Valor Econômico
Desindustrialização precoce ocorreu porque
industriais abdicaram do debate e da defesa dos interesses do setor e perderam
o protagonismo na discussão econômico
Talvez os mais jovens não tenham dado muita
importância à notícia da morte do empresário Cláudio Bardella, presidente do
Conselho de Administração da Bardella Indústrias Mecânicas. Afinal, a empresa
dele, fabricante de bens de capital desde 1911, enfrenta dificuldades
financeiras, está em recuperação judicial, e ele próprio, adoentado há anos,
desapareceu da mídia.
Mas Bardella é uma dessas figuras brasileiras que merecem aplausos. Lá nos anos 1970, em plena ditadura militar e em meio a um contingente empresarial favorável ao governo, ele era voz firme na defesa da democracia e da indústria nacional.
Em obituário, o Valor lembrou que em 1977, em discurso feito no Rio de Janeiro, na IV Conferência Nacional das Classes Produtoras, Bardella disse que “queria uma democracia sem adjetivos”.
Lida nos dias de hoje, embora muitos tenham
tentado adjetivar a democracia brasileira nos últimos quatro anos, a frase
parece banal. Mas, em 1977, em plena ditadura, denotava enorme coragem. O então
presidente da República, general Ernesto Geisel, que abrira o evento e tentava
promover uma “abertura lenta, gradual e segura”, havia dito que a democracia
deveria ser “a possível”.
Por falar em adjetivos, “discreto” talvez
seja a palavra que melhor diferencie a conduta de Bardella das demais
lideranças empresariais dos anos de chumbo. Nos corredores da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) ou em Brasília, ele agia sempre em
voz baixa, mas não se recusava a participar de movimentos por democracia, como
o “Documento dos Oito”, assinado junto com os empresários Antônio Ermírio de
Moraes, José Mindlin, Laerte Setúbal, Paulo Villares, Jorge Gerdau, Paulo
Vellinho e Severo Gomes.
Pode-se dizer que esses oito ganharam a batalha pela redemocratização, que viria anos depois, na década de 1980, até porque as pressões populares pelas “diretas já” encurralaram a ditadura. Mas eles perderam a luta pelo fortalecimento da indústria brasileira.
A Indústrias Bardella, durante décadas, foi
fornecedora de equipamentos para grandes projetos de infraestrutura,
refinarias, hidrelétricas etc. Mas entrou em crise com a redução de
investimentos em infraestrutura, a concorrência de equipamentos importados e
até com os efeitos da Operação Lava-Jato.
Como a Bardella, inúmeras empresas definharam
ou fecharam a partir dos anos 1980, no processo de desindustrialização precoce
vivido pelo Brasil. São dados muito divulgados, mas que precisam ser citados e
não esquecidos. Em meados dos anos 1980, a indústria brasileira respondia por
35% do PIB nacional e hoje tem 10% a 11%. Em 2005, tinha quase 3% da indústria
mundial e hoje, tem 1,8%. Em 1980, o Brasil exportava US$ 9 bilhões por ano em
manufaturados, e a China, US$ 8,7 bilhões. Passados 41 anos, o Brasil exportou
US$ 70,1 bilhões em 2021, e a China, US$ 3,14 trilhões.
Sim, o Brasil perdeu a corrida industrial
para chineses, assim como para indianos, sul-coreanos e outros países. A perda
se deu muito por méritos dos asiáticos, mas também por fatores internos:
valorização cambial equivocada que corroeu a competitividade; juros
sistematicamente elevados e primarização da pauta.
A existência de uma frágil organização
empresarial e a escassez de novos lideranças do tipo Bardella também são causas
da desindustrialização precoce e da perda de mercado mundial. Por que? Porque
os industriais abdicaram do debate e da defesa dos interesses do setor e
perderam o protagonismo na discussão econômica. Coube ao Instituto para o
Estudo de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), que aliás teve
Bardella entre seus fundadores, representar uma exceção, mas ofuscada pelo “low
profile”.
A imprensa, por sua vez, adotou o setor
financeiro como principal fonte de informação, reproduzindo o discurso
neoliberal dominante. Diretores de importação e exportação das grandes
empresas, que eram fontes importantes de informação e opinião da imprensa,
praticamente sumiram da mídia. Os economistas de bancos ocuparam o espaço, com
grande competência, diga-se de passagem. A crítica à política de juros ou
câmbio, por exemplo, passou a refletir unicamente a posição do setor
financeiro.
Novos Bardellas, assim como Ermírios e Mindlins, fizeram muita falta. E ainda fazem.
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