CartaCapital
Ele representava uma geração de empresários
comprometidos com as empresas, o País e o povo
Leio com pesar, no jornal Valor:
“Claudio Bardella morreu na sexta-feira (3), aos 85 anos.”
Conheci Claudio Bardella na segunda metade
dos anos 70 do século passado. O Fórum Gazeta Mercantil, iniciativa do então
diretor de redação do jornal, Roberto Muller, realizava eleições entre as
lideranças empresariais. Bardella figurava entre os escolhidos em 1978.
Pertencia a uma geração de empresários brasileiros comprometidos com suas
companhias, seu País e com o progresso econômico e social do seu povo.
Nessa geração figuravam Antônio Ermírio de
Moraes, Paulo Cunha, Paulo Villares, Abraham Kasinski, José Mindlin, e outros.
Muitos deles tiveram o desassombro de assinar, em 1978, o Documento dos Oito,
um grito empresarial em defesa do Brasil que ainda avançava nas rotas da
industrialização.
Não posso conceber mais digna homenagem ao grande empresário, senão oferecer uma sucinta narrativa da saga da industrialização brasileira. Saga que contou com seu valioso protagonismo.
No Brasil dos anos 30 do século passado, o
governo de Getúlio
Vargas reagiu à derrocada dos preços do café, causada pela
Grande Depressão, com políticas de defesa da economia nacional: a compra dos
estoques excedentes e a moratória para as dívidas dos cafeicultores. Essas
medidas e a desorganização do mercado mundial − provocada pela Depressão e
depois pela guerra − ensejaram um forte impulso à industrialização do País.
O segundo conflito mundial ampliou as
oportunidades de crescimento da indústria de bens de consumo não duráveis
(têxteis calçados, alimentos e bebidas) e de alguns insumos processados, como
óleos e graxas vegetais, ferro-gusa. Esses setores cresceram rapidamente não só
para suprir a demanda doméstica, mas também para atender às exportações. Ainda
durante a guerra, o presidente
Getúlio Vargas negociou com os americanos a construção da
Siderúrgica de Volta Redonda. Esse empreendimento, crucial para as etapas
subsequentes da industrialização, entrou em operação em 1946.
A economia brasileira havia mudado e evoluído
entre 1930 e 1945. A velha economia primário-exportadora deixou uma herança de
deficiências na infraestrutura (energia elétrica, petróleo, transportes,
comunicações), nas desigualdades regionais e na péssima distribuição de renda.
Eleito em 1950, Getúlio Vargas lançou, em
1951, o Plano de Eletrificação, criou o BNDE em 1952 e a
Petrobras em 1953. O avanço da industrialização só poderia ocorrer com a
modernização dos setores já existentes e constituição dos departamentos
industriais que produzem equipamentos, componentes, insumos pesados e bens
duráveis.
Getúlio cometeu suicídio em agosto de 1954.
As eleições de 1955 transcorreram num ambiente turbulento. As forças que
levaram Vargas ao suicídio no ano anterior tentaram impedir a posse de
Juscelino, eleito em 1955. O golpe foi frustrado pela reação pronta do general
Henrique Batista Duffles Teixeira Lott.
Grupos mistos de empresários e técnicos do
BNDE coordenavam os programas de investimento
Juscelino tomou posse em 1956 e seu mandato
foi ameaçado por novas tentativas de golpes militares. Prometeu avançar 50 anos
em cinco. Pode-se dizer que cumpriu a promessa. Governou sob a orientação do
Plano de Metas elaborado a partir de dois estudos: o da Comissão Mista
Brasil-Estados Unidos e o da Comissão Mista Cepal-BNDES − Esboço de um Programa
de Desenvolvimento para a Economia Brasileira.
O Plano de Metas contemplava cinco
prioridades: Energia, Transportes, Alimentação, Indústrias de Base e Educação.
O projeto de democratização da educação estava apoiado nos trabalhos do
pioneiro Anísio Teixeira.
O governo acelerou os gastos na
infraestrutura. A construção de Brasília e a abertura de estradas, como a
Belém-Brasília, integravam o projeto de interiorização do
desenvolvimento. Ao mesmo tempo, foram constituídos os grupos executivos,
coordenados pelo conselho nacional de desenvolvimento, formados por empresários
do setor privado e técnicos do BNDE, com o propósito de coordenar os programas
de investimento e a divisão do trabalho entre o capital estrangeiro e o
nacional nas diversas áreas. Essa era a tarefa do Grupo Executivo da Indústria
Automobilística (Geia), do Grupo Executivo da Construção Naval (Geicon), do
Grupo Executivo da Indústria de Transporte (Geipot) e do Grupo Executivo
da Indústria Mecânica Pesada (Geimap). Em 1958, foi criada a Sudene, com o
propósito de promover o desenvolvimento do Nordeste.
O Plano de Metas articulou, portanto, as
ações do governo, do setor privado nacional e do capital produtivo
internacional, que já experimentava uma forte expansão. A grande empresa
americana movimentava-se dos Estados Unidos para a Europa em reconstrução. As
empresas europeias, em maior número, e as americanas transladavam suas filiais
dessas regiões para os países em desenvolvimento dotados de estruturas
produtivas mais avançadas e que apresentavam taxas de crescimento mais
elevadas. O Brasil, entre 1956 e 1960, cresceu, em média, 7% ao ano e tornou-se
a economia mais internacionalizada do então chamado Terceiro Mundo. As Empresas
Bardella participaram de forma muito importante no processo de avanço
industrial brasileiro.
Ao longo do período 1930-1980, o Estado
brasileiro constituiu formas superiores de organização capitalista,
consubstanciadas 1) num sistema financeiro público e 2) na coordenação entre
empresas estatais, privadas nacionais e estrangeiras.
O setor produtivo estatal − num país
periférico e de industrialização tardia − funcionava como um provedor de
externalidades positivas para o setor privado: 1. O investimento público era o
componente “autônomo” da demanda efetiva (sobretudo, nas áreas de energia e
transportes) e corria à frente da demanda corrente. 2. As empresas do governo
ofereciam insumos generalizados (energia, aço, não ferrosos) em condições e
preços adequados. 3. Começavam a se constituir − ainda de forma incipiente − em
centros de inovação tecnológica.
A partir da crise da dívida externa do início
dos anos 80, foi montado o mais sólido arranjo conservador que o Brasil teve de
suportar em tempos de normalidade institucional. Nesse pacto, juntaram-se os
cosmopolitas da finança e dos negócios, uma fração majoritária das classes
médias – ilustrada, semi-ilustrada e deslustrada –, as velhas oligarquias
regionais e a cambada da tripa-forra que quer sempre se locupletar sem esforço.
Juntos, produziram o “enxugamento” da
economia brasileira. Destruíram empresas, amofinaram a indústria, tudo em nome
da modernidade e da globalização. Os resultados, todos sabem: o desemprego, a
deterioração das grandes cidades, a violência, que não para de aumentar, a
falência do exercício pelo Estado do monopólio da força.
*Publicado na edição n° 1285 de CartaCapital,
em 15 de novembro de 2023.
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