Gestão Pochmann no IBGE desperta os piores
temores
O Globo
Economista do PT é criticado pelos traços
ideológicos que quer imprimir a sua gestão na presidência do instituto
O quase nonagenário Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE)
é uma instituição fundamental para a formulação de políticas públicas. Saem de
lá as informações mais relevantes do país: inflação, desemprego, PIB e produção
industrial, além do Censo. Trata-se de uma instituição de Estado, na acepção
mais nobre do termo. Por isso seus técnicos, de capacidade reconhecida,
precisam trabalhar com transparência, independência e isenção. Essas
características estão em risco agora, sob a gestão do economista Marcio
Pochmann.
A escolha de Pochmann, quadro histórico do PT, veio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, passando por cima da ministra do Planejamento, Simone Tebet. Causou desconforto em setores do próprio governo, por despertar temores de gestão ideológica numa instituição que precisa ser eminentemente técnica. Com menos de um ano à frente do IBGE, Pochmann vem infelizmente confirmando tais temores.
A subordinação do instituto aos desígnios do
governo é um risco que se esboça diante de seus discursos e práticas
recentes. “O dirigente,
quando assume um órgão de governo, implanta as diretrizes do programa vencedor
das eleições”, escreveu no GLOBO a economista Martha Mayer,
ex-diretora do IBGE e integrante da Comissão Consultiva do Censo.“Mas não cabe
ao Poder Executivo mudar diretrizes em órgãos de Estado.” No artigo, ela revela
preocupação com o rumo do instituto.
Um ponto que tem deixado apreensivos técnicos
como ela é a relação com a imprensa. Recentemente, um coordenador criticou a
divulgação de pesquisas e estatísticas em entrevistas coletivas. Disse que “o
IBGE vai chegar à Dona Maria diretamente”. Para Mayer, isso significa que
Pochmann não quer “a vigilância dos jornalistas e as perguntas que fazem nas
coletivas”. Tentar cercear a atividade jornalística é atitude que combina mais
com regimes autoritários que com um governo eleito empunhando a bandeira da democracia.
Outra preocupação diz respeito à manipulação
dos números. No mês passado, Pochmann criticou a produção de estatísticas sob
influência dos países ocidentais. Disse ter havido deslocamento global para o
Oriente e citou a China como modelo. Ora, a ditadura chinesa não é exemplo de
transparência em nada. A China acaba de suspender a divulgação das estatísticas
de desemprego entre jovens porque os dados eram desfavoráveis. É isso que ele
defende? Querer dirigir estatísticas não dá certo. Na Argentina, em 2012, o
governo de Cristina Kirchner interveio no Indec, correspondente ao IBGE
brasileiro, para maquiar os índices de inflação. O resultado foi a perda de
confiança em qualquer número oficial.
O roteiro que se desenha no IBGE não é
propriamente uma surpresa. Quando passou pelo Ipea, em governos anteriores do
PT, Pochmann ficou conhecido pela gestão ideológica. Demitiu técnicos
competentes que não se alinhavam com seu pensamento, tentou influenciar
pesquisas e mudou critérios de aprovação em concursos. Considerado radical até
entre radicais, já disse que o Pix era um “processo neocolonial”. O Pix é um
óbvio sucesso.
Técnicos do IBGE afirmam ser pouco provável
alguém manipular estatísticas no instituto, dada a quantidade de envolvidos nas
pesquisas. Mas os movimentos da gestão Pochmann geram apreensão e desconfiança.
Não pode haver nada pior para a instituição que baliza a vida dos brasileiros.
Restrição a livros em Santa Catarina evoca
tempos sombrios da censura
O Globo
Em vez de vetar acesso a literatura, governo
deveria cuidar de estradas, saneamento e falhas reais do ensino
O governador de Santa
Catarina, Jorginho
Mello (PL), tem uma lista de problemas a enfrentar. No ranking
do saneamento das cem maiores cidades brasileiras, organizado pelo Instituto
Trata Brasil, a cidade catarinense mais bem colocada é Florianópolis, em 59º
lugar, atrás de São Paulo, Curitiba, Brasília, Goiânia, Campo Grande, Cuiabá,
João Pessoa, Salvador, Belo Horizonte, Rio e Porto Alegre. Santa Catarina
também tem problemas nas estradas. Está em primeiro lugar em pontos críticos
entre os estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste. No ano passado, 120 pessoas
morreram no trecho catarinense da BR-101, sinal de que o governo estadual
deveria concluir mais rapidamente obras pensadas para desafogar a estrada
federal. A educação também
merece atenção. Na lista dos estados com o melhor desempenho no ensino médio,
Santa Catarina está longe das primeiras colocações.
