Crime organizado na Amazônia impõe reação imediata
O Globo
Apreensões feitas pela Polícia Federal na
região indicam atuação cada vez maior de quadrilhas
A conjugação de altos rendimentos com nenhum
risco de maiores punições provoca uma corrida do crime organizado para a
exploração de atividades ilegais na Amazônia,
na exploração de ouro, madeira, caça e pesca. Além do evidente reforço na
vigilância e repressão, com uma coordenação entre instituições locais e
federais, é preciso urgência na aprovação pelo Congresso de um Projeto de Lei
apresentado em outubro, com a assessoria da Polícia
Federal (PF), para elevar as penas de crimes ambientais cometidos por
quadrilhas.
O assassinato do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista e servidor licenciado da Funai Bruno Pereira, em 2022, no distante Vale do Javari, perto das perigosas fronteiras com Peru e Colômbia, chamou a atenção para a pesca ilegal no local. A atuação de grupos criminosos naquela região amazônica começou a ser retomada assim que o reforço policial foi sendo relaxado.
A atração que as vastas oportunidades de
negócios ilegais na Amazônia passou a exercer sobre organizações criminosas
articuladas com esquemas internacionais de tráfico de drogas é comprovada pelo
crescimento dos bens e valores apreendidos pela PF no combate a atividades de
quadrilhas na região. De janeiro a outubro do ano passado, o que foi confiscado
de grupos que cometem crimes ambientais na Amazônia chegou a R$ 1,15 bilhão, um
terço de todas as apreensões feitas no período — de R$ 3,1 bilhões—, quase tanto
quanto o R$ 1,17 bilhão confiscado em investigações sobre o tráfico de drogas.
As apreensões feitas junto às quadrilhas flagradas em delitos contra a flora e
fauna, sem considerar os valores bloqueados pela Justiça, cresceram 25% de um
ano para o outro. Se a polícia aumentar o poder de investigação, a alta nos
próximos anos será maior.
É grande o poder corruptor desses grupos. Há
pouco, a PF apreendeu automóveis e joias de luxo, uma moto aquática e barras de
ouro, além de dinheiro em espécie, no endereço de empresários que pagavam
mesada a dezenas de policiais militares do Pará, para trabalhar na segurança e
na logística do garimpo ilegal. Nos autos da Operação Cobiça, que provocou o
afastamento de 35 policiais, o juiz federal do caso deixou registrado que as
investigações constataram que um casal formado por um servidor público e uma
enfermeira assalariada conseguiu em poucos meses comprar automóveis por mais de
R$ 500 mil.
A expansão dessa fronteira do crime permite
arranjos como o de pilotos de oito helicópteros que, junto com mecânicos,
formaram um grupo para prestar serviço tanto ao garimpo ilegal quanto ao
tráfico de drogas. A quadrilha foi desbaratada em março, mas não se pode
garantir que outras não tenham se formado, atraídas pela possibilidade de altos
lucros e a inexistência de risco de elevadas punições pela legislação sobre
crimes ambientais.
Essa conjugação de baixo risco e alta
recompensa estimula a criminalidade em todo o mundo. Relatório do Grupo de Ação
Financeira Internacional (Gafi), entidade intergovernamental, estima que
empreendimentos criminais contra o meio ambiente geram, a cada ano, entre US$
110 bilhões e US$ 281 bilhões de receita, sendo a terceira atividade ilegal
mais lucrativa, depois do tráfico de drogas e de armas. A experiência
brasileira demonstra que há quem explore mais de uma dessas atividades ao mesmo
tempo.
Sistema de transporte público do Rio precisa
ser mais transparente
O Globo
Adiamento de novo bilhete eletrônico expõe
obstáculo à integração das concessões municipais e estaduais
Na semana passada, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD),
anunciou o adiamento da operação exclusiva do bilhete eletrônico Jaé, que passará a
ser o único aceito nos transportes municipais, como ônibus, BRTs, VLT e vans
legalizadas, em substituição ao RioCard. A mudança estava prevista para
fevereiro, mas ficou para julho. Ainda não se sabe como será feita a integração
com os transportes sob gestão estadual. Irritado, Paes disse estar enfrentando
“uma turma que é uma máfia”. As empresas alegam que os problemas na implantação
são causados pela própria Prefeitura. O episódio demonstra mais uma vez as
dificuldades para tornar o sistema de ônibus mais transparente e integrado na
segunda maior cidade do país.
