Lula precisa de feitos, não de comunicação
Folha de S. Paulo
Datafolha mostra que se esvaiu saldo entre
aprovação e reprovação ao petista; governo deveria cuidar do Orçamento
Pesquisa realizada pelo Datafolha detectou
alguma piora da avaliação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A queda do
prestígio do presidente é mais notável no saldo entre avaliações positivas e
negativas.
Em dezembro, a parcela do eleitorado que
considerava o governo Lula ótimo ou bom atingia 38%; no levantamento deste
março, são 35%. Já aqueles
que avaliam a gestão como ruim ou péssima passaram de 30% para 33%.
Trata-se, a rigor, de variações no limite da margem de erro da pesquisa. A diferença entre aprovação e reprovação, entretanto, caiu de 8 pontos para meros 2 pontos percentuais —no melhor momento de Lula 3, em junho de 2023, o saldo chegava a 10 pontos.
A mudança de humores contrasta, à primeira
vista, com a melhoria de indicadores que expressam a variação das condições
materiais de vida da população. Há mais empregos, os salários crescem, mais
pessoas recebem benefícios sociais e a inflação diminuiu.
O eleitor está algo mais frustrado, de
qualquer modo. Para 58%,
Lula fez menos pelo país do que o esperado; eram 51% em março do ano
passado. Apenas 15% consideram que o presidente fez mais do que o esperado,
ante 18% há um ano.
As expectativas quanto ao desempenho do
mandatário, porém, continuam positivas, bem mais do que avaliação do momento.
Para 46%, Lula ainda fará uma administração ótima ou boa.
As baixas da popularidade do petista mais
dignas de nota ocorreram no Sudeste, entre homens, eleitores de 35 a 59 anos,
moradores de regiões metropolitanas e aqueles que se declaram pretos. O
presidente resiste entre moradores do Nordeste e jovens.
Lula tem requerido de seus ministros maior
ativismo político e divulgação de programas governamentais. Mas provavelmente
será difícil convencer os brasileiros de que sua vida está melhor do que
imaginam ou de que sua opinião política esteja equivocada.
O país ainda se recupera de uma década de
retrocesso social e econômico. É preciso levar também em conta que as
avaliações continuam marcadamente diferentes a depender do voto na eleição de
2022, se em Lula ou em Jair Bolsonaro (PL). A assim chamada polarização
permanece um fator preponderante na opinião.
Um plano político alternativo mais duradouro,
aliás imprescindível, seria Lula dedicar-se mais à precária estabilização
fiscal, condição para o aumento do ritmo do crescimento, deixar de lado
confrontos ideológicos gratuitos e dar alguma contribuição à solução de
problemas que costumeiramente são motivo de queixa dos cidadãos, como segurança
e saúde.
A realidade ainda fala alto.
Cartada constituinte
Folha de S. Paulo
Apelar à mudança da Carta colombiana mostra
mais fraqueza do que força de Petro
O roteiro é conhecido. Quando um governante
enfrenta percalços políticos, saca da algibeira a proposta de convocar uma
Assembleia Constituinte. Foi o que fez
o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, num discurso a apoiadores.
A maioria dos colombianos deu seu voto ao
programa esquerdista de Petro, mas também escolheu pelas urnas o Legislativo,
que pode ter um perfil ideológico diferente daquele do governante.
É da essência da democracia que propostas do
Executivo sejam escrutinadas no Parlamento —trata-se do sistema de freios e
contrapesos. Se faz parte do jogo político que os atores busquem apoio popular
para seus projetos, é preciso cuidado para não lançar as instituições umas
contra as outras.
A jogada de Petro, contudo, tem tom um pouco
menos antissistema. A Carta colombiana, de 1991, prevê, entre as fórmulas de
reformas regulares do texto, a convocação de Assembleia Constituinte.
A proposta precisa passar pelas duas Casas do
Legislativo —que definirão escopo das mudanças, formato, prazo de conclusão— e
ser submetida à população. Se os eleitores acatarem a criação da assembleia,
ainda haverá um novo pleito para escolher seus membros.
