O Globo
Sem isso, será difícil escapar da trajetória de mediocridade que tem sido nossa sina há vários anos. No longo prazo, é uma tragédia
Um dos temas sobre os quais os aspirantes a
economistas se debruçam na faculdade é a análise do papel dos incentivos.
Observe-se algo que funciona mal na economia e, muito provavelmente, haverá um
erro de concepção no que os economistas chamamos de “desenho de incentivos”.
Isto não é algo difícil de entender para o leigo. Pensemos na educação de um filho. Se uma criança mal comportada não tiver limites claramente colocados pelos seus pais e, na juventude, continuar fazendo estripulias cada vez piores, vendo sempre como seus pais “passam o pano” diante do seu comportamento inaceitável, esse futuro adulto será provavelmente um péssimo cidadão, mal-educado e, eventualmente, violento.
Corta para um país. Tipicamente, as
“famílias” de regimes de governo se decompõem em dois grandes blocos:
presidencialistas e parlamentaristas. A situação peculiar da nossa Constituição
de 1988 ter sido desenhada para um país parlamentarista, mas na qual no final
prevaleceu o presidencialismo, gerou o “presidencialismo de coalizão”, um
regime presidencialista com um sistema político fragmentado, mas onde o
Presidente tinha instrumentos de Poder para poder governar.
Com o tempo, o Parlamento ganhou diversos
poderes e, hoje, temos um animal híbrido, um regime disfuncional, com um
Congresso poderoso, um Executivo enfraquecido e um sistema eleitoral onde
escolhe-se quem, supostamente, comandará o país nos quatro anos seguintes, sem
ter à mão, porém, os elementos para poder fazê-lo com eficácia.
Na raiz dessa disfunção, está a aberração do
abuso das emendas parlamentares. Estas representam mecanismos que existem em
qualquer democracia, mas que no Brasil alcançaram uma dimensão que conspira
contra o sucesso da economia. Trata-se de uma despesa que está chegando perto
de ser de quase R$ 50 bilhões por ano, a maior parte dos quais para gastos que,
sob a ótica federal, não fazem o menor sentido.
Ao invés de o governo federal usar esses
recursos para construir coisas que sejam condizentes com o que cabe à União
fazer — proteção de fronteiras, ciência e tecnologia, energia nuclear, estradas
etc. — estamos “torrando” dezenas de bilhões numa miríade de iniciativas que
constituem, tipicamente, despesas locais: praças esportivas, ginásios,
hospitais que se multiplicam sem qualquer lógica de integração etc. Isso é uma
bola de ferro, que joga para baixo qualquer tentativa de elevar a
produtividade. Em bom português, equivale a jogar dinheiro pela janela.
Qual é o problema político? Duas coisas
associadas entre si: a) nada impede que o parlamentar agraciado com essa verba,
na “hora H”, vote contra o governo, porque quem tem o comando desses recursos é
o “alto cardinalato” do Parlamento e não o ministro ou o presidente; e b) para
efeito das chances de o parlamentar se reeleger, pouco interessa se a despesa
faz bem para o país ou não, porque o que vale para ele é se isso vai dar votos
na comunidade ou não — e vai dar.
Como me disse um amigo muito politizado do
interior, que votou em um parlamentar completamente fisiológico na última
eleição: “Fabio, o que me interessa é se ele vai trazer recursos para a região
onde moro ou não.”
O Brasil precisa redefinir o sistema
político, para que uma coalizão de governo seja inteiramente responsável pelo
sucesso ou pelo fracasso da gestão, ao invés de termos a “geleia geral” em que
temos vivido. Por isso, aprovadas as leis complementares da Reforma Tributária
em 2024, na segunda metade do mandato de 2023/2026 deveríamos discutir a sério
a possível adoção do chamado “semipresidencialismo” a partir de 2031.
Assim, o próximo governo ainda seria no
formato atual, mas os players da política já atuariam na gestão de 2027/2030 na
perspectiva de mudança do sistema nas eleições seguintes.
Sem isso, será difícil escapar da trajetória
de mediocridade que tem sido nossa sina há vários anos. No longo prazo, é uma
tragédia.
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