Atualmente os dados ficam concentrados numa
empresa ligada às transportadoras, responsável por repassá-los à Prefeitura. Em
tese, isso mudaria com a implantação do novo bilhete eletrônico. Quando o
passageiro validar seu cartão na roleta, as informações serão transferidas para
a Prefeitura. E o município repassará os valores às empresas de ônibus. A
promessa é que esses números ficarão disponíveis num portal da transparência.
Ter a noção exata dos dados do setor é fundamental, uma vez que o poder público
subsidia o transporte com base no que é apresentado —no ano passado, foi
repassado às empresas R$ 1,3 bilhão.
Paes alega que hoje o município não dispõe de
informações detalhadas para planejar o sistema. Uma das queixas é não saber
quantos passageiros são transportados a cada hora na cidade, informação
importante para calcular a distribuição da frota ao longo do dia. As empresas
costumam argumentar que repassam os dados pedidos pela Prefeitura. Os
desentendimentos sobre aspectos importantes do transporte municipal mostram
quanto ainda é preciso avançar.
Outro problema que o Rio não consegue
resolver é a integração entre os diversos meios de transporte, essencial para
facilitar a vida dos passageiros e permitir tarifas com desconto. As
dificuldades para integrar o novo bilhete do município aos demais evidenciam
políticas públicas equivocadas. Sabe-se que boa parte dos cidadãos precisa
pegar mais de uma condução nos deslocamentos casa-trabalho-casa. Por isso
mesmo, é necessário que as tarifas de metrô, trens, barcas, ônibus
intermunicipais (que são concessões do estado) sejam integradas às dos ônibus
municipais, VLT, BRTs e vans. De modo geral, não é isso que acontece.
Ao longo dos anos a falta de transparência
tem sido a tônica no transporte público. É óbvio que essa responsabilidade não
se restringe às empresas, mas também ao poder concedente, a quem cabe planejar
e fiscalizar. A Prefeitura poderia ter mirado um sistema mais eficiente quando
fez a licitação do serviço de ônibus em 2010, mas perdeu a chance. Município,
estado e empresários precisam agora se entender sobre as mudanças, para o bem
dos usuários. O único que não tem responsabilidade pelos problemas do setor é o
passageiro, que, ao fim, é quem paga a conta.
Estouro da meta decorreu de escolhas da
política econômica
Valor Econômico
O custo para desinflacionar a economia é mais
alto em virtude da desancoragem das expectativas de inflação e da inércia
inflacionária do ano anterior
A inflação oficial superou, pela terceira vez
nos últimos quatro anos, o intervalo de tolerância estabelecido pelo regime de
metas. O responsável maior por recolocar o índice de preços no alvo de 3% é o
Banco Central, que tem mandato legal, autonomia e os instrumentos necessários à
sua disposição. A tarefa será tão menos custosa para o setor real da economia
quanto maior for o apoio da política fiscal - e quanto menores forem os ruídos
políticos em torno do trabalho técnico do BC. O IBGE divulgou na sexta-feira o
Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2024, que ficou em 4,83%. O
percentual supera o limite superior do intervalo de tolerância da meta de
inflação, de 4,5%.
Como determina a legislação, o presidente do
BC, Gabriel Galípolo, escreveu uma carta aberta ao ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, explicando os motivos do novo estouro, as providências que
estão sendo tomadas para corrigir o problema e o horizonte em que pretende
colocar o IPCA de volta na meta.
O BC apresenta uma análise numérica, com o
uso de instrumentos matemáticos e estatísticos, que decompõe os fatores que
levaram ao estouro da meta. A seca, que afetou negativamente os preços dos
alimentos, teve um papel importante, com um impacto de 0,38 ponto percentual na
inflação de 2024. A alta do dólar deu uma contribuição mais expressiva, de 1,21
ponto percentual. O sobreaquecimento da economia teve peso relevante, com um
impacto de 0,49 ponto. A inércia inflacionária (0,52 ponto) e a desancoragem das
expectativas (0,3 ponto) também foram fatores preponderantes.
