Folha de S. Paulo
Nas eleições, pouco adiantará o expurgo legal de perfis mentirosos
Um apreciável conjunto de instrumentos se
insere na seara da política para influenciar seus rumos, criar perfis para
novos protagonistas e recriar imagens de figurantes tradicionais, situação que
se apresenta extremamente impactante nos ciclos
eleitorais. Basta enxergar seu (mau) uso nos EUA e no Brasil, países que
vivenciam o clima de eleições. As
ferramentas escolhidas fazem parte das plataformas nas redes sociais e
constituem a nova infraestrutura da arte e da técnica de fazer política na era
digital.
Os meios ancoram-se na trollagem —comentários racistas, sexistas, homofóbicos, denúncias contra desafetos etc.—, com evidente propósito de gerar aplausos para alguns figurantes e desmontar a identidade de outros. A falsidade é a bússola de fontes e receptores das redes. Seu objetivo é expandir a desinformação. Para tanto, haverá uma imersão na deepfake, com a produção de vídeos bombásticos para difamar perfis. O mergulho profundo no oceano das fraudes sinaliza intensa conflituosidade na política.
A engrenagem tecnológica abre os horizontes
da tecnopolítica,
desenhando os contornos do que podemos chamar de tecnodemocracia, com danos aos
valores democráticos. Veja-se o questionamento do governo norte-americano sobre
o aplicativo chinês TikTok. O
presidente Joe
Biden sancionou um pacote de medidas obrigando a empresa chinesa
ByteDance a vender
a operação do TikTok nos EUA para uma empresa americana. Mas a 1ª Emenda da
Constituição norte-americana diz que o Congresso não pode fazer leis que
limitem a liberdade de expressão, incluindo a liberdade de imprensa, de
religião, o direito de reunião e de se peticionar ao governo.
Em que campos atua a tecnopolítica? No campo
eleitoral, por exemplo. Os instrumentos adotados pelo marketing são: pesquisas,
discurso de campanha, comunicação, articulação e mobilização de massas. Se as
pesquisas têm uma face indutora, empurrando eleitores para o lado dos perfis
que lideram o ranking de candidaturas (tendência mais forte junto a segmentos
de baixo nível de conscientização), ganham, agora, maior força na teia
tecnológica, contando com "novos intérpretes e propagandistas", que se
integram ao universo dos marqueteiros.
A manipulação abre com a interpretação das
pesquisas. Pré-candidatos, com um ou dois pontos percentuais à frente do
segundo colocado, são
apresentados como "vencedores". Sob a biruta de algoritmos
"trabalhados" pela inteligência
artificial, candidatos vestirão o manto das classes sociais, adornando seu
discurso com toques populistas.
No rol programático habita o maior desafio
dos candidatos: escolher temas que preencham as demandas de eleitores que
pensam diferente sobre eles. Os propagandistas usarão trollagens para dourar a
pílula de seus contratantes. Haja fake news.
Pouco adiantará o expurgo
legal de perfis mentirosos. O cordão de falsificadores substituirá os
eliminados com novos "marqueteiros" —entre os quais, robôs.
Na seara da comunicação, o foco estará na
embalagem. (A propósito, nas redes, o ditador
russo, Vladimir Putin, tem sido mostrado como dirigente simpático e
"humano" ao acarinhar crianças, pegando-as no colo; dançando
em bailes; e tirando selfies com noivas saindo da igreja. E, até, piscando um
olho para amigos em solenidades).
A mídia massiva se afastará de apoios
explícitos, mas acabará assumindo posicionamentos a favor dos seus
escolhidos. Em
tempos de polarização, as redes acabarão sinalizando desejo de vitória para
eles. No campo da articulação, as plataformas tentarão estabelecer a conexão
das candidaturas com os segmentos organizados. Será explícito o rolo compressor
de apoio e financiamento, como é o caso do agronegócio.
Quanto à mobilização, uma novidade: as massas
tendem a desaparecer para dar lugar a grupos organizados. Carreata? Motociata?
Grupos específicos. Caravanas articuladas nas redes. Showmícios? Poderão
surgir. Grandes concentrações serão oxigenadas pela polarização. No Brasil
rachado ao meio, os líderes das duas bandas tentarão arregimentar as massas,
mesmo em campanhas municipais.
O ambiente do ciberespaço tende a ganhar status de maior palco da política. E a tecnopolítica avolumará as enchentes de ódio.
Um comentário:
Jesus!
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