Com tantas urgências, o governo decidiu que
sua prioridade era entrar nas famigeradas guerras culturais. Numa atitude que
evoca os tempos sombrios da censura, a
Secretaria de Educação catarinense tirou nove livros de circulação das
bibliotecas de escolas. Aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro,
Mello tentou assumir a posição — inconstitucional, é fundamental lembrar — de
fiscal zeloso das ideias que circulam nas escolas.
Na lista de banidos estão romances já
clássicos como “It — A coisa”, do americano Stephen King; “Laranja mecânica”,
do britânico Anthony Burgess (transformado em filme por Stanley Kubrick) ou
“Coração satânico”, de William Hjortsberg (também objeto de adaptação
cinematográfica dirigida por Alan Parker, com Robert De Niro e Mickey Rourke
nos papéis principais). Os livros retirados ainda incluem “O diário do diabo:
os segredos de Alfred Rosenberg, o maior intelectual do nazismo”, de Robert K.
Wittman e David Kinney, e “Exorcismo”, de Thomas B. Allen.
Ofício assinado por autoridades da secretaria
determina que as obras “sejam retiradas de circulação e armazenadas em local
não acessível à comunidade escolar”. Diante da repercussão negativa, o governo
disse que os títulos seriam “redistribuídos, buscando adequar as obras
literárias às faixas etárias das diferentes modalidades oferecidas na rede
estadual”.
Censura é prática comum em regimes autoritários. Nas democracias, a regra é a livre circulação de ideias. A tentativa de agradar a determinados grupos de eleitores restringindo o acesso e a circulação de livros não passa de populismo barato e precisa ser repudiada com veemência. Bibliotecários e professores têm plena capacidade — e o dever — de indicar obras para cada faixa etária e de ajudar alunos na compreensão dos temas mais espinhosos ou sujeitos a controvérsia. Se está preocupado em proteger os jovens catarinenses, Mello deveria cuidar melhor do saneamento, das estradas, da qualidade do ensino e de todas as outras carências do estado.
Economia tende a perder força no fim do ano
Valor Econômico
Além da esperada queda sazonal do resultado
do agronegócio, há preocupante redução dos investimentos
Não será com menos feriados em dias úteis em
2024 que o Produto Interno Bruto (PIB) vai crescer um pouco mais, como insinuou
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A expectativa é que a economia cresça
menos em 2024 do que em 2023, e que este fim de ano mostre uma desaceleração do
nível de atividade.
O primeiro sinal veio da arrecadação federal
de impostos, que teve queda real de 0,34% em setembro na comparação com o mesmo
período do ano anterior e foi de R$ 174,316 bilhões; e de 0,78% no acumulado do
ano, para R$ 1,692 trilhão. Regras fiscais, como os “meteoros” citados pelo
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, influenciaram. Mas também uma atividade
menor na indústria e, a se confirmar nos próximos dias, em serviços.
O Ministério da Fazenda fala em revisar para
baixo as projeções para o crescimento do PIB tanto deste ano, que estima em
3,2%, quanto o de 2024, projetado em 2,3%. O Valor apurou que a
frustração ocorreu principalmente no setor de serviços, e que, de modo geral,
todos os indicadores mostraram desaceleração no terceiro trimestre. O Monitor
do PIB, elaborado pelo FGV Ibre, concorda com a avaliação e projeta PIB estável
no terceiro trimestre e crescimento de 2,7% no ano.
Além de uma esperada queda sazonal do
resultado do agronegócio, com o fim da época das grandes colheitas de grãos, há
uma “preocupante” redução dos investimentos. O resultado negativo foi puxado
pelo setor de máquinas e equipamentos e pala construção.