Um processo difícil, portanto. Ademais,
parlamentares de vários partidos rechaçaram veementemente a ideia do presidente
na sessão plenária do Senado.
Há duas situações em que dirigentes propõem
alterar a Constituição. Na primeira, quando estão enfraquecidos. Parece ser o
caso de Petro, que enfrenta dificuldades para aprovar projetos, perde apoio de
partidos e ainda se vê enredado em
escândalos relativos a financiamento de campanha.
Na segunda, quando gozam de força política e
popular. Essa é a situação mais perigosa, com maior risco de mudanças que
retiram limitações necessárias ao poder do governante. Já vimos esse filme, com
Vladimir Putin, Hugo Chávez, Viktor Orbán ou Nayib Bukele.
Espera-se que Petro evite a trilha
autoritária e busque convencer a classe política de que suas propostas merecem
aprovação —ou procure adaptá-las, como recomenda o caminho mais democrático.
Cautela do BC é necessária diante da rigidez
da inflação
Valor Econômico
Aumentou a probabilidade de que fatores
adversos à queda da inflação tenham maior influência à frente
A mudança da orientação do Comitê de Política
Monetária (Copom) sobre a trajetória futura dos juros - do plural para o
singular, de dois cortes de 0,5 ponto para um só - assinala um momento de
cautela. Em si, a liberdade de apontar dois cortes à frente nas reuniões é um
luxo ao que os principais bancos centrais, o Federal Reserve americano e o
Banco Central Europeu, fugiram. O motivo para isso é o mesmo alegado pelo Banco
Central brasileiro (BC) no comunicado do Copom: as incertezas são grandes e é
necessário manter maior liberdade de movimentos para a autoridade monetária.
Por si só, isso não significa que o ritmo de corte de juros será reduzido, mas
a mudança indica que aumentou a probabilidade de que fatores adversos à queda
da inflação tenham maior influência à frente.
Há dissonâncias no comunicado do Copom que
talvez sejam harmonizadas na ata, que tem maior espaço para explicações. Os
indicadores econômicos do início do ano apontam vigor maior do que o previsto
nas atividades econômicas, e todos eles foram divulgados antes da reunião do
BC. No entanto, o comunicado registra que “o conjunto dos indicadores de
atividade econômica segue consistente com o cenário de desaceleração da
economia antecipado”.
Em certo sentido isso pode ser considerado
lógico - se a economia crescerá abaixo de 3% em 2024, haverá desaceleração, mas
não resolve a equação da política monetária. Após dois trimestres de
estabilidade no PIB, há sinais de reativação importantes, em qualquer setor da
economia para o qual se olhe. Talvez isso explique que as “medidas de inflação
subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais
recentes”. O fato não parece combinar com a perspectiva de amortecimento das
atividades econômicas.
A alteração da orientação futura faz sentido
tanto agora quanto se ocorresse na próxima reunião do Copom. Como o BC vem
cortando a taxa Selic desde agosto e mais da metade do caminho já foi
percorrido - 3 pontos percentuais de redução -, a própria lógica indica que em
algum momento o aceno de redução de 0,5 ponto percentual duas reuniões à frente
teria um fim. O argumento do ambiente de incertezas para fazê-lo é perene e
esteve presente nas atas desde a pandemia.
O cenário externo não se modificou tanto
entre janeiro e março. Os bancos centrais continuam hesitantes em relação ao
momento em que irão reverter suas políticas contracionistas porque há uma
resistência inesperada da inflação - como no cenário doméstico.
O Copom continua mantendo o balanço de riscos
simétrico, mas os itens apontados como fatores de uma queda maior da inflação
que a esperada parecem não ter mais o peso que tiveram. São eles “uma
desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada”
e “os impactos do aperto monetário sincronizado sobre a desinflação global se
mostrarem mais fortes do que o esperado”.
