Valor Econômico
Os subsídios e as benesses acabam por
desencadear uma espécie de bola de neve. Quanto mais os preços aumentam, maior
é o gasto público
Por insistência do Ministro da Economia,
Sergio Massa, candidato à Presidência da Argentina, seu opositor, Javier Milei,
reiterou no debate de domingo que vai dolarizar a economia. Mencionou a
intenção apenas uma vez. Poucos minutos antes, diante da mesma pergunta
referente à dolarização, Milei havia respondido positivamente com a palavra
“conversibilidade”, termo que voltou a usar em outros momentos ao longo do
debate. São, como se sabe, iniciativas diferentes. Mencionadas de forma
inconsequente só ajudam a causar confusão e insegurança.
A menos de uma semana do segundo e definitivo turno das eleições presidenciais naquele país, o que se ouviu no embate entre os dois candidatos deu a impressão de que os argentinos estarão diante de uma “escolha de Sofia” no próximo domingo. Terão de optar entre um salto no escuro e uma política que, pelo visto, será mais do mesmo. Fora um plano de segurança nacional ousado, Massa não se comprometeu com nenhuma medida econômica nova e diversa daquela que tem pautado os governos mais recentes desde os primeiros anos da era Kirchner, baseada na larga distribuição de subsídios à sociedade.
Milei tem o diagnóstico correto quando diz
que o Estado é a origem dos problemas, mas não consegue avançar na solução.
Sim, porque nem o desaparecimento do banco central nem a saída do país do
Mercosul e muito menos uma política econômica “liberal libertária” ajudariam a
desatar o grande nó em que se meteu a Argentina, onde público e privado são
praticamente sinônimos.
A mistura confusa, típica de governos
populistas, tem raízes profundas no país há pelo menos 80 anos, desde que Juan
Domingo Perón assumiu o cargo de Secretário de Estado do Trabalho e Segurança
Social, posição que usou para fomentar o fortalecimento dos sindicatos através
de medidas de proteção trabalhista. Nos nove anos ininterruptos em que esteve à
frente da Presidência, de 1946 a 1955, Perón consolidou a participação do setor
público na vida dos argentinos e fez dos sindicatos a grande força política de
sustentação do peronismo.
Mais do que um partido, porém, o peronismo é
uma espécie de movimento que contamina não apenas as classes de renda mais
baixas como também boa parcela da classe média, a qual também se vale das
benesses do Estado para manter certo conforto. Alguns diriam que movimento é
uma palavra de estreita estatura para explicar o peronismo. Em seu emblemático
livro “El Atroz Encanto de Ser Argentinos”, em que Marcos Aguinis procura
traçar o perfil estereotipado do argentino, há menção à uma declaração do
escritor Jorge Luis Borges no sentido de que “os peronistas não são bons nem
maus: são incorrigíveis”.
O próprio Aguinis qualifica de ambígua a
identidade do peronismo, que ao longo do tempo ganhou nuances diversas,
incluindo o neolioberalismo no governo de Carlos Menem, entre 1989 e 1999. O
fato é que nem mesmo liberais de quatro costados como Mauricio Macri
conseguiram escapar das medidas populistas que têm orientado os governos
argentinos, como a do congelamento de preços, recorrente sempre que a inflação
começa a piorar.
Neste ponto, vale indagar o que significa a
inflação na Argentina? Para começar, não deixa de ser um tanto esdrúxulo o fato
de um dos candidatos à Presidência na atual eleição com chances de vitória ser
justamente a pessoa diretamente responsável pela administração da economia que
produziu a inflação anual (até setembro) de 138,3%, a mais alta desde 1991,
primeiro ano do plano de conversibilidade do ministro da Economia Domingo
Cavallo, durante a gestão Menem, quando o IPC chegou a 171%. No ano anterior,
havia registrado aumento de 2.313,96%.
Aliás, desde 1980, a inflação só esteve sob
controle no período de 1991 a 2001 em que durou a política de paridade entre o
peso e o dólar. O chamado “corralito” (instituído em dezembro de 2001 pelo
próprio Cavallo, na gestão de Fernando de la Rúa) limitou ao equivalente a 250
pesos os saques por semana para conter uma corrida desenfreada aos depósitos
bancários e funcionou como uma pá de cal na conversibilidade. A partir dali o
IPC voltou a subir, tendo disparado no segundo governo de Cristina Kirchner.
Nos últimos treze anos, o aumento crônico dos
preços tem feito parte da realidade do dia a dia dos argentinos, assim como a
política cada vez mais agressiva de subsídios de toda ordem concedidos para
compensar o aumento de tarifas públicas como transporte, energia elétrica e
gás. Também é distribuído para alguns segmentos produtores.
Os subsídios e as benesses acabam por
desencadear uma espécie de bola de neve. Quanto mais os preços aumentam, maior
é o valor do gasto público, que por sua vez contribui para elevar a inflação. A
desorganização econômica na Argentina afeta o equilíbrio relativo dos preços e,
com isso, o investimento, o crescimento e até mesmo a funcionalidade dos
programas de redistribuição da renda.
A menos que Massa tenha uma carta escondida
na manga, as indicações que ele dá apontam para a manutenção da mesma política
populista de distribuição de benesses. Até agora, não defendeu a necessidade de
um plano de combate à inflação. A confiar no que falou no debate de domingo, as
exportações argentinas continuariam a ser a base de sustentação da economia.
Ponto.
Já Milei, com a sua retórica atrapalhada e
agressiva, tem reafirmado a intenção de combater a inflação, mas não fica claro
se vai optar pela dolarização (que significaria substituir o peso pelo dólar
como moeda corrente na economia) ou a algo próximo à conversibilidade do Plano
Cavallo (em que o peso virou a moeda nacional em substituição ao austral e
passou a ser convertido para o dólar pela paridade de um para um). Ou,
eventualmente, um misto daquelas duas políticas.
Por ora, resta recorrer à frase de Aguinis
com a qual encerra o livro, além de dar título ao último capítulo: “Aguante
Argentina, todavía!”.
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