Corretamente, a autoridade monetária se
restringe à análise técnica do descumprimento da meta, sem nomear os
responsáveis. Mas seria um erro entender todos esses eventos como exógenos, ou
seja, como acontecimentos fora do controle do BC e do próprio governo. A
inflação acima da meta é resultado também das decisões sobre a taxa de juros
tomadas pelo próprio BC, do conjunto da política econômica adotada pelo governo
e do ambiente político em que a autoridade monetária operou.
Houve acontecimentos fora do controle direto
das autoridades de Brasília, como a seca, que contribuiu para uma alta de 8,22%
nos preços do grupo alimentação e bebidas. Uma parte da desvalorização cambial
de 21,8% ocorrida em 2024 pode ser atribuída aos cortes menos profundos do que
o esperado na taxa de juros pelo Federal Reserve (Fed).
Choques inesperados de oferta, como esses,
ocorrem corriqueiramente, e, ao BC, nada resta além de acomodá-los no intervalo
de tolerância da meta - além de combater os seus efeitos secundários, evitando
que se espalhem para outros preços da economia. Não teria havido o estouro do
teto da meta se a pressão inflacionária se restringisse a esses fatores.
Mas houve danos autoinfligidos. A carta
aberta reconhece, acertadamente, que a significativa depreciação cambial
"decorreu principalmente de fatores domésticos". Ou seja, da
percepção dos mercados de que o governo não está disposto a apresentar um plano
crível para gerar os superávits primários necessários para, num horizonte
razoável, estabilizar e reduzir a dívida bruta.
“O crescimento da atividade econômica, que
surpreendeu para cima ao longo do ano, foi forte e também contribuiu para a
inflação acima do intervalo de tolerância”, completa o documento. A demanda
agregada cresceu acima da capacidade de oferta em decorrência da expansão
fiscal, da força do mercado de trabalho e do vigoroso crescimento do crédito
bancário e do mercado de capitais. Esses fatores são decorrentes de escolhas de
política econômica. Em todas as circunstâncias, estava ao alcance da política
de juros agir de forma contracíclica.
O custo para desinflacionar a economia é mais
alto em virtude da desancoragem das expectativas de inflação e da inércia
inflacionária do ano anterior. Os participantes do mercado estão céticos sobre
a possibilidade de o BC cumprir o centro da meta de inflação sem o controle das
contas públicas. Ataques ao BC das alas políticas do governo, incluindo o
presidente Lula, levantaram dúvidas sobre se a política monetária seria
autônoma o suficiente para executar o seu trabalho.
Na carta aberta, Galípolo repassa o plano
para recolocar a inflação na meta, que já é conhecido. O Copom do BC iniciou,
em dezembro, um choque de juros, que levará a Selic a 14,25% ao ano até março.
Os especialistas já esperam que o aperto siga até meados do ano, com uma taxa
de 15% ao ano. O BC passa o recado de que, independentemente das origens da
inflação, a política monetária é eficaz para equacionar o problema.
Os modelos de projeção do Copom sugerem que,
seguindo essa estratégia, a inflação vai cair à meta no final de 2026, com um
custo mínimo em termos de perda de atividade. A desaceleração tende a ser
gradual, sem recessão, com um nível de ociosidade da economia estimado em 0,6%
do PIB potencial em meados de 2026.
Esse pouso suave da economia assume como
premissa que o governo vai fazer a sua parte, reduzindo os estímulos à economia
por meio do cumprimento das metas de resultado primário e dos limites do
arcabouço fiscal. Ainda assim, a incerteza fiscal tende a perdurar, já que os
compromissos assumidos pelo governo são insuficientes para conter a trajetória
insustentável da dívida pública. Isso deixa a economia vulnerável a novos
choques negativos que podem aumentar ainda mais os custos para o BC baixar a
inflação para a meta definida pelo governo.
Trump reinaugura a era das bravatas
Folha de S. Paulo
Intimidação sobre Groenlândia, Canadá e o
canal do Panamá, embora pouco crível, implicará incertezas nas finanças e na
política globais
Prestes a tomar posse para o segundo
mandato, Donald Trump se
exercita nas bravatas geopolíticas. O republicano falastrão faz insinuações
ameaçadoras sobre a Groenlândia, o canal do Panamá e o Canadá.
