jogo. Mas a realidade é que hoje, como sempre, o caminho
para um mundo mais próspero, justo e limpo, está em mais abertura e integração,
não menos. Antes que de um choque de desglobalização, o mundo precisa de uma
onda de “reglobalização”.
Incoerência climática
O Estado de S. Paulo
Grandes empresas fazem alarde, mas não aderem
de fato aos esforços para combater os efeitos da crise climática; é preciso
investir para mudar a mentalidade de consumidores e produtores
A crise climática tornou-se a maior
preocupação mundial das últimas décadas, e o temor cresce à medida que seus
efeitos se acentuam de forma assustadora. Mas os investimentos das grandes
empresas na mitigação dos impactos ainda são mínimos. Grande parte do planejamento
de compromissos e metas se traduz mais em propaganda e retórica do que na
aplicação efetiva de recursos.
Apesar da apreensão global, o ponto de
inflexão ainda não foi atingido. Os mesmos investidores internacionais que
cobram dados sobre emissões não estão preparados para aceitar retornos
financeiros eventualmente mais baixos como resultado. Os consumidores, por sua
vez, que se mostram mais sensíveis a conhecer a forma como os produtos são
feitos, continuam a balizar suas compras essencialmente pelo custo. Por fim, as
empresas alçam a questão ambiental ao patamar de prioridade, mas perseguem
metas de retorno e de redução de custo em primeiro lugar.
Duzentas e seis multinacionais nos Estados
Unidos, Europa e Brasil foram pesquisadas pela consultoria Oliver Wyman, líder
global em estratégia e gestão, e pela Climate Group, ONG com escritórios em
Londres, Nova York, Nova Déli, Amsterdã e Pequim. O resultado é o retrato sem
filtro das decisões sobre investimentos ambientais, como mostrou a Coluna do Broadcast.
Diversos exemplos são citados no relatório
Ação Climática em Escala, que usa o termo “contradição do mercado” para
referir-se ao descasamento entre propostas e resultados. Mais da metade (59%)
das grandes companhias ouvidas investe menos de 5% de seus recursos
operacionais em medidas destinadas ao combate e prevenção da crise climática.
Os compromissos com a sustentabilidade
entraram oficialmente na pauta global em 1992, com a Conferência das Nações
Unidas no Rio de Janeiro (Eco92). Nesses 31 anos o mundo defende formas de
frear o aquecimento global, impondo o limite de 1,5°C ao aumento anual da
temperatura, sob risco de os desastres climáticos tornarem inabitável o
planeta.
A consciência está formada. O problema é
partir da teoria para a prática, para ir além de ações isoladas ou simbólicas.
O atual estágio exige investimentos em larga escala. Pela amostra
representativa do relatório é possível constatar que muitas empresas
instituíram metas ambiciosas de redução de carbono até 2030, por exemplo. Mas,
na maior parte das vezes, não há detalhamento dos custos que o programa
representará.
O papel das grandes empresas na busca pelo
equilíbrio climático não acaba com o simples estabelecimento de um cronograma
de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa. Além disso, é
necessária a construção de negócios que prosperem num mundo descarbonizado. Não
se trata de escolha. Aliás, não há mais escolha; é imperativo avançar nessa
estratégia de negócios.
Os efeitos das mudanças climáticas batem à
porta, com as chuvas torrenciais, ciclones, furacões, incêndios florestais,
ondas de calor extremo, desastres naturais que deixam um rastro de dezenas, às
vezes centenas ou milhares de mortes. Um início de primavera com temperaturas
previstas acima de 40°C mostra que já passou da fase das boas intenções.
O relatório mostra que quase nenhuma ação
corporativa relativa à questão climática vem do motor normal dos negócios, que
é a demanda do consumidor, e nenhum dos entrevistados disse esperar que isso
mude. Na interpretação deles, o comportamento do consumidor continua vinculado
ao valor monetário. Isso é certamente verdadeiro, mas não pode ser tomado como
algo impossível de mudar.
Enquanto a intervenção direta do consumidor
for insuficiente, que haja medidas públicas para acelerar o esforço da
descarbonização. O Ministério da Fazenda anunciou a criação, em breve, da
taxonomia sustentável brasileira, conjunto de regras para orientar
investimentos públicos e privados sobre ativos e projetos sustentáveis.
Estamos atrasados. Esse instrumento para
calcular a factibilidade dos compromissos ambientais, separando o que é sério
daquilo que é apenas “maquiagem verde” (greenwashing), já deveria estar em
vigor.
Professor formado a distância
O Estado de S. Paulo
Explosão do ensino a distância em
licenciatura eleva risco de desqualificação profissional
A multiplicação de vagas em cursos de
graduação a distância, captada pelo MEC no último Censo de Educação Superior,
fez com que, em 2022, dois de cada três estudantes ingressassem no ensino
superior pela modalidade Ensino a Distância (EaD). Em dez anos, a quantidade de
cursos dessa categoria cresceu 700%. Diante do baixo índice de qualificação do
EaD – apenas 19% dos cursos privados e 34% dos públicos obtiveram notas 4 ou 5
na avaliação feita pelo Inep –, essa ascensão meteórica é alarmante.
Nos cursos de licenciatura oferecidos por
instituições privadas, nos quais são formados professores das mais diferentes
disciplinas, há um abismo impressionante entre o ensino presencial e o remoto.
De acordo com o censo, 93,7% dos ingressantes entre 2012 e 2022 foram por EaD
na rede particular. Um fenômeno que vinha se desenhando havia alguns anos, foi
potencializado no período da pandemia e manteve o ritmo mesmo depois do fim das
medidas de isolamento social.