Os resultados mais fracos vêm da indústria. A
produção da indústria brasileira cresceu apenas 0,1% em setembro em comparação
com agosto, que ainda teve seu resultado revisto para baixo pelo IBGE, de
expansão de 0,4% para 0,2%. No acumulado até setembro, houve recuo de 0,2%; e,
em 12 meses, a indústria está estagnada. Com esses resultados, o setor
industrial está 1,6% abaixo do patamar pré-pandemia, em fevereiro de 2020; e
nada menos do que 18,1% abaixo do nível recorde de maio de 2011.
Olhando os grandes grupos do setor, a
constatação é que a indústria de transformação, que representa 85% do total,
teve recuo de 0,3% em setembro, na comparação com agosto, quando teve alta de
1,1%. No acumulado em 12 meses, registra queda, de 0,8%. Resultado bem diverso
apresentou a indústria extrativa, que representa 15% da produção do setor e
saltou 5,6% em setembro, acumulando 6% no ano e 4,6% em 12 meses. Na avaliação
do IBGE, a indústria extrativa foi beneficiada pelo dinamismo do minério de
ferro e do petróleo, enquanto a indústria de transformação sofre mais o efeito
dos juros.
Já o varejo surpreendeu com um desempenho
acima do esperado em setembro. As vendas no varejo restrito aumentaram 0,6% em
comparação com agosto, de acordo com o IBGE, e 3,3% em relação ao mesmo mês de
2022. Os dois resultados vieram acima do esperado. No acumulado do ano a alta é
de 1,8%. No varejo ampliado, que inclui veículos e motos, partes e peças,
material de construção e atacarejo, o volume de vendas subiu 0,2% em setembro
sobre agosto, mês que teve o resultado revisto de queda de 1,3% para alta de
0,6%. Na comparação com setembro de 2022, o volume de vendas do varejo ampliado
subiu 2,9%.
Para os analistas, a recuperação do mercado
de trabalho e a inflação mais baixa, especialmente no setor de alimentos,
favorecem o varejo. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
Contínua (Pnad Contínua), a taxa de desocupação caiu para 7,7% no terceiro
trimestre, ante 8% no segundo trimestre, o nível mais baixo desde 2014, quando
foi de 6,9%, a menor da série histórica da pesquisa. O número de trabalhadores
ocupados atingiu 99,838 milhões, recorde para toda a série histórica da
pesquisa, iniciada em 2012. O aumento da ocupação veio ainda acompanhado da
ampliação da renda média dos trabalhadores. A massa de rendimentos real
habitualmente recebida por pessoas ocupadas (em todos os trabalhos) atingiu
recorde de R$ 292,952 bilhões.
Também favoreceu o varejo o comportamento
mais benigno da inflação, que ficou em 0,24% em outubro, acumulando 4,82% no
ano, perto do teto da meta de inflação. Um destaque foram os alimentos, que
voltaram a subir em outubro, vindo de quatro meses seguidos de queda, de junho
a agosto, propiciada pela safra recorde, favorecendo as vendas do terceiro
trimestre.
A expectativa é que o nível de atividade seja
beneficiado neste mês e no próximo pela injeção de recursos do 13º salário,
estimada em R$ 291 bilhões pelo Dieese, dos quais R$ 201,6 bilhões recebidos
pelos trabalhadores formais.
O bom desempenho do varejo não altera o cenário pouco promissor para a economia no curto prazo. Em parte, porque a expectativa é que a indústria siga fraca e o agronegócio perca o ímpeto por fatores sazonais. Há ainda o cenário macroeconômico desfavorável, com os efeitos defasados da política de juros altos. A redução da Selic passou a ter seu ritmo posto em dúvida em consequência da elevação das taxas nos EUA, sem falar na preocupação geopolítica causada pelo conflito entre Israel e o Hamas.
Atração eleitoral
Folha de S. Paulo
Máquinas do PT e do PSD paulista conquistam
prefeitos em busca de chance em 2024
A política passa longe de se explicar por
regras previsíveis como as leis da física, mas, tão certo quanto são os efeitos
da gravitação universal, sabe-se que as máquinas públicas no Brasil exercem uma
força de atração diretamente proporcional ao tamanho de seus cofres e
inversamente proporcional ao tempo que falta para uma eleição.