Os dois fatores estariam em ação se os bancos
centrais dos países desenvolvidos continuassem a aumentar a carga de juros, o
que não ocorreu, ou as principais economias estivessem a caminho de uma
recessão. Não é o que está acontecendo. A zona do euro chegou a um passo do
crescimento negativo, mas não deu chegou lá. Nos EUA, os membros do Federal
Reserve, em sua “trama de pontos”, fizeram um movimento surpreendente, ao
elevarem a mediana da projeção de crescimento da maior economia do mundo de
1,4% para 2,1%, uma alteração muito expressiva em um intervalo de apenas três
meses. A China colocou como meta para o ano uma expansão de 5%, mas pode
crescer menos, embora isso tenha muito pouco a ver com os juros domésticos, que
estão em queda.
Quanto à desinflação global ser mais forte do
que a esperada, esse poderia até ser um desejo passageiro das autoridades
monetárias dos países ricos. Após queda expressiva, os índices de preços ao
consumidor da Europa e dos EUA recuam muito vagarosamente e ainda estão
distantes da meta. O presidente do Fed, Jerome Powell, gostaria de ter a
certeza de que houve um aperto exagerado da política monetária e assim reduzir
mais rapidamente os juros, mas a realidade não lhe dá essa chance. A economia
americana exibe vigor impressionante diante da maior carga de juros em 23 anos.
Na Europa, as atividades esmoreceram, mas o mercado de trabalho exibe vigor e
os salários seguem em alta.
No balanço de riscos, os de alta se sobressaem, já que mencionam a persistência das pressões inflacionárias globais, um fato, e, no campo doméstico, “a maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado”, que pode estar correlacionada à inflação subjacente acima da meta. O balanço de riscos parece pender levemente para o lado da alta da inflação, com salários, emprego, consumo e gastos públicos em alta. Mas cotações de commodities mais baixas, menor impulso do setor agrícola e externo ao PIB e possível valorização do real, quando o Fed se mover, tendem para o lado oposto. Tudo pesado, o BC tem razão em mudar sua orientação, embora o cenário em que se baseou seja distinto.
Mudança do ensino médio depende só de aval do
Senado
O Globo
Câmara enfim destravou projeto. Senadores têm
de correr para reforma de 2017 entrar em vigor em 2025
A Câmara aprovou enfim o Projeto de Lei que
define mudanças na reforma do ensino médio.
É um avanço fundamental na agenda da educação. Enviado ao Congresso no fim do
ano passado, o projeto estava empacado devido a um impasse entre o MEC e o
relator, deputado Mendonça Filho (União-PE). O principal entrave dizia respeito
à carga horária destinada à formação comum a todos os estudantes. Felizmente,
governo e parlamentares chegaram a um acordo para não atrasar ainda mais a
implantação da reforma aprovada em 2017, cujo cronograma estava suspenso desde
abril de 2023. O Senado deveria aprovar logo o projeto para que as mudanças
entrem em vigor em 2025.
As negociações entre o relator e o ministro
da Educação, Camilo
Santana, foram tensas. O importante é que o texto aprovado mantém o
espírito e os objetivos da reforma: ampliar a carga horária, valorizar o ensino
profissional e tornar o currículo mais flexível. O estudante terá mais
liberdade para se aprofundar em áreas de seu interesse e adquirir formação que
permita um encaixe adequado no mercado de trabalho. O projeto acerta também ao
estabelecer que as diretrizes curriculares dos itinerários formativos (parte
flexível do currículo) serão definidas pelo MEC. A falta de parâmetros
nacionais era um dos problemas da reforma, resultando numa profusão de
propostas de cursos desconectadas da realidade.
Sempre haverá quem aponte problemas na nova
versão do projeto. Mas já se perdeu tempo demais com discussões que não levam a
lugar algum, favorecendo os grupos sindicais que defendem a revogação da
reforma para deixar tudo como está, em detrimento dos alunos. A educação
brasileira vai mal, como atesta o desempenho pífio dos estudantes em exames
nacionais e internacionais. O ensino médio é um dos gargalos. Os cursos,
distantes demais do mercado de trabalho, não são atraentes. É preciso mudar, e
rápido, porque o Brasil ficou para trás. Por isso o Senado precisa correr para
aprovar logo o texto da Câmara.
