terça-feira, 14 de novembro de 2023

Míriam Leitão - Os detalhes da Reforma Tributária

O Globo

Os próximos 180 dias serão de intensa negociação para definir os limites das concessões e, assim, influenciar na alíquota final do novo imposto

Os dois impostos sobre valor agregado vão se transformar em um só. É o que se ouve no Congresso e no governo. Acham que foi necessário fazer dois pela desconfiança federativa, que poderá ser superada com o tempo. O esforço na hora da regulamentação será para fazer tudo o mais simples possível. A ideia que se tem na Fazenda é que a CBS e o IBS tenham um sistema de cobrança só. Serão dois impostos com a mesma legislação, as mesmas regras, o mesmo regulamento. A tramitação da Reforma Tributária ainda não acabou, falta a Câmara, mas já se pensa na implementação.

A proposta tem aberrações. Há um setor que terá redução de alíquota que está definido como “segurança nacional, soberania e cibersegurança”. Como dizer o que é isso? Os técnicos explicam que cada setor foi nomeado genericamente e, por isso, as leis complementares serão tão importantes para definir.

Só a lei dirá exatamente a dimensão de cada concessão, os limites de cada regime específico, como o de educação, por exemplo, me disse um técnico. O que ficará em educação? Eles dão como certo que seja a educação do básico ao superior. “Mas, e os cursos avulsos como inglês ou jiu-jitsu também terão redução da alíquota padrão?”, perguntou um técnico.

No caso dos profissionais liberais, que terão 30% de desconto, já se sabe que os médicos e dentistas entrarão no item saúde, ou seja, terão um desconto maior, de 60%. Mas o absurdo é até consultoria ter vantagem tributária. É que consultor está no grupo dos profissionais liberais.

As concessões têm dois defeitos opostos. Ou são genéricas demais e agora precisam ser bem delimitadas, ou são específicas demais. Há um item com isenção que é “suco de fruta natural sem adição de açúcar e conservantes” . Certamente é o único país que terá uma coisa dessas na Constituição.

A reforma sem dúvida é um avanço, representará uma melhora no ambiente de negócios e simplificação do pagamento dos tributos, mas inegavelmente essas exceções criaram vários problemas: têm impacto na tarifa padrão, criam complexidades e distribuem privilégios.

A comparação numérica que se faz na Fazenda é que se a complexidade é 100 no modelo atual, a reforma como foi concebida a reduziria para 10. Mas com as exceções foi para 30. O resultado é muito melhor do que o atual, mas de fato ela piorou ao tramitar. Isso é entendido como o preço a pagar numa democracia em que tudo, felizmente, tem que ser negociado, e não é uma imposição, como foi a reforma implantada no regime militar.

A negociação continuará intensa, tanto na etapa final de tramitação e promulgação, quanto na formulação das leis complementares. O prazo é de 180 dias para que se encontre o melhor desenho para o novo regime tributário. O tempo das pressões continuará exatamente porque agora é que se estabelecerá o limite de cada concessão.

A ideia do secretário Bernardo Appy, segundo adiantou o “Valor”, é formar um grupo de trabalho do governo federal, estados e municípios, assim que a reforma for promulgada, para que os três níveis administrativos trabalhem juntos.

Depois disso, virão os anos da implementação. Em 2024 e 2025, será montado todo o sistema de cobrança dos novos impostos. Nesse momento será possível construir o caminho para que seja um só imposto sobre valor agregado. Em 2026, tudo tem que estar pronto em relação aos impostos federais para começar a fazer uma espécie de ensaio.

O Senado melhorou essa etapa ao estabelecer que em 2026 nem precisa ser recolhido o imposto. Antes se previa o recolhimento de um valor mínimo apenas para testar o sistema. Pela nova redação, basta as empresas cumprirem a obrigação, calcularem quanto teria sido o tributo, mas não precisarão recolher nada. Esse momento será fundamental porque se houver alguma coisa disfuncional será a hora de corrigir.

Em 2027, começa mesmo a cobrança da Contribuição sobre Bens e Serviços e serão extintos o IPI, PIS e Cofins. Isso já vai permitir uma simplificação importante para as empresas. De 2029 a 2033, será a transição do ICMS e do ISS para o Imposto sobre Bens e Serviços, dos estados e municípios.

O país não saberá de imediato a alíquota do novo imposto, porque dependerá de todo esse processo de legislação complementar. Está dito que a alíquota será a “que mantém a carga tributária”. Só isso que se sabe agora. Portanto, os próximos 180 dias, após a promulgação, serão decisivos.

 

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