Tome-se como ilustração o caso dos prefeitos,
que, ao contrário de deputados e vereadores, não precisam esperar a janela que
antecede cada pleito para mudar de sigla. Para eles, a corrida municipal de
2024 já é realidade presente, não um cenário distante no futuro.
Não são poucos os que, na tentativa de
melhorar suas possibilidades no pleito vindouro, decidem abandonar o partido em
que estavam para se acomodar em outro —não outro qualquer, mas um que disponha
de mais recursos dos fundos partidário e eleitoral, ou que comande um governo
capaz de impressionar o eleitor.
O PT, por exemplo, que agora está à frente da
Presidência da República, atraiu 51
novos alcaides para seus quadros, um salto de quase 30% em relação
aos 183 que a sigla obteve nas urnas em 2020.
Um avanço digno de nota, mas nada que se
compare ao do PSD. Dirigido por Gilberto Kassab, atual secretário de Governo da
gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo, o partido multiplicou
por sete o número de prefeitos no estado desde dezembro de 2022,
passando de 46 para 329.
Participantes envolvidos nesse tipo de
processo costumam descrevê-lo como natural e vinculado apenas às movimentações
recentes da política brasileira, embora seja difícil aceitar o argumento pelo
valor de face quando existem até prefeitos migrando da agremiação de Jair
Bolsonaro (PL) para a de Lula.
Seja como for, que não se extraiam daí lições
sobre a disputa nacional de 2026. Lembre-se que, dois anos anos antes de ser
vitorioso pela terceira vez com uma candidatura presidencial, Lula viu seu
partido amargar o pior desempenho desde 1996 em pleitos municipais.
Não se trata de negar alguma influência do
âmbito local no federal. Mas a desconexão entre essas eleições é tão grande que
siglas como DEM e MDB chegaram a ostentar mais de mil prefeituras cada uma, mas
jamais encabeçaram uma chapa que conquistou no voto o direito de subir a rampa
do Planalto.
Eleições municipais, afinal, não são uma
espécie de terceiro turno da disputa presidencial. Contam-se aos punhados os
problemas das cidades. É para eles —mobilidade, educação, saúde, moradia— que
todos devem buscar soluções.
Ranking universitário
Folha de S. Paulo
RUF confirma liderança das públicas e nichos
em particulares; EAD merece atenção
A edição 2023 do Ranking Universitário Folha
(RUF) confirma a superioridade das universidades públicas em relação às
privadas no país. As dez
instituições no topo da lista são federais ou estaduais, com USP,
Unicamp e UFRGS no pódio, e a particular mais bem colocada (PUC-RS) aparece só
na 19ª posição.
No entanto faculdades
pagas aparecem bem colocadas quando se consideram quesitos de avaliação isolados.
Para compor a nota geral, são analisados cinco critérios: pesquisa, ensino,
internacionalização, inovação e mercado.
Das 20 instituições mais bem posicionadas nos
dois primeiros quesitos, só há uma privada em pesquisa e nenhuma em ensino. Já
em internacionalização, aparecem 5 particulares, em inovação há 4, e em
mercado, 7.
A produção cientifica brasileira, portanto,
está concentrada em instituições públicas e em centros das regiões Sul e
Sudeste. O que, em si, não representa necessariamente um problema. Países como
China, Canadá e Austrália direcionam mais da metade do financiamento em
pesquisa para um grupo seleto de universidades, que gira em torno de 10 a 15.
Já a lei brasileira exige homogeneidade entre
as mais de 200 universidades —pesquisa e extensão na mesma proporção e número
mínimo de cursos de graduação e pós-graduação, por exemplo.
Ainda em relação às particulares, o poder
público deve dar atenção à explosão do ensino à distância, principal fenômeno
recente da educação superior nacional.
Dos 9,4 milhões de matriculados na graduação
no ano passado, mais de 2,5 milhões (27%) estudavam em somente cinco
universidades privadas, sendo cerca de 2,3 milhões em EAD.
Quantidade
que não raro é acompanhada de deficiências de qualidade, como
indicam o RUF e o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) —que,
mesmo com problemas metodológicos, sinaliza precariedades.
No curso de administração, por exemplo, 31%
daqueles em faculdades privadas tiraram notas 1 e 2 (menos de 3, numa escala
até 5, é considerado inadequado); já nas públicas, o índice foi de 11%.
