terça-feira, 14 de novembro de 2023

Pedro Cafardo - Novos Bardellas fizeram e farão muita falta

Valor Econômico

Desindustrialização precoce ocorreu porque industriais abdicaram do debate e da defesa dos interesses do setor e perderam o protagonismo na discussão econômico

Talvez os mais jovens não tenham dado muita importância à notícia da morte do empresário Cláudio Bardella, presidente do Conselho de Administração da Bardella Indústrias Mecânicas. Afinal, a empresa dele, fabricante de bens de capital desde 1911, enfrenta dificuldades financeiras, está em recuperação judicial, e ele próprio, adoentado há anos, desapareceu da mídia.

Mas Bardella é uma dessas figuras brasileiras que merecem aplausos. Lá nos anos 1970, em plena ditadura militar e em meio a um contingente empresarial favorável ao governo, ele era voz firme na defesa da democracia e da indústria nacional.

Em obituário, o Valor lembrou que em 1977, em discurso feito no Rio de Janeiro, na IV Conferência Nacional das Classes Produtoras, Bardella disse que “queria uma democracia sem adjetivos”.

Lida nos dias de hoje, embora muitos tenham tentado adjetivar a democracia brasileira nos últimos quatro anos, a frase parece banal. Mas, em 1977, em plena ditadura, denotava enorme coragem. O então presidente da República, general Ernesto Geisel, que abrira o evento e tentava promover uma “abertura lenta, gradual e segura”, havia dito que a democracia deveria ser “a possível”.

Por falar em adjetivos, “discreto” talvez seja a palavra que melhor diferencie a conduta de Bardella das demais lideranças empresariais dos anos de chumbo. Nos corredores da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) ou em Brasília, ele agia sempre em voz baixa, mas não se recusava a participar de movimentos por democracia, como o “Documento dos Oito”, assinado junto com os empresários Antônio Ermírio de Moraes, José Mindlin, Laerte Setúbal, Paulo Villares, Jorge Gerdau, Paulo Vellinho e Severo Gomes.

Pode-se dizer que esses oito ganharam a batalha pela redemocratização, que viria anos depois, na década de 1980, até porque as pressões populares pelas “diretas já” encurralaram a ditadura. Mas eles perderam a luta pelo fortalecimento da indústria brasileira.

A Indústrias Bardella, durante décadas, foi fornecedora de equipamentos para grandes projetos de infraestrutura, refinarias, hidrelétricas etc. Mas entrou em crise com a redução de investimentos em infraestrutura, a concorrência de equipamentos importados e até com os efeitos da Operação Lava-Jato.

Como a Bardella, inúmeras empresas definharam ou fecharam a partir dos anos 1980, no processo de desindustrialização precoce vivido pelo Brasil. São dados muito divulgados, mas que precisam ser citados e não esquecidos. Em meados dos anos 1980, a indústria brasileira respondia por 35% do PIB nacional e hoje tem 10% a 11%. Em 2005, tinha quase 3% da indústria mundial e hoje, tem 1,8%. Em 1980, o Brasil exportava US$ 9 bilhões por ano em manufaturados, e a China, US$ 8,7 bilhões. Passados 41 anos, o Brasil exportou US$ 70,1 bilhões em 2021, e a China, US$ 3,14 trilhões.

Sim, o Brasil perdeu a corrida industrial para chineses, assim como para indianos, sul-coreanos e outros países. A perda se deu muito por méritos dos asiáticos, mas também por fatores internos: valorização cambial equivocada que corroeu a competitividade; juros sistematicamente elevados e primarização da pauta.

A existência de uma frágil organização empresarial e a escassez de novos lideranças do tipo Bardella também são causas da desindustrialização precoce e da perda de mercado mundial. Por que? Porque os industriais abdicaram do debate e da defesa dos interesses do setor e perderam o protagonismo na discussão econômica. Coube ao Instituto para o Estudo de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), que aliás teve Bardella entre seus fundadores, representar uma exceção, mas ofuscada pelo “low profile”.

A imprensa, por sua vez, adotou o setor financeiro como principal fonte de informação, reproduzindo o discurso neoliberal dominante. Diretores de importação e exportação das grandes empresas, que eram fontes importantes de informação e opinião da imprensa, praticamente sumiram da mídia. Os economistas de bancos ocuparam o espaço, com grande competência, diga-se de passagem. A crítica à política de juros ou câmbio, por exemplo, passou a refletir unicamente a posição do setor financeiro.

Novos Bardellas, assim como Ermírios e Mindlins, fizeram muita falta. E ainda fazem.

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