segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Novo produto, velha estratégia, mesma mentira – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Por que Bette Davis, Humphrey Bogart, Lauren Bacall e Peter Lorre acendiam 30 cigarros por filme?

Outro dia, numa revista americana dos anos 1940, vi um anúncio estrelado por John Wayne. Era do tipo em que o modelo fala, e o produto era o cigarro Camel. No título, Wayne já dizia: "Os papéis que interpreto exigem muito da minha voz. Não posso me arriscar a uma irritação de garganta. Por isso fumo Camel. Ele é suave" —sublinhado e tudo. Seguia-se o texto: "Estou há muito tempo no cinema e sei a importância da suavidade do cigarro para um ator. Assim, quando precisei decidir qual cigarro era mais adequado para minha garganta, fui exigente. Fiz um teste de 30 dias com Camel e descobri por que mais pessoas fumam Camel do que qualquer outra marca".

Wayne escolheu Camel porque não irritava sua garganta. Mas todos os outros cigarros prometiam isso, e também nas palavras de astros do cinema: Fred Astaire, Bob Hope e Ronald Reagan diziam o mesmo do Chesterfield. Gary Cooper, Marlene Dietrich e Al Jolson, do Lucky Strike; e Lucille Ball, no apogeu de "I Love Lucy", jurava pelo Philip Morris. Conclui-se que, até para os fabricantes, o cigarro irritava a garganta, exceto o deles.

Foto que fez da exposição 'Propaganda de Cigarro. Como a Indústria Enganou Você' na Livraria Cultura, em São Paulo (SP), com imagens de propagandas de cigarro dos anos 1920 aos 1950; na imagem o ator John Wayne - Divulgação

Se o Camel era melhor para Wayne por ser suave, não seria ainda melhor não fumar? Mas nem se cogitava isso porque, em parceria com os estúdios, os fabricantes tinham conseguido impor a ideia de que, não ria, fumar era tão natural quanto respirar. Não era bem por acaso que tantos astros da Warner nos anos 1940 —Bette Davis, Charles Boyer, Peter Lorre, Humphrey Bogart, Lauren Bacall— acendiam 30 cigarros por filme.

O Brasil e muitos países conseguiram derrotar o cigarro no fim do século passado. Mas, agora, os fabricantes voltam à carga com um novo produto e com a mesma estratégia: o cigarro eletrônico é "melhor" do que o cigarro comum porque "não é prejudicial à saúde".

Em artigo recente na Folha ("Não se deixem enganar, os fabricantes de cigarros não querem ajudar os viciados", 1º/1), o dr. Drauzio Varella mostra números e fatos acachapantes sobre esta mentira que, 100 anos depois, o cigarro eletrônico está conseguindo vender —aos velhos e, desgraçadamente, novos fumantes.

 

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