Considerando instituições públicas e privadas, 27,4% dos cursos presenciais
alcançaram 4 e 5 (notas máximas); no ensino à distância, 17,9%.
Não se trata de estigmatizar a tecnologia e as instituições particulares. Mas é preciso fiscalizar o uso das ferramentas, implementar avaliações mais precisas e também estimular a diversidade no ensino superior, que não se presta somente à produção acadêmica.
A rebeldia da Justiça do Trabalho
O Estado de S. Paulo
Inconformados com a reforma trabalhista, magistrados contrariam a lei estabelecida pelo Congresso e a jurisprudência do STF, sobrepondo sua concepção de ‘justiça social’ ao Direito
Conforme levantamento do Estadão, mais da
metade das reclamações no Supremo Tribunal Federal (STF) neste ano trata de
questões relacionadas ao direito trabalhista. A Corte virou um balcão de
recursos para impor limites ou corrigir decisões da Justiça do Trabalho.
O fenômeno não é novo. A litigiosidade em
geral no Brasil já é comparativamente aberrante: são mais de 100 milhões de
ações, ou seja, uma para cada dois cidadãos. Os cerca de 2,5 milhões de
processos tramitando na Justiça do Trabalho fazem do Brasil campeão mundial de
passivos trabalhistas.
Historicamente, na legislação trabalhista e,
sobretudo, na Justiça vicejou uma concepção ideológica segundo a qual toda
relação entre empregador e empregado envolve algum tipo de injustiça
constitutiva. Entre os juízes trabalhistas prevaleceu a ideia de que sua missão
seria corrigir essas injustiças. O ônus quase nulo para litigâncias infundadas,
combinado à generosidade dos juízes, generalizou a percepção de que sempre vale
a pena para o trabalhador entrar com alguma reclamação. O custo da indústria de
litigâncias não está apenas no congestionamento da Justiça, mas no desestímulo
às empresas, sobretudo pequenas e médias, a empregar mais pessoas. No afã de
fazer “justiça social” a cada trabalhador, os juízes ativistas prejudicam
coletivamente os trabalhadores, impondo barreiras à criação de empregos,
estimulando a perpetuação do mercado informal e, com isso, afastando
investimentos e freando o crescimento.
A fim de reduzir o “custo Brasil”, a reforma
trabalhista de 2017 eliminou entraves de uma legislação esclerosada. Os
legisladores definiram, por exemplo, que acordos coletivos concretos prevalecem
sobre leis genéricas, normatizou o trabalho intermitente e remoto e impôs
custos às litigâncias infundadas.
Mesmo após o STF ter decidido pela
constitucionalidade de medidas como essas, os justiceiros sociais togados
continuam a decidir contrariamente à lei. “O órgão máximo da Justiça
especializada, o TST (Tribunal Superior do Trabalho), tem colocado alguns entraves
em opções políticas chanceladas pelo Executivo e pelo Legislativo”, constatou o
ministro do STF Gilmar Mendes.
“A ideia desse grupo (de juízes) é, através
da jurisprudência, pressionar para mudar a reforma trabalhista, mas ele não é
legislador”, avaliou o professor de direito trabalhista da Fundação Getulio
Vargas Paulo Renato Fernandes da Silva. “Então, eles começam a declarar tudo
inconstitucional e a negar a aplicação da reforma trabalhista. Isso tudo vai
parar onde? Para o Supremo.”
Em 2018, um ano após a reforma, as
reclamações contra decisões do TST somavam 41% das ações no STF. Hoje são 54%.
As principais controvérsias se dão em torno
das regras que liberam a terceirização, com a possibilidade de transformação de
colaboradores em pessoas jurídicas. O STF já validou essa modalidade de
contratos, mas, baseada em antigas súmulas, a Justiça do Trabalho insiste em
defini-los como vínculos de emprego.
A insegurança jurídica, com todas as suas
consequências para a credibilidade da Justiça e o ambiente de negócios, se
prolifera. A reforma deveria reduzir o mercado dos litigantes profissionais,
mas a Justiça do Trabalho insiste em mantê-lo lucrativo, contribuindo para
perpetuar um dos maiores, mais caros e mais lentos Judiciários do mundo. E
também um dos mais irracionais.