Ainda que não seja o texto ideal, ele
corrigiu falhas do projeto original, facilitando a implementação das mudanças
aprovadas no governo Michel Temer e afastando o temor de que sejam revogadas.
Um de seus méritos é aumentar a carga horária da formação básica (que inclui
disciplinas como português, matemática, física, química, biologia etc.).
Originalmente, estavam previstas no máximo 1.800 horas do total de 3 mil horas.
Pela versão aprovada, para os cursos regulares serão no mínimo 2.400 horas,
como queria o MEC (o relator defendia 2.100 horas). O restante será dedicado à
parte flexível do currículo.
No ensino técnico, o acordo entre governo e
oposição prevê carga horária de 2.100 horas para a formação básica, mas será
possível usar 300 horas de forma articulada com o ensino técnico. A distinção é
necessária para atender cursos profissionalizantes de saúde e tecnologia, que
demandam até 1.200 horas de formação. Nesses casos, a carga das disciplinas
obrigatórias cairia para as 1.800 horas, como na versão original. Apesar de
haver quem critique a distinção, ela foi o consenso possível entre as necessidades
e os desejos. O impasse não favorecia ninguém. Espera-se que o Senado aprove o
texto ainda neste semestre. Ainda assim, já terão passado dois longos anos para
implementar uma reforma fundamental para o desenvolvimento do Brasil.
Decisão do STJ no caso Robinho evita que
Brasil seja refúgio para criminosos
O Globo
Ao decidir que ex-jogador deve cumprir sentença italiana, Corte coíbe violência contra mulher
A cada oito minutos há um estupro no Brasil.
Os dados mais recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que em
2022 foram registrados 65.569 casos contra mulheres e vulneráveis. O número tem
variado ao longo dos anos, mas com tendência nítida de alta. No período entre
2017 e 2022, os estupros subiram 29,5%. Como a subnotificação é frequente, a
realidade é provavelmente ainda pior.
Há uma série de medidas necessárias para
reduzir a violência sexual contra a mulher, da melhor iluminação das vias
públicas à educação. Uma tarefa, porém, se sobressai. É indispensável
investigar acusados, abrir processos judiciais e, quando eles forem condenados,
garantir o cumprimento rigoroso das penas.
É por isso correta a decisão do Superior
Tribunal de Justiça (STJ)
determinando que o ex-jogador de futebol Robinho cumpra no Brasil pena pelo
crime de estupro cometido na Itália. Os investigadores italianos reuniram
provas de que ele e outros cinco brasileiros praticaram violência sexual em
grupo contra uma mulher de origem albanesa numa boate de Milão em 2013. A
primeira condenação ocorreu em 2017. Os advogados de defesa recorreram e
perderam mais uma vez em 2022.
Condenado a nove anos na Itália, Robinho
estava em liberdade no Brasil. As autoridades italianas pediram a extradição,
mas as leis brasileiras não a permitem para brasileiros natos. Diante disso, a
Itália solicitou que a pena fosse cumprida no Brasil. Essa era a questão posta
diante dos ministros do STJ. Não estava em debate se Robinho é culpado. Quanto
a isso, não há mais dúvida. Ele já foi condenado em segunda instância, com
amplo direito de defesa. Ao determinar o cumprimento da pena, os ministros do
STJ impedem que o Brasil se torne um refúgio para condenados noutros países por
crimes sexuais.
Robinho foi preso em Santos. A defesa
recorreu, mas o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou
liminarmente o recurso. Com isso, a última instância da Justiça brasileira
reforça o precedente e dá uma enorme contribuição ao combate à violência
sexual. Julgamentos envolvendo figuras públicas devem receber atenção especial,
pelo poder de influenciar não apenas a população, mas também o comportamento de
outras instâncias do Judiciário. O meio do futebol, conhecido pelo machismo
contumaz e pela leniência diante dos crimes contra a mulher, oferece
oportunidade ímpar para estabelecer um caso exemplar.
