O Globo
Ao Poder Judiciário cabe um papel nessa complexidade atrelada à emergência climática
Há razões graves para relembrar em 2024, às
vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente,
5 de junho, o dever de restaurar e preservar a Terra. Estão no banco dos réus
as intervenções humanas que se tornaram irremediavelmente perigosas ao sistema
climático mundial.
Uma especial audiência planetária se dará na
Conferência do Clima sobre Mudanças
Climáticas (COP30), em novembro de 2025, em Belém. A temática, que foi
tratada no Brasil pela primeira vez na conferência Rio 92, está de volta à
agenda dos Poderes da República, inclusive o Judiciário. É dela que eclode a
questão do século. Não se pode desperdiçar o maior evento global de discussões
climáticas, agora dentro da própria Amazônia e dos povos que vivem nela.
Mas a emergência é agora. Refiro-me à catástrofe no Rio Grande do Sul. Trata-se de um desastre climático, extremo, severo, e eventos como esse estão fadados à repetição.
O relatório do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de março de 2023, atesta o aumento da
temperatura global, gerando catástrofes e ambiente adverso em termos das
condições de sobrevivência das populações. O alcance da temperatura limite
estabelecida pelo Acordo de Paris pode ocorrer até 2040. Urgem ações para
reduzir as emissões de gases de efeito estufa e evitar tragédias ainda maiores.
O Papa
Francisco, na Encíclica Laudato Si, ao refletir sobre nossa casa comum,
chama a atenção para que avisos não soem como mensagem repetida ou vazia.
Há lições a cumprir: na área da prevenção,
além de imprescindíveis investimentos em infraestrutura, a mitigação dos
efeitos dos desastres climáticos. É preciso haver protocolos e ações efetivas
em sistemas de proteção no planejamento e gestão; tem aí espaço de relevo o
conjunto de elementos que compõem a estrutura urbana, a planificação, a
ocupação do solo. A recuperação abrange a estabilização, a reabilitação dos
serviços essenciais, a reparação, a redução de riscos de novos desastres, o
reerguimento da vida, da economia e da infraestrutura. Tem mais.
Ailton Krenak, primeiro indígena eleito
membro da Academia Brasileira de Letras, convida-nos a repensar sobre a
sustentabilidade e os perigos para um futuro habitável que o pensamento único a
respeito da civilização e do desenvolvimento cria. Numa sociedade aberta e
plural, livre e democrática, verdadeiramente inexiste uma concepção unitária do
modo de ser e de estar.
Caminhos há, como o valor das florestas para
capturar carbono, de modo especial as florestas tropicais e o bioma Caatinga.
Isso sem falar na urgência de reduzir a emissão de gás carbônico pelos
conglomerados urbanos. A questão climática é a interpelação que nos lança ao
encontro do primado da ciência e da razão.
Ao Poder Judiciário cabe um papel nessa
complexidade atrelada à emergência climática. A gestão do ministro Luís
Roberto Barroso na presidência do STF e do CNJ tem
estado atenta e ativa quanto às ações de sustentabilidade, porquanto os
tribunais são instados ao enfrentamento célere e efetivo das questões
referentes ao Direito intergeracional e ao meio ambiente equilibrado e sadio.
As respostas, também, devem lançar um olhar
mais atento aos direitos daqueles que mais sofrem e padecem dos males trazidos
pelas mudanças extremas do clima: minorias e populações vulneráveis.
É preciso pensar o presente de modo a
assegurar um porvir às gerações futuras. Manter a integridade ecológica para
que aqueles que ainda não nasceram tenham um mundo para viver. Eis o dever
ético a que todos são chamados.
Aprendi com Hannah Arendt que devemos sempre
nos questionar sobre o que estamos a fazer. Venho afirmando que é preciso
valorizar a pesquisa, as evidências e a experiência. O encontro rumo a Belém já
começou, e que seja repleto de propósito nessa responsabilidade, para que todos
mereçam um futuro com sustentabilidade social e igualdade. O tempo é curto, e a
tarefa é longa.
Às vésperas do 5 de junho cumpre aprofundar
seriamente as reflexões. Não haverá solução mágica. O Judiciário fará
certamente o que for necessário no âmbito de suas atribuições.
*Luiz Edson Fachin é vice-presidente do Supremo Tribunal Federal
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