Os juízes trabalhistas têm todo o direito a
cultivar sua concepção de justiça social e desejar que ela seja consolidada em
lei. Para isso têm, como todo cidadão, o seu voto. Se quiserem ir além, podem
abandonar a toga e partir para o ativismo ou disputar cargos no Legislativo e
no Executivo. Mas valerse de chicanas para reverter à força de seus martelos as
decisões dos representantes eleitos é coisa que atenta profundamente contra o
Estado Democrático de Direito. Assim como todo cidadão, inclusive legisladores
e governantes, tem a obrigação de cumprir decisões judiciais das quais
discorda, os juízes têm a obrigação, mesmo a contragosto, de aplicar as leis
decididas pelos representantes eleitos.
Professor, profissão de segunda classe no
Brasil
O Estado de S. Paulo
Entidades de educação cobram melhor formação
de docentes; pesquisa indica que Brasil é um dos países que menos prestigiam
esses educadores, em geral recrutados entre os piores alunos
A receita para uma educação de qualidade
envolve múltiplos fatores: currículo, material didático, infraestrutura, carga
horária, avaliação, gestão, integração entre as escolas e as famílias. Mas –
tal como na cozinha um chef grosseiro pode arruinar especiarias requintadas e
um chef talentoso pode fazer maravilhas com matériasprimas rudimentares –
quaisquer que sejam as potencialidades destes ingredientes, elas só são
atualizadas por bons professores.
Se a educação brasileira é sofrível, um dos
principais fatores, se não o principal, é a má formação docente. Por ocasião da
instauração pelo Ministério da Educação (MEC) de um grupo de trabalho sobre o
tema, entidades públicas e privadas envolvidas com educação assinaram uma carta
aberta solicitando o avanço de medidas estruturais para a melhoria da formação.
O grupo destaca três grandes preocupações: a
expansão da educação a distância (EaD), a baixa qualidade dos cursos e a alta
evasão de alunos.
A EaD é uma ferramenta relevante para o
acesso e inclusão, mas sua proliferação foi indiscriminada. Segundo o MEC, em
10 anos a quantidade de cursos acadêmicos de EaD cresceu 700%. Na formação dos
professores, sobretudo, são necessários cuidados especiais para compensar
habilidades relacionais que são mais bem assimiladas presencialmente. Mas
justamente na formação docente o crescimento da EaD foi desproporcional. Hoje,
31% dos formandos de ensino superior são de EaD. Na licenciatura e pedagogia
são 65%. Na rede particular, 93% dos ingressantes são em EaD, onde a média de
alunos por professor é de 171.
Esse problema novo e agudo veio agravar a
crônica defasagem dos cursos de formação docente. Em 17 cursos avaliados pelo
Enade, a nota média, numa escala de 0 a 100, ficou abaixo de 50. A evasão é
alta. Nas licenciaturas em exatas chega a 70%, bem acima da média do ensino
superior.
Num círculo vicioso, o desprestígio da
carreira docente é causa e consequência desse desempenho medíocre. Entre 35
países avaliados pelo relatório Global Teacher Status, o Brasil é o que menos
prestigia seus professores. Segundo João Batista Araújo, presidente do
Instituto Alfa e Beto, em países com altos indicadores educacionais os
professores são recrutados entre os 30% melhores de sua geração. No Brasil, a
esmagadora maioria está entre os 10% de alunos com pior desempenho no Enem. A
média salarial dos professores está mais de 20% abaixo da média de outros
profissionais com a mesma escolaridade.
Buscar a equiparação da remuneração é
importante para atrair talentos. Mas para formá-los é preciso uma série de
outras medidas. Cotejando a literatura especializada, o Instituto Todos pela
Educação elencou cinco prioridades para o governo federal.
Primeiro, há as relacionadas à regulação, que
implicam aprimorar a avaliação in loco e os procedimentos de supervisão,
ponderar os fatores mais relevantes para a qualidade da formação docente e
utilizar esses dados de forma mais estratégica no cenário da ampliação de
cursos, em especial de EaD.