Ao confirmar a decisão do STJ, o Supremo demarca uma distinção fundamental com a Justiça espanhola, que concedeu, mediante fiança de € 1 milhão, liberdade provisória ao jogador Daniel Alves, condenado a quatro anos e meio por um estupro em Barcelona. Pela gravidade do crime, ele deveria aguardar a sentença definitiva atrás das grades. Infelizmente, os juízes espanhóis não tiveram a mesma clareza e determinação da Justiça brasileira.
A ansiedade de Lula
O Estado de S. Paulo
É mau sinal quando o adversário, a
comunicação e as pesquisas de opinião pública ditam os rumos do governo e do
presidente e servem de desculpa para justificar a própria mediocridade
O presidente Lula da Silva está ansioso.
Depois de três pesquisas que apontam fadiga de material no terceiro mandato,
ele reuniu seus ministros, pediu-lhes pressa nas entregas e recomendou viagens
pelo Brasil para divulgar as ações do governo. Pelo menos desta vez, não se
recorreu à prática habitual dos populistas – fabricar ideias delirantes,
adorná-las como novidade arrebatadora e tentar reescrever a história. Lula
preferiu cobrar dos ministros que revisitem programas e ações já lançados,
verifiquem o andamento de cada um e trabalhem por melhores resultados. Mas na
sua fala pública, no início da reunião ministerial, deixou evidente um dos
maiores e mais danosos vícios lulopetistas: creditar os problemas na desordem
do antecessor e nas falhas de comunicação de sua administração. São os dois
suspeitos de sempre para quem deseja esconder a própria mediocridade.
É mau sinal quando o adversário, a
comunicação e as pesquisas de opinião pública ditam os rumos e a ansiedade de
um governo e um presidente – ansiedade que costuma ser péssima definidora de
rumos quando inspirada pelo temor da derrota, estimulada pela conveniência e
pautada pelos números dos institutos de pesquisa. Segundo os relatos da parte
fechada da reunião, Lula teria desdenhado dos dados que apontaram corrosão de
sua popularidade. Mas tanto ele quanto os caciques petistas têm recorrido com
frequência ao diagnóstico de que a desaprovação, crescente desde agosto do ano
passado, é fruto da incapacidade do governo de fazer a tal “disputa de
narrativas”. No autocentrado mundo lulista da virtude, os males são sempre
externos. O problema é da percepção pública, não dos fatos.
“Todo mundo sabe que ainda falta muito para a
gente fazer, por mais que já tenha recuperado Farmácia Popular, Mais Médicos,
Bolsa Família...”, disse Lula em seu discurso, no momento da reunião que a
imprensa pôde acompanhar. Na parte reservada do encontro, segundo relato do
Estadão, Lula instou quatro ministros a se pronunciar sobre crises recentes que
enfrentaram em suas respectivas pastas: Ricardo Lewandowski (Justiça e
Segurança Pública) e a fuga de presos na penitenciária de Mossoró; Nísia
Andrade (Saúde) e os desafios gerados pela dengue, pelo aumento de mortes de
indígenas yanomamis e pela crise nos hospitais federais do Rio de Janeiro;
Paulo Pimenta (Comunicação Social) e as falhas da comunicação do governo.
Também pediu ao ministro Camilo Santana (Educação) prazos para o programa Pé de
Meia, que pagará bolsas para estudantes do ensino médio.
A despeito do fato de que nenhuma mente sã
esperaria que a esta altura – mal iniciado o segundo ano do mandato – não
houvesse ainda muito por fazer, chama a atenção a referência de Lula a
programas petistas iniciados no passado. A aparência de reprise significa muito
mais do que a mera recuperação, reforço ou continuidade de iniciativas
supostamente bem-sucedidas. Há, isso sim, uma flagrante desatualização do
governo de Lula, que governa em 2024 ainda aprisionado a modelos e práticas dos
seus dois mandatos anteriores, encerrados 14 anos atrás.