Ninguém que tenha acompanhado seu primeiro
governo, batido na eleição de 2020, deveria se surpreender com isso. Propagar
intimidações integra o código de vestimenta do populismo universal, seguido a
rigor por Trump.
Na década passada, o então estreante na Casa
Branca prometia endurecer com a Europa, a China e o
regime iraniano. Encenou uma pantomima
com o ditador norte-coreano a pretexto de pacificar o país comunista.
Os quatro anos da administração se passaram
sem nenhum grande feito da política externa norte-americana. Irã e Coreia do
Norte mantiveram a marcha belicosa, China e Rússia expandiram
sem embaraço as suas ambições de influência regional.
Agora a retórica
trumpista regride ao nacionalismo fragmentário do século 19, em que
cada potência se dedica ao seu quintal. Para deter chineses e russos no extremo
norte, o presidente eleito predica que os Estados
Unidos passem a controlar a Groenlândia dinamarquesa e, por que não,
também o Canadá.
Tomar posse da passagem
escavada entre o Atlântico e o Pacífico, hoje sob soberania do Panamá, também
seria uma medida necessária, segundo a cartilha ultrapassada, para evitar o
predomínio da China neste hemisfério.
A experiência do primeiro governo e as
dificuldades práticas da "agenda" recomendam não tomar ao pé da letra
as quixotadas de Trump. A tediosa e metódica execução das prioridades de
governo não faz parte do seu estilo.
O político a
ser empossado no próximo dia 20 não costuma se comprometer com nada
que não possa ser desfeito ou esquecido na manhã seguinte. O que mais lhe
importa é manter o frenesi das cruzadas imaginárias.
Nem sequer as promessas mais constantes, de
dar um choque
nas tarifas de importação e na política
migratória, deveriam ser consideradas absolutas diante do óbvio risco
inflacionário, e portanto político, que implicam.
No front externo, as relações entre as nações
estão hoje bem mais esgarçadas do que quando Donald Trump assumiu o primeiro
mandato, em 2017. A margem para trapalhadas na diplomacia se reduziu e
aumentaram os custos da irresponsabilidade.
Custos e incertezas em elevação, nas finanças
e na política mundiais, é o que se pode esperar com maior probabilidade da
segunda passagem de Donald Trump pela Presidência dos Estados Unidos. Mesmo que
ao final não implemente as ideias destrutivas que aventou, ele no poder já é
garantia de instabilidade.
É uma pena que o governo do Brasil continue a
endividar-se como se não houvesse amanhã mesmo com um novo período de
turbulências globais no horizonte imediato. Há tempo, contudo, para aumentar as
defesas.
É contraproducente tabelar juros do
consignado
Folha de S. Paulo
Governo autoriza reajuste das taxas, o que
parece deixar de lado controle populista que ameaçava a oferta do crédito
Com a autorização para aumento nas taxa
de juros de
empréstimos consignados a aposentados e pensionistas do INSS, o governo,
por meio do Conselho Nacional de Previdência
Social, dá sinal de que começa a deixar a política de lado em favor da
realidade do mercado, em que o custo de capital sobe com a taxa Selic, do Banco Central.
O consignado é um tipo de empréstimo pago com
desconto direto nos benefícios previdenciários ou na folha de salários. A
legislação permite comprometer até 45% da renda mensal, sendo 35% com
empréstimos pessoais, 5% com cartão de crédito e 5% com cartão de benefício.
Por ter risco baixo, o consignado se
transformou numa das linhas de crédito mais baratas, com elevada penetração de
mercado, razão pela qual o governo fará bem em manter o fluxo de novos
empréstimos.
Para tanto é preciso fixar taxas realistas
para as condições de mercado, capazes de remunerar o custo
de captação dos bancos, a inadimplência e as necessidades operacionais, que
incluem o pagamento de agentes terceirizados, como é comum nos bancos médios
que não contam com rede de atendimento ampla.
As taxas de financiamento da modalidade passaram
de 1,66% para 1,8% ao mês, ainda abaixo do pleito dos bancos, que
pretendiam cobrar 1,99% ao mês. A justificativa do CNPS é que a nova taxa já
significa 23,8% em termos anualizados, muito acima do patamar atual da Selic,
de 12,25%.
