Folha de S. Paulo
É preciso acreditar na própria democracia
para estar civicamente atento
Após reunião com Lula,
o presidente do Banco Central foi
taxativo: ele ouve com atenção o interlocutor. A constatação pareceria
óbvia em qualquer conversa pautada por regras de civilidade, mas o dirigente
não deixou de contrastá-la com o ex-presidente da República, com quem não conseguia se entender
e ser ouvido por mais do que três minutos. A ressalva visa a escassa capacidade
intelectiva do ex-mandatário, já muito conhecida, porém o que está implicado no
fenômeno tem alcance maior.
Há indícios fortes de uma crise generalizada da atenção. Em aulas, espetáculos, conversas pessoais, perde-se com frequência o foco para a onipresença do celular. Ainda que este não esteja de fato sendo manuseado, seu efeito é perceptível na interlocução, seja pelo alheamento ou pela incompreensão discursiva. Enunciados muito articulados ou prolongados são motivos de impaciência. Até mesmo as canções de sucesso são cada vez mais curtas, algumas com menos de um minuto.
A coisa tem raízes antigas. O principal
objetivo da mídia sempre foi a captura da atenção pública. As técnicas usuais
do jornalismo não têm a ver com nenhuma filosofia, mas com estratégias textuais
de tempo mínimo. Com o aporte da eletrônica, intensifica-se a apropriação
mercadológica dessa matéria rentável que é o tempo do outro. No mercado, tempo
é mesmo dinheiro.
Na vida social regulada por redes
informativas, o fenômeno generaliza-se por focos mobilizadores de atenção. Ou
seja, por pontos nevrálgicos da fricção entre as classes sociais, onde a
informação desligada do contexto sociopolítico pode ser apenas mistificação do
senso comum. Isso fica evidente em grupos minoritários, sem voz nem influência
social.
Mas não só: o fenômeno é globalmente afetado
pela disseminação da lógica (algorítmica) do autômato. Em princípio, porém,
atenção supõe afeto e confiança na fala do outro. É a desconfiança entre
israelenses e palestinos que bloqueia uma sociabilidade mínima.
O social, enquanto tal, não existe: a
ideia de sociedade depende do pacto de confiança subjacente a toda organização.
"Acreditar na palavra humana, falada ou escrita, é tão indispensável aos
humanos quanto se fiar na firmeza do solo" (Paul Valéry).
Isso é dar atenção, "a forma mais rara e pura de generosidade", na
definição de Simone Weil.
Disso vive a psicanálise.
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