Apesar de relativamente bem na economia, com
crescimento razoável, inflação sob controle e emprego num bom nível, falta ao
governo uma identidade mais clara, maior capacidade de enxergar o País não
petista, além de resultados consideráveis em áreas-chave como segurança
pública, saúde e educação. Curiosamente, os ministros da Segurança Pública e
Saúde foram chamados a falar estritamente sobre crises imediatas e não
resolvidas. Na educação, nada se disse sobre problemas estruturais – o esforço
pela alfabetização na idade certa, pela aprendizagem ou por um novo ensino
médio, problemas que o bemvindo Pé de Meia não ajudará a resolver.
Para Lula, é algo menor avaliar e aperfeiçoar
programas, ajustar a gestão, corrigir rotas ou modelos que não mais funcionam.
Ele tem a ambição desmedida de quem se enxerga um mítico representante dos
interesses do povo. Para alguém assim, não há alternativa: diante de um mandato
na melhor das hipóteses mediano e um amor popular apenas parcialmente
correspondido, só restam a ansiedade e a frustração. Mal percebe que a
frustração maior é da população.
A segurança pública precisa da União
O Estado de S. Paulo
Crime organizado está cada dia mais
organizado, mas a União segue complacentemente desorganizada. Sem articulação
dos órgãos de segurança do País, Estados continuarão a enxugar gelo
Há muito as pesquisas apontam que a segurança
pública é a maior prioridade dos brasileiros e nos últimos anos a preocupação
com a criminalidade só aumentou. É consequente: o Brasil detém 3% da população
do planeta e concentra cerca de 14% de seus homicídios. O fracasso em garantir
o direito fundamental do qual dependem todos os outros, o direito à vida, é o
maior sinal da falência do Estado brasileiro. Se faltam garantias à integridade
física e patrimonial dos cidadãos, não há como desfrutarem e aprimorarem
plenamente a cidadania.
Paradoxalmente, a Constituição “Cidadã”, que
concorre para o título de a mais prolixa do mundo, foi notavelmente lacônica ao
tratar da segurança pública, reservando 1 – apenas 1 – de seus 250 artigos ao
tema. Em outras áreas sociais – como saúde, assistência social ou educação – a
lógica da universalização embasou a regulação e prestação de serviços, a
partilha de responsabilidades e as diretrizes para uma atuação cooperativa
entre os entes do Estado. O expoente mais vistoso desta lógica foi a criação do
Sistema Único de Saúde (SUS).
Já na segurança não houve inovações. Desde a
primeira Constituição, em 1824, até a sétima, nunca houve atribuição de
competências constitucionais à União na área de segurança. O Brasil nunca teve
um sistema ou uma política nacional de segurança pública.
Essa acefalia é tanto mais gritante e
mortífera numa época em que a hidra do crime organizado se nacionaliza e se
internacionaliza aceleradamente, infiltrando-se e capilarizando-se com
crescente sofisticação no mercado e no Estado, e dominando territórios onde
instauram “Estados paralelos” (como nas favelas) ou “ecossistemas do crime”
(como na Amazônia).
“No Brasil, construiu-se uma narrativa eficaz
de que isso é um problema dos Estados, porque vemos muito a segurança pública
como sinônimo de polícia”, disse em entrevista ao Estado a pesquisadora de
segurança da FGV Joana Monteiro. “O que tem de mudar é uma pressão pública para
dizer que isso não é só um problema dos Estados. Quem deve liderar, certamente,
a iniciativa de desenhar a segurança pública do Brasil é o governo federal.”
Entre as prioridades apontadas por Monteiro
para a União estão uma arquitetura de distribuição de responsabilidades e sua
estrutura de governança; a estruturação de um sistema de inteligência; a
unificação da compilação e compartilhamento de dados; e investimentos em
capacidade investigativa. Este último aspecto é especialmente relevante para
reverter o baixo índice de elucidação de delitos e para combater o crime
organizado, em particular para desbaratar os circuitos financeiros que oxigenam
o monstro.