É verdade, porém vale considerar que o custo
de captação relevante para empréstimos de prazo longo é a taxa de prazo mais
longo, atualmente mais próxima de 15% ao ano.
Aparentemente, o novo limite aprovado
viabiliza a continuidade de desembolsos, ao permitir a volta de operações com
captação terceirizada que haviam sido suspensas por vários bancos.
Também parece haver entendimento no governo
de que os custos devem ser ajustados conforme a variação dos juros básicos, um
bom sinal depois de vários meses em que o Ministério da Previdência adotava
retórica de inspiração populista.
Também é preciso, além das taxas realistas,
ampliar a concorrência e minimizar custos operacionais com ganhos de
eficiência. Daí a importância de manter bancos médios e outros agentes nesse
mercado, com vistas a evitar concentração indevida nas grandes instituições.
Melhor mesmo seria deixar que as taxas fossem fixadas a partir da livre competição. Intervenções artificiais nos preços sempre geram problemas de oferta.
A lição do ministro Fachin
O Estado de S. Paulo
‘Ao Direito o que é do Direito, e à política
o que é da política’, ensinou o ministro Edson Fachin, ressaltando a
necessidade de despolitizar o STF para efetivamente defender a democracia
No dia 8 passado, por ocasião do aniversário
do ataque bolsonarista às sedes dos Poderes em Brasília, o vice-presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, fez um enfático discurso
defendendo a autocontenção da Corte.
Na defesa da democracia, ensinou Fachin,
“cabe sempre observar o limite da Constituição”. E, numa frase lapidar,
declarou: “Ao Direito o que é do Direito, e à política o que é da política”.
Mais claro e preciso, impossível.
O vice-presidente do STF ainda ressaltou que
“a Constituição estabeleceu que o ‘jogo’ é o da democracia”, mas, recorrendo a
uma obviedade que, de fato, deve ser dita nestes tempos estranhos, Fachin
relembrou que, “numa democracia, não cabe ao árbitro construir o resultado”, ou
seja, “o juiz não pode deixar de responsabilizar quem violou as regras do jogo,
mas não lhe cabe dizer quem vai ganhar”.
Eis então que nem tudo está perdido no
Supremo Tribunal Federal. Ainda há quem se constranja com a mistura entre
política e Justiça que hoje frequentemente ocorre no STF, a ponto de os
presidentes da República, responsáveis por nomear ministros para a Corte, já
não esconderem mais que norteiam suas escolhas baseadas na presunção de que o
indicado trabalhará a favor das pautas do governo.
Na campanha eleitoral de 2022, o então
presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que a eleição presidencial era
importante basicamente porque daria ao vencedor o direito de escolher dois
novos ministros do Supremo.
Não se pode dizer que Bolsonaro estava
errado: o Supremo se converteu há um bom tempo em arena política, não só por
provocação de partidos políticos inconformados com suas derrotas nas votações
no Congresso, mas porque alguns de seus ministros se consideram titulares de
uma missão civilizatória. Movidos por esse ativismo, atropelam competências do
Congresso e inventam determinações legais que, não raro, confrontam a própria
Constituição pela qual deveriam zelar.
Portanto, não é por acaso que o STF tem
perdido a confiança de uma parcela significativa da sociedade, como atestam
pesquisas. A degradação da credibilidade da Corte é fruto do trabalho diligente
de alguns de seus ministros, que parecem fazer pouco-caso da natureza colegiada
do tribunal e da austeridade inerente à judicatura.
Os críticos desse estado de coisas costumam
ser tratados pelos próceres do STF como antidemocráticos, como se o desconforto
com o comportamento de alguns ministros e com algumas decisões do Supremo fosse
sinônimo de golpismo e constituísse um ataque ao Estado Democrático de Direito.
Reconheça-se que, por não terem sido eleitos pelo voto direto, os ministros do
Supremo são, por definição, livres para tomar decisões contramajoritárias. Se
isso é verdade, também é verdade que, exatamente por não terem sido eleitos,
devem evitar decisões que atropelem quem foi eleito para legislar.