Depois, há propostas relacionadas à inovação
e permanência. A formação docente é heterogênea e há diversos casos de
excelência. “Há muito que o Brasil pode aprender com o Brasil e o governo
federal é preponderante no papel de estimular trocas e cooperação entre
instituições de ensino superior.” A evasão e a escassez de licenciaturas em
algumas regiões podem ser remediadas com mais bolsas, com valores atrativos.
Finalmente, para apoiar a profissionalização
da carreira docente, a qualidade dos concursos subnacionais e o regime de
colaboração, o Todos pela Educação recomenda retomar o instrumento nacional de
avaliação de candidatos para ingresso na docência, a ser utilizado
voluntariamente pelas redes subnacionais para compor seus concursos e processos
seletivos.
Formar nossas crianças e adolescentes é
condição sine qua non para o progresso cívico e material da Nação. Para isso, é
condição sine qua non formar seus formadores. Negligenciar essas condições é a
receita certa para perpetuar as deformações sociais brasileiras.
O valor da boa diplomacia
O Estado de S. Paulo
Resgate de 32 brasileiros da Faixa de Gaza
atesta a resiliência e a habilidade do Itamaraty
Há sempre alívio quando a diplomacia
profissional conduz missões de extrema importância para o bem da cidadania. O
embarque ao Brasil de 32 brasileiros e palestinos que estavam enclausurados
pelo conflito entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza integra a lista de êxitos
do Itamaraty em arriscadas operações de repatriação – que, além do desafio
logístico, envolvem persistentes negociações diplomáticas e a assistência
possível aos nossos nacionais e a seus parentes em zona de guerra.
Tudo fica ainda mais difícil quando o próprio
presidente da República resolve antagonizar Israel, de maneira desarrazoada, ou
quando o ex-presidente Jair Bolsonaro, que está inelegível e responde a
inúmeros processos, resolve capitalizar politicamente uma operação na qual não
teve nenhuma participação.
Há razões de sobra para prezar o desempenho
do Itamaraty e da Força Aérea Brasileira (FAB), que já haviam conseguido
retirar de Israel 1.410 brasileiros nas semanas que se seguiram aos ataques
terroristas e ao sequestro de israelenses e estrangeiros promovidos pelo Hamas
no início de outubro. Na Faixa de Gaza, destroçada nas últimas semanas pelos
bombardeios de Israel, que deixaram milhares de mortos, a operação envolveu a
cada minuto riscos iminentes à integridade física do grupo a ser resgatado.
Os 22 brasileiros e 10 palestinos aguardavam
desde 1.º de novembro a saída do enclave nas cidades de Rafah e Khan Yunes,
alvos de recentes bombardeios. Trata-se de sobreviventes de explosões e doenças
que proliferam na Faixa de Gaza, além da falta de alimentos, água, energia
elétrica e assistência médica. As 32 pessoas reclamadas pelo Brasil, entre as
quais 17 crianças, haviam sido ignoradas nas 6 listas anteriores de
estrangeiros autorizados a ingressar em território egípcio e rumar para seus
destinos finais. Cada leva de repatriação foi aprovada por Israel e pelo Hamas,
sob influência do Catar e dos EUA, e dependeu da inconstante abertura da
fronteira pelo Egito. Com os brasileiros, não foi diferente.
Resultado de um sem-número de triangulações
diplomáticas e de uma conversa decisiva do chanceler Mauro Vieira com o
ministro israelense das Relações Exteriores, Eli Cohen, o resgate demonstrou a
resiliência do Itamaraty. Tal habilidade negociadora, reconhecida
historicamente, se mostrou tão fundamental como sua experiência nas
repatriações de brasileiros do Vale do Bekaa, no Líbano, em 2006, e da Ucrânia,
no ano passado.
Lamenta-se, entretanto, que um esforço tão
complexo para salvar as vidas de brasileiros em zona de guerra tenha sido
exposto a risco de fracasso por declarações intempestivas de Lula da Silva e de
seu assessor internacional, o ex-chanceler Celso Amorim. Quando um objetivo
maior se sobrepunha, ambos dispararam críticas de cunho ideológico contra a
conduta de Israel no conflito, em detrimento da prioridade de Vieira.
Agora, o Itamaraty atua para repatriar uma segunda leva de cerca de 50 brasileiros e seus parentes palestinos, e por esse motivo se espera que o presidente se contenha. Lula da Silva não deveria hesitar entre o aplauso da militância petista anti-Israel e a proteção de cidadãos expostos ao terrível sofrimento da guerra no exterior.