Em 2018, o governo Temer criou o Sistema
Único de Segurança Pública (Susp), justamente com o objetivo de materializar
essas prioridades, articulando e integrando as ações dos órgãos de segurança do
País, desde a prevenção à repressão, dos sistemas de inteligência aos sistemas
prisionais.
Mas o Susp nunca saiu do papel. O presidente
Jair Bolsonaro jacta-se de ser um campeão do combate ao crime, mas sua única
política pública consistente foi a rigor uma antipolítica – armar cidadãos para
que façam justiça com as próprias mãos – e seu maior resultado foi
contraproducente – armar os bandidos. O presidente Lula padece da miopia
ideológica da esquerda, e trata a criminalidade como mera externalidade
negativa da desigualdade social. Segundo essa lógica, basta o Estado cuidar da
educação e da saúde e a violência se resolverá num passe de mágica. Não
surpreende que os planos fabricados por seu Ministério da Justiça sejam meras
cartas de intenções genéricas. Tampouco surpreende que a segurança pública seja
o setor mais mal avaliado de sua gestão. O arcabouço do Susp está à mão. Mas é
pouco provável que Lula invista numa solução engendrada pelo “golpista” Michel
Temer.
Eis o estado da questão: o crime organizado
se organiza cada dia mais, enquanto a União segue complacentemente
desorganizada. A população range os dentes sentada sobre um barril de pólvora,
mas seu Estado dorme e ronca deitado em berço esplêndido.
Margem de manobra
O Estado de S. Paulo
Indicadores econômicos justificam cautela do
Banco Central e mais flexibilidade para decisões futuras
Como era amplamente esperado, o Comitê de
Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu reduzir a taxa básica
de juros de 11,25% para 10,75% ao ano. O comunicado, no entanto, trouxe
mudanças significativas sobre a forma como a autoridade monetária tem observado
a atividade econômica. O BC passou a sinalizar uma nova queda de 0,5 ponto
porcentual na Selic na próxima reunião, em maio, mas não mais nas próximas,
como vinha indicando até então.
De um lado, o cenário-base não se alterou de
maneira substancial. O BC manteve suas projeções para a inflação em 3,5% neste
ano e em 3,2% em 2025 e reiterou que o cenário é consistente com a perspectiva
de desaceleração da economia. Mas, se a inflação cheia continua a ceder, seus
núcleos – medida que retira do cálculo choques transitórios e traduz a
tendência do comportamento dos preços – continuam acima da meta de 3%.
Indicadores divulgados na semana passada
mostraram comércio e serviços com forte crescimento em janeiro ante dezembro,
respectivamente de 2,5% e 0,7%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Já o desemprego encerrou o trimestre terminado em janeiro
em 7,6%, o menor resultado para o período desde 2015, também de acordo com o
IBGE.
Em conjunto, esses indicadores justificam
mais cautela quanto às decisões futuras. Isso não significa necessariamente que
o BC vai reduzir a velocidade da queda dos juros para 0,25 ponto porcentual ou
interromper o ciclo de queda antes do esperado, mas demonstra que a autoridade
monetária quer ter mais flexibilidade para definir o que fará a partir de junho
com base nos indicadores que mostram a evolução da economia.
Esse cuidado não é exclusividade do Brasil.
Na Europa, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde,
disse que o processo desinflacionário precisa avançar mais antes que a
instituição possa reduzir os juros. Foi além: afirmou não ser possível se
comprometer com uma trajetória de cortes mesmo após os juros começarem a cair.
O Federal Reserve (Fed, o banco central dos
Estados Unidos) manteve os juros no intervalo entre 5,25% e 5,5% pela quinta
vez consecutiva, maior patamar dos últimos 22 anos. Não descartou, no entanto,
a possibilidade de efetivar três cortes de 0,25% nos juros neste ano.