No entanto, o STF tem sido visto por muitos
cidadãos como o árbitro que interfere no resultado do “jogo da democracia”, nas
sábias palavras de Fachin. Há pouco tempo, sublinhamos nesta página que, ao
ignorar as críticas ao corporativismo, ao ativismo judicial e, no limite, ao
partidarismo, o STF, a pretexto de “salvar a democracia” ou “recivilizar o
País”, tem degradado o mesmo Estado Democrático de Direito que jura estar
protegendo (ver editorial A
credibilidade do STF em queda livre, 2/1/2025).
O Supremo Tribunal Federal, como instituição
da mais alta relevância no regime republicano, tem neste jornal um de seus mais
ferrenhos aliados. Trata-se de uma posição que vem desde anos antes da
Proclamação da República, após a qual, em junho de 1890, a Corte passou a
adotar o nome pelo qual é conhecida até hoje. Todavia, para que este Supremo
impessoal, republicano e olímpico diante das pressões da política e da opinião
pública possa voltar a viver seus melhores dias, é preciso que haja um profundo
reexame de consciência entre alguns de seus ministros. Não é algo difícil. Com
boa vontade, humildade e, sobretudo, espírito público, basta que olhem para o
lado e mirem o exemplo de discrição e sobriedade de Edson Fachin. O País só tem
a ganhar com um STF que fala a voz das leis e da Constituição, não a dos
ministros.
Mais confusão no aborto legal
O Estado de S. Paulo
Conselho dominado por militantes ignora o
governo Lula, afronta o Congresso e atropela autoridade dos pais na tentativa
de acelerar procedimento em crianças e adolescentes
Formado por representantes da sociedade civil
e do governo federal, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (Conanda) realizou a façanha de alinhar reacionários e a gestão
Lula da Silva na rejeição a uma resolução sobre o acesso ao aborto legal por
menores vítimas de violência sexual. Nenhum conselheiro do Executivo chancelou
as diretrizes do normativo. Não é para menos, haja vista que o Conanda parece
ter ignorado leis, afrontado o Congresso e atropelado a autoridade dos pais.
A ideia central da resolução seria garantir,
“da forma mais célere possível e sem a imposição de barreiras sem previsão
legal”, a interrupção da gravidez em casos de estupro de vulnerável, de relação
sexual com menores de 14 anos, de risco de vida da gestante e de anencefalia do
feto, ou seja, casos em que o aborto é permitido. Mas o Conanda foi muito além.
Segundo a resolução, se o profissional de
saúde atestar que a grávida menor de idade tem “capacidade de tomada de
decisão”, o aborto deve ser realizado mesmo à revelia dos pais, “se a presença
dos responsáveis puder causar danos físicos, mentais ou sociais à criança ou
adolescente”.
Ora, em primeiro lugar, menores de idade,
conforme determinação legal, não podem decidir nada por si mesmos, ainda que
haja alguém que se diga apto a atestar que a grávida menor de idade tem
“capacidade de tomada de decisão”. Crianças não podem nem sequer viajar
sozinhas sem autorização dos pais ou responsáveis, que dirá autorizar um
aborto.
Além disso, não se sabe a quem cabe comprovar
os tais “danos físicos, mentais e sociais” causados pela presença dos pais. Por
último, mas não menos importante, quem ousará ignorar vários dispositivos do
Código Civil que tratam do chamado “poder familiar” com base em apenas uma
resolução?
De acordo com o Código Civil, ambos os pais
detêm o pleno exercício do poder familiar, dirigindo a criação e a educação dos
filhos – mesmo que não sejam bons pais aos olhos da sociedade. Isso não
significa, por óbvio, que a criança ou a adolescente não tenha o direito de
manifestar sua vontade de interromper uma gravidez resultante de um brutal ato
de violência, muitas vezes cometido dentro da própria casa por parentes e
pessoas próximas. Mas tampouco se pode conferir a uma resolução a destituição
do poder familiar.
O Código Penal é claro em estabelecer que o
sexo com menores de 14 anos é estupro de vulnerável, assim como é cristalino em
traçar as hipóteses do aborto legal, mas prevê a anuência de seu representante
legal. Não há que impedir o cumprimento da lei e é de repudiar as recentes e
insistentes investidas de setores reacionários para dificultar o acesso a esse
procedimento. Mas não será ao arrepio da Constituição e das leis que o Conanda
garantirá a efetivação desse direito.