Cerrado, berço das águas esquecido
Correio Braziliense
Seres humanos e animais não podem ser
privados do acesso à água. O desmatamento no cerrado e na Amazônia, com
eliminação de nascentes, poderá comprometer gravemente a oferta do líquido da
vida.
A onda de calor das últimas semanas tem
assustado os brasileiros. A seca dos grandes rios da Amazônia vem se repetindo,
ano após ano, com maior gravidade, deixando comunidades inteiras desamparadas,
sem alimentos e água potável para o consumo humano e dessedentação animal. Uma
calamidade, atribuída às mudanças climáticas, que afetam a vida de milhares de
pessoas espalhadas em várias comunidades abrigadas na maior floresta tropical
do planeta. As tragédias não são restritas ao Brasil. Elas vêm ocorrendo no mundo,
resultado de uma relação hostil dos humanos com a natureza. Os eventos
climáticos extremos têm se tornado mais agressivos, letais e desorganizadores
da economia e das sociedades.
Os negacionistas da ciência insistem em
contradizer cientistas e climatologistas, que há décadas — desde o século
passado — têm alertado governos e populações, sobre a necessidade de revisão
das relações com o meio ambiente. O aquecimento do planeta está ocorrendo e
avança em rapidez contrária ao da revisão dos modelos econômicos, das
indústrias, da mineração, do fornecimento de energia, entre outras atividades
que impactam o patrimônio natural.
No início deste ano, após constatar o drama
enfrentado pelos povos indígenas da Amazônia, em especial na Terra Yanomami, o
governo federal investiu contra os garimpeiros e desmatadores ilegais que, há
muito, afrontam as leis ambientais e os direitos dos povos originários. Hoje,
os índices de desmatamento têm caído a cada mês, devido às intervenções da
fiscalização dos órgãos de Estado, bem como por iniciativa dos povos
tradicionais e originários.
Países desenvolvidos e comprometidos com
políticas de mitigação do efeito estufa se engajaram para conter os avanços das
atividades predatórias na Amazônia, reconhecendo a importância da preservação
do bioma para o planeta. Doações de milhões de dólares garantiram ao governo
federal recompor a composição dos órgãos ambientais, desmontados nos últimos
quatro anos, e recuperar os instrumentos necessários ao combate dos agressores.
De agosto de 2022 a julho deste ano, o desmatamento diminuiu 22,3% na comparação
com igual período anterior. Pela primeira vez, a derrubada da vegetação ficou
abaixo de 10 mil km², segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe).
As mesmas iniciativas não alcançaram o
cerrado, berço das águas. Responsável pelo abastecimento de nove das 12 grandes
bacias hidrográficas, inclusive uma transnacional, o bioma está sendo dizimado.
O estado de Tocantins perdeu 198,6km² de vegetação nativa, o correspondente a
29% da área do cerrado em outubro. Na sequência, Maranhão, com perda de
129,3km², Bahia (74,5km²) e Piauí (68,8km²) — unidades que, juntas, formam a
região Matopiba, a nova fronteira do agronegócio, onde 71% da perda de
vegetação nativa ocorreram no ano passado, inclusive em áreas suscetíveis à
desertificação.
Repetidas vezes, a professora Mercedes
Bustamante, presidente da Fundação de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (Capes), tem alertado para os danos que a falência do cerrado
poderá causar ao país. Um dos alertas se refere à crise de abastecimento de
água numa região que se destaca pela produção agropecuária. Mas as advertências
tanto da bióloga e pesquisadora, quanto especialistas em clima não parecem
suficientes para uma ação mais incisiva no cerrado, voltado à preservação da flora
e da fauna. Alega-se que o desmatamento se dá em propriedades privadas e,
portanto, não há como o Estado intervir.
Seres humanos e animais não podem ser privados do acesso à água. O desmatamento no cerrado e na Amazônia, com a eliminação de nascentes, poderá comprometer gravemente a oferta do líquido da vida. A solução desse impasse desafia não só o governo, mas toda a sociedade. Todos ficarão de braços cruzados ante a degradação do berço das águas? — é a questão que exige rápida resposta.
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