No cotidiano encontramos o procrastinador profissional, aquele ser que transforma a arte de adiar em um estilo de vida, sua habilidade em criar justificativas elaboradas rivaliza com os maiores argumentadores da história. "A procrastinação é uma manifestação da liberdade criativa", proclamam eles, enquanto as pilhas de tarefas não realizadas atingem alturas épicas, em um mundo onde a urgência é rainha, esses próceres se tornam os anti-heróis da narrativa diária, suas desculpas são como poesia, uma ode à criatividade justaposta à incapacidade de cumprir prazos. "A inspiração só atinge quando é devidamente provocada pela ameaça iminente de um prazo vencido", enquanto o relógio implacável continua sua marcha fascista.
A escolha pelo procrastinar, contudo, não é uma façanha afeita apenas aos ditos preguiçosos, mesmo os mais ambiciosos caem nas garras sedutoras do depois, é como se houvesse uma força misteriosa, um chamado irresistível para deixar tudo para depois, independentemente das consequências. O protelador é, afinal, um explorador destemido do reino do "mais tarde", do “amanhã”, do “depois a gente faz”. À medida que mergulhamos nas profundezas desse imenso oceano de delongas, observamos uma manifestação da complexidade humana, uma dança intrincada entre o desejo de realização e a tentação de deixar para depois, criando um verdadeiro paradoxo para seus defensores, que são capazes de procrastinar sua própria procrastinação.
No cenário global, essa linda faceta humana não é apenas uma característica individual, mas um fenômeno cultural, países inteiros adotam uma mentalidade coletiva de "amanhã eu resolvo", esse encontro entre a procrastinação individual e a protelação coletiva cria uma sinfonia dissonante de atrasos e desculpas, as nações se unem na glorificação do "prazo flexível" e na veneração do "fazer depois", mas algo é indelével muitas guerras foram e serão evitadas graças ao enorme poder do amanhã nós fazemos, os postergadores são os verdadeiros arautos da paz.
Entretanto, como em todas as formas de arte, a procrastinação tem seus detratores, os defensores da produtividade lutam contra essa maré de adiamentos, clamando por uma revolução contra a beleza idílica da procrastinação, eles sugerem métodos inovadores, técnicas revolucionárias para combater essa utopia, mas, ironicamente, muitos desses conselhos caem na armadilha de serem lidos e esquecidos pelos numerosos trabalhadores do futuro apenas no futuro. Nesse grande palco, os prazos são os protagonistas, e a pressão, sua antagonista, uma verdadeira tragédia shakespeariana, a plateia observa, com uma mistura de compaixão e desespero enquanto o ato final se desenrola com a inevitabilidade do prazo se chocando com a resistência ardente do depois.
Em conclusão, a procrastinação é mais do que um simples hábito, é uma forma de arte, essa muito peculiar que desafia as convenções sociais e desafia a lógica, é um fenômeno tão arraigado na experiência humana que resistir a seus encantos parece quase uma heresia, talvez, ao abraçar o protelar com um imenso sorriso, possamos encontrar um entendimento mais profundo sobre nossa natureza humana e, quem sabe, finalmente começar aquelas tarefas há muito adiadas, afinal o amanhã está logo ali, mas até lá, vamos nos perder na dança eterna do questionamento, pensando bem? Essa tarefa faço semana que vem, assim como esse texto que posterguei enquanto pude.
*Cláudio Carraly, Advogado
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