Em todos os casos, com ou sem a capacidade de
tomada de decisão da criança ou da adolescente, o procedimento deve ser
acompanhado pelos responsáveis. As divergências familiares insuperáveis devem
sempre ser dirimidas pelo Judiciário.
E, da forma como foi aprovada no dia 23 de
dezembro, a resolução padece de muitos vícios. Representantes do governo Lula
da Silva alertaram durante a votação que um parecer da Consultoria Jurídica do
Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania apontava para a invasão de
competências do Congresso pelo Conanda e pediu vista, o que foi negado.
Na ocasião, a militância falou mais alto e
ignorou o rigor técnico e jurídico para dar lugar a paixões. Dos 28
conselheiros do Conanda, 15 aprovaram a infeliz resolução e 13 votaram contra.
Da tropa de choque bolsonarista, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF)
obteve uma liminar suspendendo a publicação da resolução. Em recurso, uma ONG
conseguiu reverter a decisão, e o normativo vale desde o dia 8 de janeiro.
Além de unir o governo Lula da Silva, decerto
mais preocupado com retaliações do Congresso do que com o aborto legal, e a
bancada bolsonarista, cujo compromisso é com o retrocesso, o Conanda extrapolou
suas atribuições, tentou reduzir a autoridade dos pais e atiçou novas disputas
ideológicas, que só tendem a polarizar ainda mais o País. Enquanto a
irracionalidade dominar esse debate, muitas meninas seguirão alijadas de fato
de seu direito.
Negligência na cantina da escola
O Estado de S. Paulo
Pesquisa mostra que ultraprocessados dominam
vendas, um grave risco à saúde de crianças
Alimentos ultraprocessados dominam o cardápio
de cantinas das escolas particulares no Brasil. Esses estabelecimentos vendem,
em média, 50% mais ultraprocessados do que alimentos in natura ou minimamente
processados, segundo a pesquisa Comercialização de Alimentos em Escolas
Brasileiras (Caeb).
Foram analisadas informações de 2.241
cantinas de todas as capitais do País e do Distrito Federal entre 2022 e 2024.
E os dados, coletados pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em
parceria com mais 23 instituições, deveriam preocupar gestores escolares,
autoridades públicas e, sobretudo, os pais.
O menu dessas cantinas favorece a obesidade.
O temor dos pesquisadores com o que os alunos comem se justifica, haja vista
que cerca de 30% das crianças e dos adolescentes hoje estão acima do peso,
segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS).
A concorrência com a alimentação saudável,
porém, é desleal. Ultraprocessados, que comprovadamente fazem mal à saúde, são
mais baratos do que alimentos in natura e são expostos nos pontos de venda nas
escolas de forma a chamar a atenção. São refrigerantes, salgados com recheios
ultraprocessados, bombons e chocolates, salgadinhos de pacote e biscoitos
recheados.
Trata-se de um convite a hábitos nada
saudáveis. Como afirmou ao Estadão a professora Larissa Loures, do
Departamento de Nutrição da UFMG e coordenadora da pesquisa, “quanto mais cedo
o contato (com alimentos ultraprocessados)”, maior a exposição a “uma série de
fatores de risco para as doenças crônicas não transmissíveis”.
Nas escolas públicas, já há ações para inibir
o consumo desses alimentos. Por diretriz do Programa Nacional de Alimentação
Escolar (Pnae), a compra de processados e ultraprocessados é limitada a 20% do
orçamento da merenda escolar.
Cessar esse círculo vicioso da má
alimentação, seja nas escolas públicas, seja nas privadas, é um dever coletivo
– espontaneamente, esse cenário não mudará. Prova disso é o efeito de uma lei
estadual no Rio Grande do Sul que proíbe a venda de produtos que causam
obesidade, diabetes e hipertensão em cantinas escolares. Não à toa, as cantinas
das escolas de Porto Alegre são hoje as que servem a alimentação mais saudável,
segundo a pesquisa.