Talvez nada simbolize a preocupação dos
bancos centrais com o comportamento da inflação quanto a anedótica elevação dos
juros no Japão nesta semana – a primeira em 17 anos. Depois de oito anos de
taxas negativas e uma consistente deflação, o Banco do Japão (BoJ) decidiu
aumentar os juros para o intervalo entre 0 e 0,1%. E o que motivou esse aumento
das taxas foi o reajuste dos salários dos trabalhadores, de 5,28%, que tende a
impulsionar o consumo no país asiático.
São tempos estranhos e incertos, mas os bancos centrais não podem titubear – sobretudo no Brasil, onde a economia tem dado claros sinais de aquecimento, as expectativas de inflação seguem acima da meta e a política fiscal enfraquece o vigor da política monetária.
Os brasileiros e as compras em supermercados
Correio Braziliense
O hábito de consumo dos brasileiros baliza
uma série de ações estratégicas das empresas e, por isso, acaba sendo estudado
e revisado diversas vezes ao longo do ano
O hábito de consumo dos brasileiros baliza
uma série de ações estratégicas das empresas e, por isso, acaba sendo estudado
e revisado diversas vezes ao longo do ano. Esta semana foi divulgado o
levantamento Tendências de Bens de Consumo 2024, desenvolvido pelo ecossistema
de tecnologia e inteligência de dados Neogrid e pela Opinion Box, que atua no
setor de pesquisa do mercado e experiência do cliente. O foco é o comportamento
de compra nos supermercados.
Para grande parte dos entrevistados, 66%, o
preço ainda é o fator determinante na decisão de compra, e aqui estamos falando
tanto do varejo físico quanto do on-line. Pesquisar quanto custa o pimentão
vermelho esta semana e quanto custava nas semanas anteriores é uma espécie de
“mania” do brasileiro. A qualidade do produto vem em segundo lugar (60,1%),
seguido por promoções e descontos (59,8%).
Outro hábito frequente é pesquisar preços em
diferentes supermercados ou entre marcas variadas: 77% dos entrevistados
afirmaram que sempre procuram varejistas que estão em promoção e mais de 50%
disseram que sempre comparam o preço entre marcas que consideram adquirir. Sem
falar nos rótulos, que estão mais à mostra e explicativos, o que demonstra que
o cliente está mais atento ao que consome. O levantamento foi feito em dezembro
do ano passado com 2.212 pessoas de todo o Brasil, acima de 16 anos e de todas as
classes sociais, sendo 48% homens e 52% mulheres.
Ficar de olho nas tabelas faz todo o sentido,
ainda mais que temos produtos que resistem em ficar mais baratos. A inflação
oficial do país, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), encerrou 2023 com alta
acumulada de 4,62%. Os nove grupos de produtos e serviços analisados
apresentaram alta. A maior veio de alimentação e bebidas (1,11%), que acelerou
em relação ao mês anterior (0,63%) e exerceu o maior impacto sobre o resultado
geral.
Em janeiro, os preços subiram 0,42%, acumulando 4,51% nos últimos 12 meses.
Sozinho, o grupo de alimentação teve peso de 0,29 ponto percentual no índice
geral do primeiro mês de 2024. Em fevereiro, o IPCA saltou para 0,83%, acima
das projeções do mercado, e turbinado, novamente, pelos gastos com alimentos,
que se somaram, especialmente, às despesas com educação, típicas do início de
ano.
Há especialistas que projetam alta de 4% nos
preços dos alimentos em 2024, decorrente de fenômenos como o El Niño, que
impacta a produção de culturas de ciclo curto, afetando o preço da soja e do
milho, por exemplo.
Com valores de produtos em elevação e a forte tendência dos clientes de pechinchar, os supermercados se veem às voltas com estratégias para segurar esse consumidor, oferecendo, entre outros benefícios, o pagamento parcelado em até três vezes sem juros no cartão de crédito. E quem diria que o brasileiro seria tão fã de parcelar as compras semanais de supermercado... O que é uma necessidade para dar conta de arcar com o orçamento doméstico pode acabar virando bola de neve, com dívidas se acumulando. O alimento foi comprado e consumido e ainda está longe de ser quitado.
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