terça-feira, 14 de novembro de 2023

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Homenagem a Claudio Bardella

CartaCapital

Ele representava uma geração de empresários comprometidos com as empresas, o País e o povo

Leio com pesar, no jornal Valor: “Claudio Bardella morreu na sexta-feira (3), aos 85 anos.”

Conheci Claudio Bardella na segunda metade dos anos 70 do século passado. O Fórum Gazeta Mercantil, iniciativa do então diretor de redação do jornal, Roberto Muller, realizava eleições entre as lideranças empresariais. Bardella figurava entre os escolhidos em 1978. Pertencia a uma geração de empresários brasileiros comprometidos com suas companhias, seu País e com o progresso econômico e social do seu povo.

Nessa geração figuravam Antônio Ermírio de Moraes, Paulo Cunha, Paulo Villares, Abraham Kasinski, José ­Mindlin, e outros. Muitos deles tiveram o desassombro de assinar, em 1978, o ­Documento dos Oito, um grito empresarial em defesa do Brasil que ainda avançava nas rotas da industrialização.

Não posso conceber mais digna homenagem ao grande empresário, senão oferecer uma sucinta narrativa da saga da industrialização brasileira. Saga que contou com seu valioso protagonismo.

No Brasil dos anos 30 do século passado, o governo de Getúlio Vargas reagiu à derrocada dos preços do café, causada pela Grande Depressão, com políticas de defesa da economia nacional: a compra dos estoques excedentes e a moratória para as dívidas dos cafeicultores. Essas medidas e a desorganização do mercado mundial − provocada pela Depressão e depois pela guerra − ensejaram um forte impulso à industrialização do País.

O segundo conflito mundial ampliou as oportunidades de crescimento da indústria de bens de consumo não duráveis (têxteis calçados, alimentos e bebidas) e de alguns insumos processados, como óleos e graxas vegetais, ferro-gusa. Esses setores cresceram rapidamente não só para suprir a demanda doméstica, mas também para atender às exportações. Ainda durante a guerra, o presidente Getúlio Vargas negociou com os americanos a construção da Siderúrgica de Volta Redonda. Esse empreendimento, crucial para as etapas subsequentes da industrialização, entrou em operação em 1946.

A economia brasileira havia mudado e evoluído entre 1930 e 1945. A velha economia primário-exportadora deixou uma herança de deficiências na infraestrutura (energia elétrica, petróleo, transportes, comunicações), nas desigualdades regionais e na péssima distribuição de renda.

Eleito em 1950, Getúlio Vargas lançou, em 1951, o Plano de Eletrificação, criou o BNDE em 1952 e a Petrobras em 1953. O avanço da industrialização só poderia ocorrer com a modernização dos setores já existentes e constituição dos departamentos industriais que produzem equipamentos, componentes, insumos pesados e bens duráveis.

Getúlio cometeu suicídio em agosto de 1954. As eleições de 1955 transcorreram num ambiente turbulento. As forças que levaram Vargas ao suicídio no ano anterior tentaram impedir a posse de Juscelino, eleito em 1955. O golpe foi frustrado pela reação pronta do general Henrique Batista Duffles Teixeira Lott.

Grupos mistos de empresários e técnicos do BNDE coordenavam os programas de investimento

Juscelino tomou posse em 1956 e seu mandato foi ameaçado por novas tentativas de golpes militares. Prometeu avançar 50 anos em cinco. Pode-se dizer que cumpriu a promessa. Governou sob a orientação do Plano de Metas elaborado a partir de dois estudos: o da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e o da Comissão Mista Cepal-BNDES − Esboço de um Programa de Desenvolvimento para a Economia Brasileira.

O Plano de Metas contemplava cinco prioridades: Energia, Transportes, Alimentação, Indústrias de Base e Educação. O projeto de democratização da educação estava apoiado nos trabalhos do pioneiro Anísio Teixeira.

O governo acelerou os gastos na infraestrutura. A construção de Brasília e a abertura de estradas, como a Belém-Brasília, integravam o projeto de interiorização do desenvolvimento. Ao mesmo tempo, foram constituídos os grupos executivos, coordenados pelo conselho nacional de desenvolvimento, formados por empresários do setor privado e técnicos do BNDE, com o propósito de coordenar os programas de investimento e a divisão do trabalho entre o capital estrangeiro e o nacional nas diversas áreas. Essa era a tarefa do Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia), do Grupo Executivo da Construção Naval (Geicon), do Grupo Executivo da Indústria de Transporte (Geipot) e  do Grupo Executivo da Indústria Mecânica Pesada (Geimap). Em 1958, foi criada a Sudene, com o propósito de promover o desenvolvimento do Nordeste.

O Plano de Metas articulou, portanto, as ações do governo, do setor privado nacional e do capital produtivo internacional, que já experimentava uma forte expansão. A grande empresa americana movimentava-se dos Estados Unidos para a Europa em reconstrução. As empresas europeias, em maior número, e as americanas transladavam suas filiais dessas regiões para os países em desenvolvimento dotados de estruturas produtivas mais avançadas e que apresentavam taxas de crescimento mais elevadas. O Brasil, entre 1956 e 1960, cresceu, em média, 7% ao ano e tornou-se a economia mais internacionalizada do então chamado Terceiro Mundo. As Empresas Bardella participaram de forma muito importante no processo de avanço industrial brasileiro.

Ao longo do período 1930-1980, o Estado brasileiro constituiu formas superiores de organização capitalista, consubstanciadas 1) num sistema financeiro público e 2) na coordenação entre empresas estatais, privadas nacionais e estrangeiras.

O setor produtivo estatal − num país periférico e de industrialização tardia − funcionava como um provedor de externalidades positivas para o setor privado: 1. O investimento público era o componente “autônomo” da demanda efetiva (sobretudo, nas áreas de energia e transportes) e corria à frente da demanda corrente. 2. As empresas do governo ofereciam insumos generalizados (energia, aço, não ferrosos) em condições e preços adequados. 3. Começavam a se constituir − ainda de forma incipiente − em centros de inovação tecnológica.

A partir da crise da dívida externa do início dos anos 80, foi montado o mais sólido arranjo conservador que o Brasil teve de suportar em tempos de normalidade institucional. Nesse pacto, juntaram-se os cosmopolitas da finança e dos negócios, uma fração majoritária das classes médias – ilustrada, semi-ilustrada e deslustrada –, as velhas oligarquias regionais e a cambada da tripa-forra que quer sempre se locupletar sem esforço.

Juntos, produziram o “enxugamento” da economia brasileira. Destruíram empresas, amofinaram a indústria, tudo em nome da modernidade e da globalização. Os resultados, todos sabem: o desemprego, a deterioração das grandes cidades, a violência, que não para de aumentar, a falência do exercício pelo Estado do monopólio da força. 

*Publicado na edição n° 1285 de CartaCapital, em 15 de novembro de 2023.

 

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