Na Câmara dos Deputados, um projeto de lei
para vetar refrigerantes nas escolas tramita há 14 anos. Já no Senado, um
projeto para proibir ultraprocessados e bebidas com alto teor de caloria,
gordura e açúcar em cantinas teve a votação adiada no dia 13 de novembro de
2024 e sabe-se lá quando voltará à discussão na Casa.
Como se vê, o assunto não parece ser uma prioridade. Mas deveria, pois, segundo o artigo 227 da Constituição, “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade”, uma série de direitos, entre eles a alimentação e a saúde, que só se alcançam com uma alimentação minimamente saudável. Hoje, com o nível de informação disponível sobre os danos causados pelos alimentos ultraprocessados, não há mais desculpa para a negligência de escolas, pais e Estado com a alimentação dos estudantes.
Economia circular no cotidiano dos
brasileiros
Correio Braziliense
No dia a dia, inúmeras atitudes podem reduzir
despesas e contribuir para a sustentabilidade. Por que não pegar aquilo que
está parado em casa e procurar trocar por algo mais útil naquele momento?
Cada vez mais se consolidando como uma nova
ordem mundial, a economia circular apresenta conceito e alcance amplos.
Essencial para o futuro do planeta, seu fundamento conquista empreendedores,
tanto pela necessidade ambiental quanto pelo retorno financeiro, porém ainda há
um vasto campo para ampliação, especialmente em relação aos consumidores. Da
adesão às empresas que adotam essa premissa à revenda e troca de produtos, são
diversas as possibilidades para o cidadão — e que precisam ser incentivadas por
governos e instituições.
Nesta época do ano, muitos pais pelo Brasil
fazem uso dessa alternativa de forma intensa para renovar o material escolar
dos filhos. Livros, mochilas, uniformes e outros itens usados, porém em bom
estado de conservação, são vendidos a preços mais baixos, numa rede que ajuda
no orçamento familiar, sempre pesado em janeiro com impostos, férias e gastos
de dezembro. A questão é fazer essa atividade virar um comportamento.
No dia a dia, inúmeras atitudes podem reduzir
despesas e contribuir para a sustentabilidade. Por que não pegar aquilo que
está parado em casa e procurar trocar por algo mais útil naquele momento? Ou
vender um eletrodoméstico que precisa de reparo para quem pode fazer o conserto
sem, simplesmente, descartá-lo no lixo? Mudar essa maneira de consumo da
população, fazendo com que um mesmo produto adquira valor por mais tempo no
mercado, é um desafio.
Além de um hábito a ser transformado, o
intenso estímulo à aquisição de mercadorias bate de frente com a economia
circular. Mas o que pode parecer ruim para alguns empresários é, na verdade, um
leque de oportunidades. Ao contrário do modelo linear tradicional, o
reaproveitamento, a reciclagem e a remanufatura oferecem opções de trabalho e
de lucro. Com estratégias bem desenvolvidas, torna-se possível a criação de
postos de emprego e de novas fontes de faturamento. A partir da utilização da
tecnologia e da aposta na inovação, a circularidade promove o crescimento de
maneira sustentável.
No país, a economia circular ainda precisa
envolver mais os compradores, protagonistas na cadeia produtiva. Há conquistas
importantes nesse quesito, no entanto, não o bastante diante de todo o
potencial. A troca e a revenda de mercadorias despontam com variadas hipóteses
no cotidiano das pessoas, indo ao encontro da tendência que altera hábitos,
contribui para o sustento dos lares e promove a preservação do meio ambiente.
Já a reciclagem abre as portas para negócios de sucesso.
No âmbito das empresas, o salto maior da economia circular depende também de condições regulatórias que garantam estímulos, como na tributação. Associar o máximo de desenvolvimento a um melhor uso de recursos naturais é outro ponto. Medidas que envolvem as esferas de governo e passam pelas instituições, num movimento de sintonia, devem ser adotadas. No contexto dos cidadãos, a conscientização e o olhar para as formas criativas de consumo e de produção são a proposta desse tipo de modelo. A vontade de aderir e de expandir o método são a chave desse processo. Os brasileiros, com toda a diversidade do país, têm a chance de transformar as relações de produção e de comércio, sendo exemplos de êxito para o mundo no conceito da economia circular.
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