Valor Econômico
O trabalho já não tem a força política, social e simbólica que tinha quando o atual presidente da República se tornou proeminente figura sindical
Os indícios de declínio do Primeiro de Maio
suscitam interpretações que mostram o quanto o evento anual esconde
significados que nem sempre vêm à tona na própria comemoração. O aparente
declínio dos comparecimentos ao ato é declínio do que e, sobretudo, de quem?
De imagem associada à classe trabalhadora, o comparecimento do presidente da República foi interpretado como seu declínio pessoal. Mas a atribuição ao evento de sentido estranho ao que é o trabalho sugere que ele, na concepção brasileira de hoje, já não é o trabalho de outros tempos.
O presidente, enquanto tal, já não é o
operário. Não agrega à sua função quem personifica, propriamente, o trabalho.
Além do que o trabalho já não tem a força política, social e simbólica que
tinha quando ele se tornou proeminente figura sindical.
Ele é a expressão de um momento histórico nas
relações de trabalho. O de quando ele, no Brasil, e Lech Walesa, na Polônia,
tornaram-se personagens internacionais de um novo heroísmo social, o de dar à
classe operária a condição de autora do capitalismo.
Os empresários tornaram-se, sociologicamente,
coadjuvantes do capital. O operário foi para a mesa de negociação com a
responsabilidade de assegurar a reprodução ampliada do capital porque é de seu
interesse que ela ocorra e com justiça social. O capitalismo já não é o do
“Manifesto comunista”.
Quando Lula passou da vida sindical para a
vida política e quando se formou o seu partido, ele já estava em declínio como
personificação política do trabalho. Sua metamorfose em personagem política,
porém, foi um fato extraordinário e impensável no Brasil atrasado. O presidente
se tornou personificação do moderno num Brasil atrasado. O oposto do antecessor
do terceiro mandato.
Nesse sentido ele é uma das expressões
originais da realidade brasileira produzida pela industrialização. Não foi a
única. A indústria diversificou socialmente o Brasil. Fernando Henrique
Cardoso, sociólogo, foi outra significativa expressão desse Brasil da era da
indústria e das ciências.
Principal estudioso das características
sociológicas do nosso empresariado e de seu dilema histórico, foi quem primeiro
compreendeu os impasses do empresariado nas transformações econômicas dos anos
1960.
A grande questão de seu livro sobre o
empresariado brasileiro é a de saber se tinha e tem ele condições de enfrentar
criativamente os desafios políticos de uma nova fase do desenvolvimento
econômico e social. Os fatos históricos demonstraram que não as tinha nem tem.
Tanto empresários quanto trabalhadores
perderam a centralidade no processo político brasileiro. Os trabalhadores
porque a indústria, reduzida às funções subalternas da geopolítica da
dependência, acabou limitada pela reestruturação produtiva, isto é, pela
minimização do trabalho humano na produção da riqueza.
Numa linguagem teoricamente cara às esquerdas
e à teoria do trabalho assalariado, a composição orgânica do capital já estava
mudando. A proporção de capital constante, de máquinas e matérias-primas,
estava crescendo de maneira muito desigual em relação à do capital variável, a
do capital investido em salários. O protagonismo do trabalho na produção
acentuava seu encolhimento.
Mesmo na agricultura, historicamente mais
lenta na modernização das relações de trabalho, houve verdadeira revolução. As
multidões de migrantes temporários que vinham todos os anos do Nordeste e de
Minas para cortar cana nos canaviais de São Paulo encolheram rapidamente. Hoje
um único trabalhador, manejando uma máquina, substitui centenas de
trabalhadores.
O declínio da importância produtiva do
trabalho gerou o seu declínio simbólico nas comemorações do Dia do Trabalho,
reduzidas ao mero espetáculo. Durante muitos anos, nesse dia comemoravam-se as
conquistas de direitos sociais pelos trabalhadores e pela indústria.
As mais importantes delas haviam sido a da
jornada de oito horas de trabalho, o descanso semanal remunerado, a restrição
ao trabalho infantil, os direitos da mulher trabalhadora. As comemorações dos
últimos anos não indicam que os trabalhadores tenham propriamente o que
comemorar.
Em algumas sociedades têm estado na pauta das demandas trabalhistas a questão da redução da jornada de trabalho, o direito ao aumento do tempo livre e a questão do uso a ser dado a ele. Anula essa aspiração a crescente categoria social de trabalhadores sobrantes. Um problema social que faz com que um número sempre maior de pessoas seja de mais de gente à procura de trabalho do que de trabalho à procura de gente. Trabalhador é agora não quem trabalha, mas quem vive intervalos de desemprego, quem alterna trabalho e procura de trabalho, certeza e incerteza.
Um comentário:
O Primeiro de Maio não é o "Dia do Trabalho", mas, sim, o "Dia do Trabalhador". Isto está na Constituição Brasileira...
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