Folha de S. Paulo
Avaliação reduzida de Lula sugere que prática
política vive em país e cultura do passado
O eleitorado
continua grosso modo dividido em terços quanto à nota que dá a Luiz Inácio Lula
da Silva. A parcela daqueles que avaliam Lula 3 como
"ótimo/bom" é praticamente a mesma daqueles para quem o governo é
"ruim/péssimo". É o que diz o
Datafolha.
O empate aparece também em outras pesquisas
realizadas desde fins de fevereiro. A baixa do prestígio começou depois da
metade do ano passado. Mas é muito mais pronunciada e ocorreu na maior parte em
2023 nas pesquisas Quaest e Ipec do que no Datafolha e na Atlas. E daí? Tem-se
dado importância excessiva ao assunto?
Não, parece razoável dizer. Baixas de avaliação costumam diminuir a margem de manobra política do governo. A situação fica um tanto mais difícil em um tempo de contraposição extremada das preferências de voto para o Executivo ("polarização"), de volatilidade da opinião pública (também por causa de redes sociais e de guerras culturais e de propaganda), de revolta "contra o sistema" e por causa do fato óbvio de que o governo Lula é muito minoritário no Congresso, tanto em termos de número de parlamentares quanto de preferências ideológicas —as forças sociopolíticas do país mudaram muito.
Em caso de aprovação popular baixa, as
oposições têm mais facilidade de emparedar o governo, óbvio. Para dar um
exemplo circunstancial, veja-se a dificuldade
do governo de lidar com a votação sobre o fim das "saidinhas" de
presídios. O governismo não fez campanha para se opor ao
endurecimento da lei; Lula correria grande risco de ser avacalhado nas redes
caso viesse a vetar a medida.
O endurecimento penal, o cerceamento
do direito de interrupção da gravidez, "guerra
às drogas", tudo isso e muito mais, estão na pauta do
Congresso, para não mencionar a nova pregação do morticínio de pobres, pretos e
periféricos como política de segurança pública, vide o caso paulista.
Além do problema em si do reacionarismo,
esses assuntos serão meios de desbastar o prestígio de Lula um tanto mais,
recurso que pode ser mais útil em ano de eleição e de popularidade presidencial
à beira do vermelho.
Tais riscos ou ameaças tendem a reduzir a
pauta de Lula 3 a poucos temas mais consensuais em economia; talvez facilitem a
cobrança de espaço no governo.
Para quem queira ver o copo de Lula meio
cheio, note-se que o saldo da avaliação do governo não está no vermelho. Não
está mal, dado que, faz uma década, governos muito mais perdem do que ganham
eleições na América Latina. Além do mais, o Datafolha mostra que há mais
eleitores com expectativa de que Lula faça um governo "ótimo/bom"
(46%) do que aqueles que agora dão tal nota ao desempenho do presidente (35%).
A baixa da avaliação do governo causou mais
sensação porque tem havido aumento do número de empregos e de benefícios
sociais, assim como melhora expressiva nesses rendimentos. O nível de renda,
porém, mal se recuperou de uma década de desastre e o preço da comida aumentou
mais do que salários.
Mesmo melhorias adicionais de bem-estar
material talvez não venham a compensar tão cedo o efeito das preferências
extremadas e entrincheiradas de voto para o Executivo federal ou estadual —no Parlamento
e em prefeituras, centrão e direita são largamente vitoriosos.
Sem novidades políticas maiores, parece
difícil de superar esse tempo de avaliações reduzidas da qualidade do governo.
Isto é, faltam novidades de mensagem, de programa, de articulação com forças
sociais, de debate em redes sociais. Claro que continua essencial o aumento do
ritmo de melhora da vida, na renda, na saúde, na segurança, as três queixas
sempre líderes. Mas continua a se fazer política muito velha, em especial na
esquerda, em um mundo muito alterado pela tecnologia e pela revolta contra o
status quo.
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