O ministro da Educação, Camilo Santana, se
diz extremamente preocupado e defende fiscalização mais rigorosa, coordenação e
regulamentação desses cursos. Ora, são iniciativas que o MEC deveria ter tomado
aos primeiros sinais de crescimento descontrolado da oferta. Pelos dados do
censo, nos cursos de EaD em instituições privadas a média é de 171 alunos por
professor. Difícil imaginar um bom acompanhamento docente numa turma tão
numerosa, mesmo que com participação a distância. A média total é de turmas de
12 alunos, considerando instituições públicas e privadas em cursos presenciais
e EaD.
O ensino remoto, como bem disse o ministro
Camilo Santana, não pode ser demonizado. Mas precisa de regulamentação
criteriosa que confira credibilidade acadêmica aos profissionais que forma. De
pouco adianta democratizar o ensino superior elevando-se o total de alunos, mas
deixando de lado a imposição de uma instrução de excelência. Quantidade e
qualidade são metas a serem perseguidas simultaneamente. De forma alguma a
primeira parece ter se tornado a prioridade, e se assim for o País acabará
depreciando profissionais essenciais para o desenvolvimento.
Atualmente, considerando instituições
públicas e privadas, oito de cada dez alunos matriculados em cursos de
licenciatura optam pelo EaD. Ou seja, em pouco tempo haverá no País um contingente
de professores do ensino fundamental majoritariamente formado pelo ensino a
distância. Não seria uma catástrofe anunciada se, ao menos, a qualidade dessa
formação fosse permanente e criteriosamente avaliada e descredenciados os
cursos que não obtivessem a expertise mínima para permanecer em atuação.
A situação piora diante da evasão nesses
cursos da educação superior, considerando-se os de EaD e presencial, tanto nas
públicas como nas particulares. No conjunto dos cursos de licenciatura do País,
58% dos estudantes que ingressaram na faculdade em 2013 haviam desistido do
curso em 2022.
A formação de professores é fundamental para a qualificação do ensino, que precisa urgentemente de um salto de qualidade. O atual quadro, contudo, não autoriza otimismo.
Um apelo antigo: melhorar a educação
Correio Braziliense
"O Brasil precisa unir esforços para
empreender uma educação sólida, que prepare o país para os monumentais desafios
presentes e futuros"
Neste Dia do Professor, impõe alertar, mais
uma vez, para uma necessidade tão antiga quanto essencial: a imperiosa urgência
de melhorar a educação no país. Trata-se de caminho incontornável se o Brasil
quiser galgar efetivamente novos patamares de desenvolvimento. Investir na
qualidade do ensino direciona a nação para um futuro promissor; tem efeito direto
no mercado de trabalho; contribui para combater mazelas, como a violência;
ajuda a instaurar a civilidade no nosso meio; forma cidadãos capazes de fazer
as melhores escolhas na política, na economia, na vida cotidiana.
Os efeitos positivos citados brevemente acima
evidenciam os benefícios transversais e geracionais proporcionados pelo cuidado
com a educação. Aprimorar a qualidade do ensino deveria ser — e aqui não se
fala novidade alguma — política de Estado, e não de governo. Infelizmente,
gestões irresponsáveis e vieses ideológicos, tanto da esquerda quanto da
direita, prejudicam a formação educacional de brasileiros.
Perpetua-se um estado de coisas lastimável,
como crianças em idade escolar que não compreendem os rudimentos do português
ou da matemática; jovens que abandonam o ensino médio; professores mal
remunerados e desvalorizados; escolas em condições deploráveis – quando há
escolas.
É extensa a quantidade de estudos disponíveis
que detalham os desafios educacionais no Brasil. Um levantamento esclarecedor
foi divulgado em setembro pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), no relatório Education at a Glance (Um olhar para a educação,
em tradução livre). Os dados informam que o Brasil investe US$ 3,5 mil por
aluno/ano na educação pública básica. É menos de um terço da média dos países
da OCDE, na faixa de US$ 10,9 mil. E o baixo investimento é apenas uma parte do
problema. Mais do que a quantidade de recursos, especialistas alertam para a necessidade de se observar a qualidade desses investimentos, a partir da
verificação de seus resultados.
Outra amostra inquietante veio a público na
semana passada. O Censo da Educação Superior, divulgado pelo Ministério da
Educação, identificou sinais preocupantes na formação de professores. O
levantamento apontou um crescimento vertiginoso dos cursos a distância. Na
formação em licenciatura, 80% dos alunos optaram por essa modalidade. Não se
trata, como ponderou o ministro da Educação, Camilo Santana, de “demonizar” os
cursos a distância. Mas existe claramente um deficit de qualidade na preparação
desses futuros profissionais da sala de aula.
Segundo o resultado mais recente do Exame
Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), a situação é grave: os cursandos
de licenciatura tiveram, numa escala de 0 a 10, nota abaixo de 5. Em Pedagogia,
anotaram 3,6. “Não podemos aceitar que a grande maioria dos cursos de
licenciatura do Brasil seja a distância”, disse Camilo Santana. “Não tenho
dúvidas de que vamos ter desafios enormes em relação, principalmente, aos
cursos de licenciatura”, acrescentou.
Está claro, pois, que o Brasil precisa unir esforços para empreender uma educação sólida, que prepare o país para os monumentais desafios presentes e futuros. Problemas como desigualdade social, emergência climática, avanço do crime organizado, apenas para citar alguns, só poderão ser mitigados ante uma ação coletiva, que envolva governo e sociedade, em todos os níveis.
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