sexta-feira, 22 de março de 2024

Maria Cristina Fernandes - Falso sumiço de móveis desafia presidente a se fiar no real sentido da polarização

Valor Econômico

Desgaste, que já seria inevitável, é potencializado pelas pretensões eleitorais de Michelle Bolsonaro

“Descobrimos que o crucifixo é dele mesmo. Recebeu de presente. Pqp. Matérias furadas na internet”. Esta mensagem saiu às 17h44min do dia 9 de março de 2016 do celular do ex-procurador federal Deltan Dallagnol para seu colega Orlando Martello.

Chegava ao fim, dessa maneira, uma das histórias mais dramáticas da Lava-Jato, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi acusado de furtar um crucifixo, supostamente de Aleijadinho, do gabinete da Presidência no Palácio do Planalto.

Se a Lava-Jato foi atrás de uma “fake news”, o presidente Lula a produziu, na precipitação de relacionar o casal Bolsonaro ao sumiço de móveis do Palácio do Alvorada. O bolsonarismo sapateia em cima do caso. O ex-presidente diz que seu sucessor fez uma falsa comunicação de furto e a ex-primeira dama diz que a acusação foi uma cortina de fumaça para a compra de móveis sem licitação. A Presidência gastou R$ 200 mil para repor os móveis que só agora foram encontrados.

O governo não sabe como reagir. A Advocacia-Geral da União ainda não foi notificada de nenhuma ação judicial do casal Bolsonaro em relação ao presidente ou à primeira-dama, que chegou a gravar entrevista mostrando o Alvorada vazio. A tréplica da Secretaria de Comunicação, de que foi Jair Bolsonaro quem escondeu os móveis, não resolve. Não é porque a gestão Lula não tenha achado os móveis de imediato que se poderia considerar que tivessem sido furtados.

O desgaste, que já seria inevitável, é potencializado pelas pretensões eleitorais da ex-primeira-dama. Enquanto o Judiciário pena para incriminar o ex-presidente no leque de acusações que pesam contra si, Lula, por mais que resista, terá que reconhecer que, nesta, Bolsonaro está limpo.

É mais uma história a ser debitada na conta da polarização, construída desde uma campanha eleitoral em que Lula apareceu como o único nome capaz de vencer Bolsonaro. Como o ex-presidente é filho da Lava-Jato, seu sucessor encarou a vitória como a revanche de sua inocência.

Lula costuma fazer ponderações sobre a presunção de inocência quando é indagado sobre malfeitos de terceiros. Neste caso, porém, chutou o balde. Inebriado, talvez, por uma posse histórica.

Pessoas próximas ao presidente estão convencidas de que os malfeitos de Bolsonaro devem ser deixados a cargo do Judiciário. E que a verdadeira polarização é a das políticas públicas. A saúde é um bom exemplo. Um governo cujo titular é suspeito de ter fraudado o programa nacional de imunizações tem que ser sucedido por outro que, além de devoto do SUS, será capaz de livrar o país da dengue que, só este ano, já matou 630 pessoas.

2 comentários:

Marcos disse...

Artigo de hoje tá pequeno né

ADEMAR AMANCIO disse...

Muito bom.